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Justiça anula leilões de terrenos do estado e defende direito à moradia

Juíza argumenta que moradores têm direito a Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia e que a negação desse por parte do estado alimenta a especulação imobiliária

danilo ramos/rba

A Secretaria de Planejamento, que organiza os leilões, alegou que as áreas estavam vazias

São Paulo – A juíza da 6ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, Alexandra Fuchs de Araújo, julgou procedente o pedido da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e anulou os leilões de 60 terrenos onde vivem cerca de 400 pessoas nos bairros do Brooklin e Campo Belo, na zona sul de São Paulo. A magistrada considerou que suposto prejuízo financeiro alegado pela Secretaria Estadual de Planejamento e Desenvolvimento Regional, organizadora dos pleitos, não pode ser argumento para impedir a correta tramitação de processos administrativos e a garantia de direitos humanos e sociais.

Para a juíza, não há dúvidas quanto ao direito dos moradores de ser, ao menos, atendidos pelo governo estadual. E que este não pode negar conhecimento sobre a situação das famílias, como tentou, ao afirmar que os locais não estavam ocupados, como demonstrou a reportagem da RBA. “O fato é que construíram os imóveis, realizaram benfeitorias, pagam luz, água e inclusive IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) , com a ciência por parte do estado e do município.”

Alexandra completou, afirmando a ilegalidade do processo dos leilões. “Ao iniciar o procedimento licitatório ignorando a existência da habitação de longo prazo por parte dos autores sem a prévia solução negociada para evitar o despejo forçado, a Fesp (Fazenda do Estado de São Paulo) violou direito à moradia, direito este protegido constitucionalmente”, argumentou Alexandra.

O edital de licitação eximia o governo estadual de responsabilidade sobre as famílias, incluindo uma cláusula em que passava ao comprador a obrigação de regularizar a situação do imóvel, admitindo que este se encontrava ocupado.

Os terrenos e casas objeto dos leilões são áreas que foram desapropriadas nos anos 1970, para a construção de um anel viário – que nunca foi feito – onde hoje está a avenida Jornalista Roberto Marinho. Como a obra não caminhou, as casas desapropriadas foram cedidas a funcionários do Departamento de Estradas e Rodagem (DER), para que habitassem e cuidassem delas.

Os terrenos foram doados depois para a Secretaria da Fazenda do estado, que os colocou à disposição para os pleitos, com o objetivo de capitalizar a Empresa Paulista de Parcerias (EPP), companhia estadual responsável por organizar parcerias público-privadas.

No entanto, alheios aos trâmites estatais, 400 pessoas continuaram vivendo nas áreas, tanto em comunidades de baixa renda – com muitas casas no mesmo terreno – como em residências unifamiliares. A RBA visitou os bairros e conversou com moradores que podiam comprovar, com contas de luz, água e carnês de IPTU, a moradia nos locais entre 15 e 30 anos.

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Para a auxiliar administrativa Elisete Lopes, moradora de um dos locais e conselheira participativa da Subprefeitura de Santo Amaro, a justiça finalmente foi feita. “Todo mundo está feliz da vida. Vencemos uma batalha que parecia perdida. Foram dez meses de luta, de desespero”, disse. A decisão foi proferida no último dia 10, mas os moradores só souberam ontem (15).

Elisete e outros moradores auxiliaram a defensora Sabrina Nasser no levantamento do número e condições dos moradores, na organização de documentos e de reuniões com as famílias, e também nos 13 protestos realizados para reivindicar o fim dos leilões e a emissão da Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia, para que as famílias pudessem permanecer definitivamente nas casas.

“Enviamos e-mails a todos os deputados, à presidenta Dilma Rousseff, ao ministro Joaquim Barbosa (presidente do Supremo Tribunal Federal). A luta não terminou, mas temos uma decisão importante a nosso favor. Agora vamos batalhar pela concessão”, afirmou Elisete. Segundo ela, nenhum morador havia sido despejado pelos compradores até a decisão da Justiça.

A Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia foi objeto específico de apreciação da juíza Alexandra. Regulamentada pela Medida Provisória 2220, de 2001, a proposta define que o morador de área pública por mais de cinco anos, ininterruptos e não questionados até 30 de junho de 2001, tem direito a concessão, que não é um documento de propriedade, mas uma garantia de uso por toda a vida.

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) questionou a constitucionalidade da medida e alegou que, caso fosse legal, a mesma já teria prescrito para os moradores. Alexandra descartou o pedido, lembrando que o mesmo foi objeto de decisão pela legalidade, em uma Arguição de Constitucionalidade no Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

E citou trecho da decisão em que foi ressaltado o combate à especulação imobiliária, que provoca a expulsão dos moradores mais pobres de uma região, em virtude de processos de valorização de uma região, como é o caso dos bairros do Brooklin e do Campo Belo. “Por mais paradoxal que pareça, os estados e municípios, em especial os mais ricos, a contrariar o comando constitucional aqui enunciado, se beneficiam dos processos especulativos imobiliários e com ele mantêm promíscua relação. Declarar inconstitucional a incidência da concessão apenas e tão-somente abre caminho para a intensificação deste processo.”

A juíza, inclusive, entende que qualquer mudança sobre o uso dos imóveis cedidos pelo DER, sem informar as famílias, é ilegal. E que os moradores reúnem condições para obter a concessão de uso para fins de moradia. “Os processos administrativos para a revogação da autorização de uso dos imóveis são nulos, pois não foi facultado aos moradores do local o efetivo contraditório e ampla defesa. Os atuais possuidores dos imóveis pertencentes ao Estado têm tempo de posse suficiente para requererem (de forma individual ou coletiva) a concessão especial de uso”, explicou.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional informou que a pasta ainda não foi comunicada da decisão.

A primeira tentativa de leiloar os terrenos foi em agosto do ano passado. Porém, a Defensoria Pública obteve liminar na Justiça suspendendo os leilões. No entanto, em dezembro passado, o então presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Ivan Sartori, atendeu a um pedido do governo Alckmin, que alegou risco de prejuízo financeiro ao estado, para sustar a liminar. Com isso, 42 das 60 áreas foram a leilão entre fevereiro e abril deste ano.

Os moradores impetraram recursos contra a decisão, mas o Órgão Especial do TJ-SP manteve a decisão de Sartori. As famílias realizaram também 13 manifestações e procuraram diversas vezes a Secretaria do Planejamento para solicitar um estudo social das famílias e buscar alternativas habitacionais para elas. No entanto, embora prometesse realizar a ação, tal estudo nunca foi feito.

As famílias vão se reunir, no fim da tarde de hoje (16), com a defensora Sabrina Nasser, para discutir como dar andamento aos pedidos de concessão para moradia.