Abuso de poder

Parlamentares dizem que Damares cometeu crime em caso de aborto de menina de 10 anos vítima de estupro

Jornal aponta que, nos bastidores, ministério enviou equipe ao Espírito Santo suspeita de ter vazado o nome da criança e ter oferecido vantagens para persuadir conselheiros tutelares

Fabio Rodrigues Pozzebom/EBC
Fabio Rodrigues Pozzebom/EBC
"O papel do Ministério dos Direitos Humanos deveria ser ao contrário, o de resguardar os direitos das crianças, dos adolescentes, das mulheres", aponta a deputada Sâmia Bomfim

São Paulo – A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, teria agido nos bastidores para impedir que a criança de 10 anos, abusada sexualmente pelo tio ao longo dos últimos quatro anos, tivesse interrompida a gestação conforme previsto em lei. Desde 1940, o Código Penal garante a realização do aborto legal em caso de estupro e de risco de morte à vida da gestante, como era o caso da menina. Mesmo assim, Damares enviou à cidade de São Mateus (ES), onde vivia a menina de 10 anos, representantes do ministério e aliados políticos que pressionaram para que criança seguisse não fizesse o aborto. Teriam, inclusive, oferecido vantagens ao Conselho Tutelar local para agir conforme queria a pasta. 

Os representantes de Damares seriam também suspeitos de vazar, ilegalmente, informações sigilosas da menina de 10 anos e do hospital em que ela realizou o aborto, em Recife. As denúncias foram divulgadas neste domingo (22) pelo jornal Folha de S. Paulo

O caso chegou à polícia no dia 7 de agosto, quando a criança deu entrada em um hospital do município. Desde que tomou conhecimento do caso, poucos dias depois, Damares começou a usar as redes sociais dizendo que ia “ajudar” a vítima e seus familiares. O ministério passou a fazer contatos com os conselheiros tutelares do caso, Susi Dante Lucindo e Romilson Candeias, de acordo com a reportagem. 

A equipe que deveria ‘ajudar’

Pelo Twitter, Damares confirmou, no dia 10, que enviaria uma “missão” a São Mateus. Entre os técnicos, estavam a coordenadora geral de Proteção à Criança e ao Adolescente da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Alinne Duarte de Andrade Santana, o coordenador-geral da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, Wendel Benevides Matos, e mais dois assessores. O jornal também aponta a participação do deputado estadual Lorenzo Pazolini (Republicanos). O mesmo que invadiu um hospital de atendimento a vítimas de covid-19 para dizer que os leitos de UTI estavam “vazios”. 

Já no dia 13 de agosto, o grupo começou a se reunir com a Polícia Civil, o Conselho Tutelar e com a Secretaria Municipal de Assistência Social. Damares também participou de pelo menos um dos encontros por meio de videoconferência em que o assunto foi o aborto ao aborto da menina de 10 anos. Em uma das reuniões, é prometida a entrega do chamado “kit Renegade” ao conselho tutelar. Um kit que inclui um automóvel Jeep Renegade e equipamentos de infraestrutura. O ministério de Damares, diz, no entanto, que esse kit é entregue desde 2019 para melhorias do órgão. 

Segundo a Folha, em uma dessas reuniões quatro mulheres, identificadas como médicas do Hospital São Francisco de Assis (HSFA), da cidade de Jacareí (SP), também são apresentadas pelo grupo, como “mulheres de confiança de Damares” que teriam “a solução do caso da criança”. A proposta era levar a menina para o HSFA, onde ela faria o pré-natal até que pudesse ser realizado o parto, contrariando a lei. 

Segundo a reportagem, o hospital tem como parceiros a Igreja Evangélica Pentecostal Quadrangular, cujo o expoente foi o pastor Henrique Alves Sobrinho, pai de Damares. A ministra foi, inclusive, pastora da igreja antes de assumir a pasta do governo de Jair Bolsonaro. 

Partiram para a intimidação

A proposta, contudo, não teve êxito e o grupo seguiu com uma estratégia de intimidação aos familiares. O morador de São Mateus Pedro Teodoro, por exemplo, teve acesso ao endereço da criança e, se oferecendo para “orar”, entrou na casa na família. No local, agrediu verbalmente a avó, responsável pela criança. A família registrou um Boletim de Ocorrência e hoje Teodoro também é alvo de ação civil pública que investiga como ele teve as informações sobre o local onde a criança vivia.

Relatos feitos à reportagem também indicam que houve uma tentativa de “impedir ou retardar a alta da criança” do Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), de Vitória. A unidade que se recusou a realizar o procedimento alegando que a gravidez tinha mais de 20 semanas. A ideia era impedir que a menina chegasse a tempo de embarcar no avião que a levaria para Recife, onde fez o procedimento. 

Com o fracasso dessa tentativa, a identidade da criança e do hospital foi vazada pela extremista bolsonarista Sara Fernanda Giromini, a Sara Winter. Assim como por Pedro Teodoro, que divulgaram as informações nas redes sociais. Os dois violaram o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e outras legislações. Pessoas envolvidas no processo afirmaram ao jornal que foram os representantes de Damares que vazaram os dados que deveriam ser sigilosos. 

Parlamentares pedem investigação

O Psol denunciou o caso ao Ministério Público Federal (MPF) nesta segunda (21) e acionou a Comissão de Ética. De acordo com o deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ), o partido também fez um pedido de convocação para que Damares se explique no Congresso. “Queremos saber se a ministra se utiliza dos conselhos para perseguir os servidores públicos que cumprem a lei”, escreveu Freixo no Twitter.

A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) disse nas redes sociais que as acusações das testemunhas configuram um crime cometido por Damares. “O papel do Ministério dos Direitos Humanos deveria ser ao contrário, o de resguardar os direitos das crianças, dos adolescentes, das mulheres. Não permitir que nenhuma criança ou mulher passe por nenhuma forma de violência e que ela possa sim ter os direitos respeitados pelo Estado brasileiro”. 

O senador Humberto Costa (PT-PE) ingressará com uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) para que Damares responda por crime de responsabilidade.

Nas redes sociais, Damares chamou de “mentirosas” as denúncias sobre sua atuação e dos técnicos do ministério. “Deixamos claro que o tempo inteiro nossa atuação ocorreu para fortalecer a rede de proteção à criança em São Mateus. Oferecemos melhorar o Conselho Tutelar e até curso foi ministrado com esse objetivo. Não vamos deixar de trabalhar na defesa das crianças e adolescentes da cidade”, alegou a ministra.