Guerra sangrenta

Brasil teria quase seis mortes violentas a menos por dia sem liberações de armas por Bolsonaro

Estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública comprova que mais de 6 mil pessoas teriam sido poupadas de morte violenta entre 2019 e 2021 não fosse o aumento do número de armas de fogo em posse da população civil

Carolina Antunes/PR
Carolina Antunes/PR
"São mais de 6 mil famílias chorando seus mortos por uma irresponsabilidade de uma legislação que não tem razão de ser", reprova a diretora executiva do FBSP

São Paulo – Estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgado nesta sexta-feira (30) confronta e desconstrói o discurso bolsonarista de estímulo ao armamento da população civil, ao concluir que a redução no número de homicídios no país entre 2019 e 2021 poderia ter sido ainda maior não fosse a política de liberação de armas de fogo e munições do governo de Jair Bolsonaro (PL). 

A análise, divulgada pelo jornal O Globo, mostra que o Brasil teria cerca de 6.400 (o estudo crava o número de 6.379) mortes a menos no período. O que equivale a quase seis vidas por dia que teriam sido poupadas da morte por arma de fogo nos últimos três anos.

O total de homicídios provocados diretamente pela política armamentista do atual presidente se equipara ao número de mortos em toda a região Norte ao longo do ano de 2021. Além de ser superior ao total contabilizado na região Sul neste ano. “Arrisco a dizer que uitas dessas vidas poupadas decorrem de acidentes domésticos e conflitos interpessoais, como brigas políticas, entre vizinhos e feminicídios”, diz à reportagem a cientista social Samira Bueno, diretora executiva do FBSP. 

De acordo com a pesquisadora, o país está diante de uma mudança de padrão de violência e de criminalidade. Após atingir o pico de mortes violentas em 2017, o Brasil vem registrando queda nesse tipo de ocorrência. A 16ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública identificou que no ano passado, por exemplo, 47.503 mortes violentas intencionais foram registradas. Apesar do número elevado – média de 130 assassinatos por dia – houve uma queda de 6,5% em relação a 2020. 

Governo Bolsonaro: mais armas, mais violência

O governo Bolsonaro baixou mais de 40 atos normativos que flexibilizam regras para a compra de armas de fogo e munições. Mas, ao tentar compreender como essa política armamentista influenciou nesse cenário trágico, o estudo comprova que a suposta relação entre a redução do número de mortes violentas com maior circulação de armas é uma mentira.

O estudo do Fórum mostra que, a cada 1% de aumento de armas em posse da população, a taxa de homicídios cresce 1,1%. Um resultado já apontado em outros estudos, inclusive internacionais. Da mesma forma, também desmente a falácia de que o acesso às armas dissuadiria os bandidos de cometerem novos crimes contra o patrimônio.

Ao contrário, o FBSP identificou que, a cada 1% no crescimento de armas liberadas a civis, a taxa de latrocínio – roubo seguido de morte –, aumenta cerca de 1,2%. Uma das explicações para isso, segundo a análise, é de que a arma passa a ser uma motivação a mais para o assalto. Ou seja, quanto mais armas em circulação, mais armas migrarão para o mercado ilegal. O que pode ocorrer por roubos, mas também por extravios ou até mesmo por ação premeditada de seus proprietários, que podem agir como intermediários entre a compra legal e a destinação da arma para a criminalidade.

“Quando essas armas forem para a ilegalidade, a tendência é que sejam mais do que seis vidas que poderiam ser poupadas por dia. O número atual já é significativo: são mais de 6 mil famílias chorando seus mortos (em três anos) por uma irresponsabilidade de uma legislação que não tem razão de ser”, contesta Samira. 

Desafio para o futuro

Por sua vez, um relatório do Instituto Sou da Paz, divulgado pela RBA, também indicou que desde que Bolsonaro escancarou o mercado de armas, ainda em 2019, são registradas em média cerca de 1.300 armas compradas por brasileiros por dia. Em 2018, um ano antes de Bolsonaro ser eleito, havia 350 mil armas registradas em nome de colecionadores, atiradores e caçadores (conhecidos como CACs). Um número que passou para 1 milhão em julho de 2022. 

Ao O Globo, Samira Bueno adverte que será um desafio para o próximo governo manter pelo menos em patamar estável a taxa de mortes violentas dentro desse contexto de explosão de novas armas de fogo em circulação, agravado pelos desvios para o crime organizado. “Ainda que tenha uma revisão e anulação de portarias e decretos, precisamos ter clareza de que essas armas não vão desaparecer do dia para a noite. A gente continua com um problema de médio e longo prazo, porque a vida útil de uma arma é de em torno de 50 anos”, alertou.