proteção efetiva

Crise Yanomami exige fim de cadeia do garimpo e apuração dos crimes

Conselho Indigenista Missionário elogia medidas de emergência, mas diz que proteção efetiva depende de ação permanente contra garimpo dentro das Terras Indígenas

Igor Evangelista/MS
Igor Evangelista/MS
Força Nacional do SUS atende crianças Yanomami na comunidade Surucucu. Garimpo está na gênese da emergência

São Paulo – O povo Yanomami só estará protegido de fato com o desmonte da cadeia do garimpo e a apuração e punição dos crimes. É o que defende o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em carta à população e às autoridades. Para o órgão vinculado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o decreto de Emergência Sanitária do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no final de janeiro de 2023, e a adoção de medidas necessárias e fundamentais têm alcance imediato.

São medidas que buscam, em um primeiro momento, salvar vidas. E que ao mesmo tempo deverão recuperar a atenção primária em saúde dentro do território. Ou seja, em diálogo com as comunidades indígenas, será possível retomar os programas de atendimento, prevenção e cuidado cotidiano da saúde do povo Yanomami.

“Entretanto, as medidas de emergência sanitária não serão efetivas se não for abordada de forma contundente, firme e permanente a desintrusão do garimpo de dentro da Terra Indígena (TI) Yanomami e de outras terras indígenas no país, bem como o desmantelamento de toda a estrutura de apoio e de toda a cadeia de interesses que há por trás do garimpo e que envolve agentes públicos e privados”, diz trecho da carta.

Para o órgão, as responsabilidades políticas, civis e criminais deverão ser apuradas com rigor e deverão alcançar os mais altos interesses econômicos e políticos, tanto no âmbito do governo federal anterior como no âmbito do poder Legislativo.

Medidas adicionais para proteger os Yanomami do garimpo

O conselho critica o governo de Jair Bolsonaro (PL), que já poderia ter adotado as mesmas medidas que Lula tomou. É o caso do controle do tráfego aéreo e fluvial. E pede que tais medidas sejam acompanhadas por outras:

  • Controle da venda de combustíveis ou mantimentos por parte de empresários locais e, efetivamente, a continuidade das investigações. Isso até que se chegue aos mandantes e articuladores da rede criminosa que lucra com a destruição do território e dos meios de vida da população Yanomami;
  • Instalação de medidas necessárias no âmbito dos inquéritos policiais e da retomada da proteção territorial, para evitar que o garimpo se desloque em direção a outras terras indígenas ou, inclusive, retorne ao mesmo território Yanomami.

A desintrusão dos garimpeiros é medida urgente, como o confirma a atuação rápida do novo governo. A situação é complexa e exige determinação. Imagens de movimentos e deslocamentos de grupos de garimpeiros, por via fluvial ou varando no meio da floresta, circularam nos últimos dias em mensagens em redes sociais e em imagens de vídeos. Estes deslocamentos não significam necessariamente a livre e espontânea decisão de sair definitivamente do território.

Retomada da proteção dos territórios indígenas

É fundamental instalar as medidas necessárias, no âmbito dos inquéritos policiais e da retomada da proteção territorial, para evitar que o garimpo se desloque em direção a outras terras indígenas ou, inclusive, retorne ao mesmo território Yanomami, como demonstra a apreensão, pelas forças de segurança, de garimpeiros que adentravam o território na quarta-feira (8).

O Cimi defende também que a saída dos garimpeiros deverá ser acompanhada de medidas de apuração dos crimes cometidos contra o povo Yanomami: assassinatos, ameaças, intimidações, exploração sexual, aliciamento e destruição do ambiente, com o qual os Yanomami tecem, com uma riqueza cultural imensurável, sua visão de mundo e seu projeto de vida.

“Somos cientes da complexidade deste trabalho de investigação, considerando o volume do contingente garimpeiro. Os crimes cometidos, contudo, precisam ser apurados; do contrário, o Estado passaria a mensagem de uma naturalização da violência contra os povos indígenas e de uma impunidade absolutamente inaceitáveis, alimentando as condições para que esta violência continue também em outros territórios”, diz outro trecho da carta.

Para o conselho indigenista, medidas sociais e econômicas que favoreçam a inserção e empregabilidade de pessoas envolvidas no garimpo parecem fundamentais. No entanto, não poderão ser tomadas em detrimento da necessária apuração dos crimes cometidos contra o povo Yanomami.

Desastre ambiental e violação de direitos indígenas

O órgão salienta que a configuração social do garimpo atualmente é muito mais complexa que décadas atrás. E que nunca interessou à elite política de Roraima, que ocupa o poder regional há décadas, a busca de alternativas para estes segmentos sociais.

Afinal, sempre defenderam o garimpo como solução econômica para o estado e sempre defenderam apenas seus próprios interesses. E isso mesmo cientes do desastre ambiental e da violação de direitos que o garimpo significava.

O conselho indigenista manifestou preocupação com declarações públicas de membros do atual governo federal que apontam para soluções que contemplam a persistência desta prática. A possibilidade de concretizar áreas reservadas ao garimpo em Roraima, como anunciado pelo ministro da Defesa, mesmo que “fora das terras indígenas”, mostra a pouca compreensão que se tem sobre o problema.

Esta proposta estava contemplada no projeto de lei de autoria do governo estadual de Roraima, presidido por Antônio Denarium, aprovado pela Assembleia Legislativa do estado em janeiro de 2021 e suspenso um mês depois pelo STF.

Lavagem do ouro extraído de forma ilegal

Além de autorizar de forma irresponsável o uso do mercúrio, organizações indígenas e a sociedade civil chamaram a atenção para o fato de que a regularização do garimpo “fora da terra indígena” acabaria servindo, de forma evidente, para a lavagem do ouro que continuaria sendo retirado ilegalmente dentro dos territórios indígenas.

“Nos surpreende agora que um tema já superado retorne como suposta solução aos problemas econômicos de Roraima – e, neste caso, com a anuência e apoio de membros do novo governo federal. O garimpo nunca foi, nem será, solução econômica para Roraima e apenas irá manter a permanente degradação ambiental, violação de direitos e manutenção dos privilégios de uns poucos’, diz o Cimi.

“Entendemos que o atual governo federal precisa manter a firmeza e a coesão, compreender o histórico da região e, sobretudo, escutar com maior profundidade aos povos indígenas e suas organizações”, diz outro trecho da carta.

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Redação: Cida de Oliveira – Edição: Helder Lima