Deputados vão pedir que projetos sobre homofobia não passem por comissão de Feliciano

Comunidade no Facebook que oferece aplicativo online para usuários poderem enviar beijo-protesto já tem mais de 12 mil curtidores; CDH prepara votação em massa de projetos pró-homofobia

Desde que Feliciano assumiu a comissão, protestos pró e contra se tornaram comuns, e o trabalho do colegiado ruiu (Foto: José Cruz. Agência Brasil)

São Paulo – Deputados que deixaram a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDH) da Câmara vão entrar com recurso pedindo que o colegiado deixe de avaliar propostas legislativas a respeito da homofobia. Na visão dos parlamentares do PT, PSOL e PSB, o grupo presidido pelo deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) não tem condições de avaliar iniciativas desse tipo.

A deputada Érika Kokay (PT-DF), uma entre os parlamentares que abandonaram a comissão em protesto contra Feliciano, acredita em uma ação para se erguer um projeto de poder. “Não há espaço democrático na comissão. Ela foi dominada por um setor que, em um primeiro momento afastou da pauta todas as discussões sobre homofobia. E agora, com reuniões fechadas, sem participação da sociedade, trouxe todas as propostas de uma vez. É uma prática fascista”, avalia. “Vamos entrar com recurso na Mesa Diretora da Câmara pedindo que a comissão seja impedida de votar projetos sobre direito homoafetivo por falta de isenção de seus membros”, afirma.

A próxima reunião da CDH, convocada para quarta-feira (8), deverá tratar de temas polêmicos e mantidos distantes nos últimos tempos. Dois projetos de lei e um projeto de decreto legislativo sobre direito homoafetivo foram colocados em pauta pelo presidente da comissão.

Feliciano assumiu este ano o comando do colegiado, criado em 1995 e presidido desde então por parlamentares progressistas, que sempre pautaram projetos favoráveis à expansão dos direitos sociais. Em um primeiro momento, houve uma negociação para tentar retirar o deputado do PSC da presidência da CDH, mas nem mesmo os pedidos do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), mudaram a situação. Sem conseguir mudar o panorama, deputados fundaram a Frente Parlamentar dos Direitos Humanos e Minorias, uma tentativa de manter aberto um espaço para a negociação de temas como aborto, direito homoafetivo, igualdade de gênero e racismo. 

Enquanto isso, a Comissão de Direitos Humanos transformou-se em um espaço de protestos por parte de movimentos sociais, que passaram a ser confrontados por organizações evangélicas também presentes ao plenário do colegiado, frequentemente fechado por Feliciano para evitar contestações. 

Agora, o deputado do PSC pode colocar em votação uma série de propostas polêmicas. O PL 7382/2010, de autoria do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), propõe a “criminalização da discriminação contra heterossexuais” e a criação de políticas públicas para impedir esse tipo de agressão. De autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), o Decreto Legislativo 234/2011 retira o Artigo 4º e o parágrafo único do Artigo 3º da resolução 001 de 1999, do Conselho Federal de Psicologia, que determina que profissionais da área não atuem em ações que proponham a “cura” de homossexuais nem de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica. Ambos têm perspectiva de aprovação na atual composição da comissão.

Em nota, o Conselho Federal de Psicologia afirma que o projeto do deputado tucano de Goiás é inconstitucional. “O cuidado da psicologia, que baliza a atuação ética dos psicólogos, está voltado para reduzir ou mesmo dirimir o sofrimento gerado pelo preconceito social e pela humilhação que esse preconceito cotidianamente produz”, argumenta o comunicado.

Um outro projeto de lei, o PL 6418/2005, originado no Senado, trata de tornar crime diversas formas de discriminação e foi apensado a sete outros projetos. Entre eles estão três que colocam a segregação por orientação sexual entre os tipos criminais. A proposta ganhou nova redação da relatora, deputada Érika Kokay, contemplando “todas as formas de discriminação”. Por essa amplitude, que perturba a bancada religiosa conservadora, o texto pode ser rejeitado ou alterado pela comissão. Já há votos em separado dos deputados Doutor Talmir (PV-SP), Pastor Manoel Ferreira (PTB/RJ) e Henrique Afonso (PV-AC), que consideram desnecessária a inserção do item orientação sexual no texto.

A deputada Iara Bernardi (PT-SP), autora do PL 122/2006, que criminaliza a homofobia, não acredita no avanço das propostas. “São projetos retrógrados que vão contra tudo o que a comissão representa. Mesmo que se consiga quórum para analisar a proposta, ainda terão de passar por outras comissões, como a de Constituição de Justiça, antes de ir à votação. E, certamente, não vingarão”, afirmou. Para ela, a situação tem afetado todo o funcionamento da Câmara. “Feliciano orientou a segurança sobre quem pode ou não assistir as sessões, limitou o acesso do povo à Câmara”, lamentou.

Segundo Iara, existe um absurdo desconhecimento das propostas sobre criminalização da homofobia, que levam a todo tipo de distorção. “A questão é combater a violência, a segregação, e não a fé de quem quer que seja. O PL 122/2006 não tem uma única linha sobre casamento, mas usou-se essa questão como argumento em vários momentos, confundindo a opinião pública. Nós nunca buscamos enfrentamento com qualquer grupo social”, esclarece.

Os deputados Marco Feliciano, João Campos e Eduardo Cunha não foram localizados pela RBA.

Beijaço e terremoto virtual

Beijo VirtualNo mesmo dia em que a Comissão Extraordinária de Direitos Humanos e Minorias se reunia pela primeira vez, na última quinta-feira (25), o ilustrador Ivan Mola e o quadrinista Adriano Batista lançaram na rede social Facebook a comunidade Beijaço Virtual no Laerte para protestar contra a permanência do deputado Marco Feliciano na CDH da Câmara.

Ivan e Adriano se inspiraram na seção “Quadrinhos” da Folha de S. Paulo do mesmo dia, em que cartunistas desenharam seus personagens e a si mesmos se beijando em nome da liberdade e dos direitos humanos. Eles usaram o desenho original de Laerte publicado no jornal, e em pouco tempo receberam e agruparam milhares de quadrinhos e fotomontagens de pessoas beijando o cartunista.

Na tarde desta quinta-feira (2), quase 12 mil pessoas haviam curtido a comunidade e mais de 22 mil estavam discutindo o assunto. “O protesto virtual e artístico é importante porque tem uma disseminação rápida e pode-se alcançar gente de todo lugar. Recebemos beijaços da Argentina, Espanha, Itália e Chile. É importantíssimo que a sociedade se dê conta do problema que é ter alguém assim no cargo que Marco Feliciano ocupa”, afirmou o ilustrador e diretor de arte Ivan Mola, de 32 anos.

Para Adriano Batista, também responsável pela comunidade, o protesto tem efeito de “terremoto virtual”. “Espero que isso chame a atenção porque é preciso acontecer algo. É para mostrar que as pessoas se importam. Eu sou católico, devoto de São Pedro e Santo Expedito e lasco um beijão no Laerte. Isso não me faz menos cristão”, protesta Adriano, de 35 anos.

Apesar de a comunidade ter surgido a partir de cartuns, os organizadores também incentivam a participação das pessoas que não sabem desenhar, mas que querem marcar posição contra a permanência de Marco Feliciano na CDH. Eles oferecem um aplicativo online em que o usuário da rede social pode fazer uma foto com sua webcam e enviar seu beijo-protesto à comunidade.