Vida de inspiração

Ativistas da educação e dos direitos humanos lamentam a morte de Roberto da Silva

Incansável defensor dos direitos humanos das crianças, adolescentes e pessoas privadas de liberdade, Roberto da Silva viveu nas ruas e na Febem e mais tarde no cárcere. Fez da educação a ponte para superar e denunciar o sistema

Marcos Santos/USP Imagens
Marcos Santos/USP Imagens
Roberto da Silva morreu nesta segunda-feira (18), aos 66 anos. Ele estava internado em estado grave no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo

São Paulo – Educadores e ativistas dos direitos humanos lamentaram a morte do professor livre-docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Roberto da Silva. Ele morreu ontem (18), aos 66 anos. A causa não foi divulgada, mas o docente estava internado em estado grave no Instituto do Coração (Incor), conforme informações do deputado federal Vicentinho (PT-SP), em sua conta na rede X, antigo Twitter.

“Pessoal, com imensa tristeza, informo que o Professor Doutor Roberto da Silva, livre docente, faleceu ainda há pouco no Instituto do Coração. Eu o visitei ontem. Ele estava em situação de saúde muito grave. Que Deus o acolha em sua plena Graça e conforte seus familiares e amigos”, escreveu o parlamentar.

Expoente da defesa dos direitos de crianças, adolescentes e pessoas privadas de liberdade, Roberto da Silva era uma das principais vozes contra a redução da maioria penal. E, como poucas pessoas, abordava o assunto com a visão dos dois lados da moeda. O professor passou 24 anos de sua vida sob custódia. Permaneceu até os 17 anos em unidades da Febem – hoje Fundação Casa – e o restante em casas de detenção.

Superação de estigmas

Ainda na infância, ele enfrentou a mudança da cidade de São José dos Campos para São Paulo, após a mãe ser abandonada pelo marido, com seus quatro filhos. Na capital, no início dos anos 1960, a matriarca, ao buscar a ajuda no Juizado de Menores, teve sua internação em um hospital psiquiátrico decretada pela Justiça. E as crianças foram parar em quatro abrigos em diferentes cidades.

Roberto só deixou a Febem aos 17 anos. Quando saiu, cometeu furtos e passou mais 10 anos no cárcere. “O ambiente era diferente, mas tinha algo de familiar, porque nós (ex-internos) nos encontrávamos. Nisso percebi que se dependesse do estado e da sociedade, teríamos um destino irremediável”, contou em 2015 em entrevista ao Jornal do Campus da USP.

Na prisão, passou a estudar Direito como autodidata, o que fez com que sua pena fosse reduzida para um quinto. Em liberdade a partir de 1984, mudou de estado. E voltou a estudar, terminou o curso supletivo e entrou para a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), onde se formou em pedagogia. De volta a São Paulo com um diploma na mão tornou-se mestre pela USP, publicando o livro Os filhos do governo (Editora Ática). E, em 2001, concluiu seu doutorado pela mesma universidade, com a tese “A eficácia sociopedagógica da pena de privação de liberdade”, obtendo a livre docência em 2009.

Pesar

“Queria investigar aquelas histórias que ficaram interrompidas”, compartilhou Roberto na entrevista. Por meio da educação, o professor recuperou sua história e descobriu que a mãe, mesmo internada à força, tentou encontrar seus filhos nos abrigos onde ele e seus irmãos estavam. “Ficou claro que nunca tínhamos sido abandonados. O que houve foi uma intervenção judicial nessa família que a destruiu. O Estado tinha nossas informações, sabia onde estávamos. Mas usavam isso contra nós, para nos manter separados. O Estado destruiu minha família”, afirmou.

Com a consciência de que a sua trajetória é uma exceção, Roberto da Silva criou diversos grupos para ajudar aos jovens que enfrentam as mesmas dificuldades em serem aceitos de volta na sociedade. Ele também se tornou vice-diretor geral do Instituto Paulo Freire (IPF), que lamentou a perda em nota. “Grande referência da Pedagogia Social no Brasil, Roberto da Silva foi um defensor incansável dos Direitos Humanos da criança, adolescente e pessoas privadas de liberdade. Nesta hora de dor, endereçamos à família, amigos e alunos nossas condolências”, afirmou em pesar o IPF.

O advogado Ariel Castro Alves, reconhecido defensor dos direitos humanos, também prestou homenagem a Roberto da Silva. “Com uma história incrível de quem superou o abandono na infância, a internação na Febem e 10 anos de prisão na Casa de Detenção de São Paulo, Roberto virou professor doutor pela USP! Nossos sentimentos!”.

O Instituto Paulo Freire também divulgou nota por meio de suas redes sociais. “Foi com profunda dor e consternação que o Instituto Paulo Freire tomou conhecimento do falecimento de Roberto da Silva. Professor livre-docente e professor titular da FE-USP, da Graduação e da Pós-Graduação, além de vice-diretor geral do Instituto Paulo Freire. Grande referência da Pedagogia Social no Brasil, Roberto da Silva foi um defensor incansável dos Direitos Humanos da criança, adolescente e pessoas privadas de liberdade. Nesta hora de dor, endereçamos à família, amigos e alunos nossas condolências.”

Redação: Clara Assunção