País em construção

Centrais listam 200 nomes na história da Independência: o 7 de Setembro não é ‘propriedade’ do governo

Pesquisador critica a tentativa de Bolsonaro de transformar uma data cívica em “mero comício eleitoral”

Reprodução/Montagem RBA
Reprodução/Montagem RBA
Paul Singer, Chiquinha Gonzaga, Chico Buarque, Margarida Alves, Elza Soares, Betinho, Zilda Arns, Machado de Assis: as várias faces do Brasil

São Paulo – Ao divulgar uma lista com 200 nomes de pessoas “com impacto positivo na vida dos trabalhadores desde 1822”, algumas centrais sindicais também demarcam o bicentenário da Independência como data cívica e não pertencente ao governo de plantão. “Nós vivemos hoje um tempo tão ruim que o próprio presidente da República trabalha para sequestrar o 7 de Setembro e transformá-lo num mero comício eleitoral, conspurcando nossos valores”, afirmou o pesquisador e consultor João Guilherme Vargas Netto, no ato de lançamento da lista das centrais, nesta segunda-feira (15), na Câmara Municipal de São Paulo.

O número, claro, faz referência aos 200 anos da proclamação da Independência. Mas Vargas Netto sugeriu inclui um nome na lista. “O povo brasileiro. Se há uma palavra que define os 200 anos da nossa nação independente, essa palavra é milagre.” Ele lembrou que, desse período, aproximadamente um terço foi marcado pela escravidão. E um quarto da era republicana foi de ditaduras. Para o pesquisador, a lista das centrais vale como um “dique da memória”, um ato de resistência e de afirmação histórica.

Linha do tempo

A relação, organizada por ordem de nascimento e incluindo pessoas do vários campos de atividade, foi elaborada ao longo deste ano pelo Centro de Memória Sindical, com apoio de seis centrais (CSB, CTB, CUT, Força Sindical, Nova Central e UGT). E funciona também como uma linha do tempo, diz a coordenadora do Centro, Carolina Maria Ruy: estão lá as lutas coloniais e operárias, o rompimento com a chamada República Velha, a fase da industrialização, a resistência à ditadura e o período de redemocratização, durante o qual surgiram as próprias centrais sindicais. Que tiveram o CGT, de 1962, como um “embrião” – a relação inclui dirigentes daquela entidade, extinta após o golpe de 1964, como Clodesmidt Riani.

“É fato que, desde as Capitanias Hereditárias, o Brasil tem forças que agem pelo retrocesso, para manter o país na pobreza e no atraso. Mas não não somos apenas o resultado desse retrocesso”, afirma Carolina. “Quando defendemos democracia, precisamos ter uma ideia de qual país temos e qual país queremos construir.”

Cultura, esporte, trabalho, política

Assim, a lista dos 200 nomes na história da Independência do Brasil procurou incluir nomes identificados com o campo progressista – mas não necessariamente de esquerda – ou que se destacaram na economia, na política, no sindicalismo, no esporte e na arte. Por isso, tem nomes como dos jogadores Garrincha, Pelé e Sócrates, ou dos músicos Chico Buarque, Pixinguinha e Chiquinha Gonzaga. Ou dos economistas Walter Barelli e Paul Singer, escritores (Lima Barreto, Jorge Amado, Ariano Suassuna, Machado de Assis), vários políticos e sindicalistas, inclusive da atualidade. E traz também militares, como Sérgio Carvalho, o capitão Sérgio Macaco, da Força Aérea, que durante a ditadura impediu um atentado planejado pela linha dura militar para responsabilizar a esquerda. A lista completa pode ser vista na página do Centro de Memória Sindical.

O CMS elaborou outra lista, também com 200 itens, de obras culturais – na literatura, música, cinema, TV, fotografia, quadrinhos e outras áreas. Ali se encontram desde O Pagador de Promessas, como o Teatro Opinião, a arte modernista, peças de Portinari e os contemporâneos Bacurau e Torto Arado.

No ato da Câmara, os nomes dos 200 brasileiros foram lidos em blocos por representantes das centrais sindicais. E, como cabia a um evento de caráter de memória, o Salão Nobre teve a apresentação da Corporação Musical Operária da Lapa, a banda mais antiga em atividade no Brasil, criada em 1881. Chegou a usar o nome de 15 de Novembro na época da Proclamação da República, em 1889, mas segundo relatos feitos hoje a mudança foi mal recebida pelos monarquistas, que protestaram e quebraram os instrumentos.