#JustiçaParaRicardo

Ato em São Paulo cobra justiça para Ricardo, catador morto há cinco anos pela PM

Manifestação em frente ao Fórum da Barra Funda marca audiência de instrução que pode decidir se os policiais irão a júri popular pela morte do carroceiro

Pimp My Carroça/Twitter/Reprodução
Pimp My Carroça/Twitter/Reprodução
Ricardo foi executado pela PM em 12 de julho de 2017 com dois tiros na altura do peito. Moradores e movimentos protestam contra "ato covarde"

São Paulo – Desde as 12h em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, ativistas pelos direitos humanos, moradores do bairro de Pinheiros e o movimento Pimp My Carroça – que atua junto a catadores de recicláveis atrás da arte, tecnologia e participação coletiva – protestam por justiça para o catador de materiais recicláveis Ricardo Silva Nascimento, morto há cinco anos pela Policia Militar. 

Segurando faixas pedindo “basta de genocídio no Brasil” e “parem de atirar”, os manifestantes buscam com o ato pressionar para que os dois PMs acusados pela morte de Ricardo – José Marques Madalhano e Augusto Cesar da Silva Liberali – sejam levados a júri popular. Uma decisão sobre a ida ou não dos acusados ao Tribunal do Júri pode sair nesta terça-feira (7), em audiência de instrução fórum. 

Professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Amnéris Maroni, moradora de Pinheiros, avalia que um julgamento a portas fechadas seria conveniente para os acusados. Por isso, de acordo com ela, os movimentos cobram o júri popular. “É a única maneira de acabar com o genocídio em nosso país”, explica. 

Lembre o caso

Amnéris é psicoterapeuta e tem consultório na Rua Sebastião Velho, esquina onde se deu o catador foi morto – entre a ruas Mourato Coelho e Navarro de Andrade. Foi neste local que, em 12 de julho de 2017, por volta das 18h, Ricardo, o negão, então com 39 anos, levou pelo menos dois tiros na altura do peito, disparados pelo PM Madalhano. Como muitos outros moradores, a professora considerava o catador seu vizinho, conforme descreveu mais cedo à jornalista Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual

“Ele morou na mesma rua em que eu tenho meu consultório durante anos. Mas nunca, nunca, nunca fez mal a ninguém. Ele ficava com a carroça dele e no máximo nos cumprimentava, era uma pessoa muito quieta e muito risonha”, detalhou.

No dia do crime, funcionários de uma pizzaria chamaram a polícia, depois de negarem um pedido de Ricardo por comida. Amnéris diz que ele ficou nervoso porque tinha esquizofrenia. Um dia antes foi abordado e levado ao 14º Distrito Policial por não ter carteira de identidade pelo mesmo policial que atirou. O carroceiro tinha um pedaço de pau na mão de cerca de 80 centímetros que a PM alegou ter sido usado para enfrentar os agentes. Mas, em vez dele ser imobilizado pelos dois policiais, o catador acabou morto ao levar dois tiros a curta distância que atingiram o coração e o fígado. 

Mobilização

O Ministério Público denunciou os PMs à Justiça em 2019. E, desde o crime, moradores de Pinheiros seguem mobilizados denunciando o caso como um assassinato covarde. Testemunhas à época também acusaram a polícia de alterar a cena do crime para dificultar o trabalho da perícia. Os policiais retiraram o corpo do local e o colocaram na viatura.

“Ele (Ricardo) ficou nervoso, tinha esquizofrenia, um caso parecido com Genivaldo (de Jesus Santos)”, compara a psicoterapeuta. Ela refere-se ao caso do homem negro morto por asfixia em Sergipe por três agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que transformaram uma viatura em “câmara de gás”. “Então mais grave do que ser pobre e carroceiro, era também uma pessoa com processos mentais difíceis. E a Polícia Militar não tem nenhum trato para abordar as pessoas e vai e mata sumariamente”, protesta Amnéris.

A audiência nesta terça também marca o Dia Nacional da Luta das Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis. Passados cinco anos, uma carroça branca, revitalizada pelo artista Mundano, marca no mesmo local do crime a posição dos moradores de Pinheiros que não se conformaram com a execução de Ricardo. “Porque foi realmente um terror”, destaca a professora.

Caso simbólico

Covardia no bairro de classe média alta, a cena de execução de Ricardo é infelizmente corriqueira na periferia da cidade, como lembra o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em Direitos Humanos e presidente do grupo Tortura Nunca Mais, no Jornal Brasil Atual. Ariel diz que o crime contra Ricardo é simbólico, contudo, para que a violência policial não seja banalizada em nenhum local, independentemente do CEP. 

O especialista explica que os policiais estavam em superioridade numérica e contavam com meios não letais para conter Ricardo. De acordo com ele, trata-se de homicídio qualificado por motivo fútil e cabe levar os dois PMs a júri popular. Ariel comenta, no entanto, que a decisão pode ficar para daqui dois meses. Esta será a segunda audiência do caso, para ouvir testemunhas. O juiz ainda deve abrir prazo para as alegações finais tanto da defesa quanto da acusação.

A expectativa, contudo, é que a pressão social impeça que esse caso fique impune dada a morosidade do julgamento. “Isso mostra uma atuação policial que acaba sendo corriqueira no Brasil, nesse caso foi em um bairro de classe alta, mas com relação ao pobre. E é isso que temos que discutir no Brasil. Nós vimos há uns anos um empresário sendo abordado em casa, depois de uma denúncia de violência doméstica em Alphaville, e os policiais sendo xingados, mas agiram de forma educada e cordial. Mas quando vão abordar pessoas pobres, negras, jovens em regiões periféricas ou mesmo em bairros de classe média, eles atuam de outra forma. Então de fato temos um aparato policial racista, discriminatório. E temos que também culpabilizar as autoridades que incentivam que os policiais matem”, adverte Ariel de Castro Alves.