Cerco

PM leva um soldado por ativista a debate sobre criminalização dos movimentos sociais em SP

Fernando Grella, secretário da Segurança Pública de São Paulo, foi convidado, mas não compareceu. Efetivo policial de mais de 200 homens foi única representação da SSP no local

Luka Franca

Cordão da tropa de choque envolve manifestantes durante debate na Praça da Sé, no centro de São Paulo

São Paulo – “A última vez que vi essa praça assim foi no velório do operário Santo Dias da Silva, no fim da ditadura (1964-1985)”, com essa memória, o coordenador da Pastoral da População de Rua em São Paulo, padre Júlio Lancellotti, definiu o cerco da Polícia Militar ao debate sobre a criminalização dos movimentos sociais ocorrido na tarde de ontem (2), na Praça da Sé, centro da capital. Cerca de 200 policiais, praticamente um para cada um dos cerca de 200 ativistas presentes ao local, acompanharam o debate e causaram clima de tensão. Estavam presentes oficiais da Tropa de Choque, protegidos com armaduras negras, da cavalaria e do agrupamento tático.

A PM chegou ao local do debate com meia hora de antecedência. O primeiro agrupamento do Choque se posicionou em frente à imagem de São Paulo, em frente à Catedral da Sé. Logo em seguida, chegaram sete veículos da cavalaria e mais três ônibus da Tropa de Choque, todos ostentando armas de munição de borracha, bombas e escudos. Além deles, viaturas da Força Tática e motos das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), com Apoio de Motocicletas (Rocam), reforçaram a vigilância na região.

Com a equivalência numérica, a PM aproveitou para repetir a tática de cercar os atos políticos. Um agrupamento de soldados posicionou-se na rua Onze de Agosto, e outros três à frente do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo, na praça Clóvis Beviláquia, no sentido da rua Anita Garibaldi. Também ocupou o acesso da praça para o TJ, ao lado esquerdo da Catedral da Sé, com outros 60 policiais do Choque, e a escadaria que leva para a rua Irmã Simpliciana, deixando o grupo de militantes sem rotas de fuga, exceto pelas fontes e espelhos d’água da praça.

O tenente-coronel Levi Rios, comandante da operação, não quis comentar a orientação que a polícia teria recebido para o acompanhamento do debate. Disse à reportagem apenas que procurasse a assessoria de imprensa da PM, que não quis confirmar o número exato de policiais presentes no local, mas ressaltou que apenas um batalhão de cavalaria, com 12 oficiais, estava no local. A RBA averiguou número bastante superior de policiais no entorno do debate.

O método de confinar ativistas em espaço público foi uma repetição da tática utilizada em outras duas manifestações nesta semana, nos dias 24 e 30, que protestavam contra as prisões do professor de inglês Rafael Marques Lusvarghi e do estudante e funcionário da Universidade de São Paulo (USP) Fábio Hideki Harano. Eles foram detidos sem acusações durante uma manifestação no último dia 23 por policiais civis, supostamente por integrarem grupos de black blocs e portarem explosivos. Vídeos de celular feitos no momento da revista da bolsa de Hideki, no entanto, levantam suspeita de que o “flagrante” teria sido forjado.

No primeiro protesto, a polícia cobrou a apresentação de um líder formal para os movimentos presentes e prometeu que, caso contrário, não haveria manifestação nas ruas. E não houve. A PM encurralou os manifestantes no vão do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na avenida Paulista, e não permitiu a saída da marcha. Ontem, o ato foi marcado por forte repressão, com revistas aos manifestantes e uso de bombas de gás lacrimogênio, e culminou com a prisão de seis pessoas, entre eles os dois advogados, Daniel Biral e Silvia Daskal, do grupo Advogados Ativistas, que atua no apoio a movimentos sociais.

Na tarde de ontem, não houve violência física ou prisões, mas a tensão foi forte do início ao fim do debate. O debate sobre criminalização dos movimentos foi chamado pelo Movimento Passe Livre (MPL) para discutir e manifestar repúdio às ações de repressão contra as manifestações, as prisões de manifestantes sem provas e o inquérito policial nº1 de 2013, que o movimento considera ilegal “por não buscar apurar algum crime específico, mas, sim, mapear e guardar informações a respeito dos manifestantes, enquadrando as pessoas em um grupo de suspeitos”, explicou o militante Lucas Monteiro.

Convidado para o debate, o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella Vieira, não compareceu nem enviou representante.

O MPL protocolou, também nesta quarta, um pedido de habeas corpus pleiteando o cancelamento do inquérito, em virtude da ilegalidade. Para Monteiro, a intenção da PM foi de intimidar o ato. “Mas não vai funcionar. Temos dialogado com outros movimentos e agimos em várias frentes. Não vamos deixar o medo se estabelecer”, afirmou.

Segundo o advogado Rodolfo Valente, que acompanha os movimentos, o pedido de habeas corpus é também uma forma de cobrar um posicionamento do judiciário paulista. “A Justiça de São Paulo tem se omitido, quando não reafirmado as ações de repressão. Além de não se colocar quando de ações como o inquérito nº1/2013, manteve prisões de militantes, mesmo sem provas”, explicou.

Para Lancellotti, a atuação da polícia é uma declaração de guerra. “Eles estão com medo da mobilização da juventude. Todo esse aparato é pelo temor que eles têm da organização social. E ontem, o que eles fizeram foi declarar guerra. A violência, a brutalidade e a insensibilidade da ação transparecem isso”, disse. O padre comentou ainda que tem havido legitimação por parte da imprensa quanto às prisões, mas que espera que a demonstração das ilegalidades provoque o movimento contrário.

A militante do MPL Erica de Oliveira também criticou a atuação de legitimação da violência policial. “O Estado tem tentado criar divisões entre os bons e maus manifestantes e parte da imprensa tem contribuído com essa visão de que existem formas certas e erradas de se manifestar”, protestou.

Para ela, no entanto, não há novidade na conduta da polícia. “A criminalização da luta social é uma constante ao longo da história do nosso país. Todos os que fogem às regras e colocam em questão a ordem vigente do Estado repressor foram, são e serão considerados criminosos”, comentou. Erica ressaltou que não se trata de uma ação repressora localizada. “Isso é parte de uma estrutura estatal. Todos os poderes, nas três esferas de governo, têm defendido endurecimento da repressão. Defenderam, inclusive, o inquérito nº1/2013”, completou.

Mateus Masteroni, do Comitê Popular da Copa em São Paulo, avalia que os mega eventos – Copa do Mundo e Olimpíada – são o mote para o aumento desproporcional da repressão. “A situação piorou muito desde que o Brasil foi escolhido sede da Copa do Mundo. Foram R$ 2 bilhões investidos em armamento, treinamento e inteligência. Se antes havia cotidiana repressão sobre manifestações, hoje se impede até mesmo o início dos atos”, ressaltou.

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