Sem destino

Moradores de áreas leiloadas por Alckmin na zona sul da capital não sabem para onde ir

Alguns compradores já procuraram famílias para avisar que vão ter de deixar os imóveis. Sem assistência do governo estadual, elas devem ir para os extremos da cidade

Rosângela Cedaro tem muitos documentos sobre os 28 anos que vive na casa. Mas nada valeu para impedir a venda <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Massoterapeuta, Rosângela teme que a perda da casa cause a perda dos clientes que vivem no bairro <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Erick e o irmão (à esq.) não sabem o que farão se forem mandados sair da casa onde vivem desde que nasceram <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Motoboy, Erick teme perder empregos que tem no próprio bairro, se precisar se mudar <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Phedra garante que vai usar todos os recursos legais para se manter na casa, cuja venda considera ilegal <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Maria Luiza, 71 anos, já foi notificada que o novo dono quer que ela deixa a casa até 21 de abril <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>Moradores que não tiveram a casa leiloada se reúnem para pensar em ações para impedir pleitos <span>(Marcia Minillo/RBA)</span>

São Paulo – “Boa noite, tudo bem?”. “Bem não está, né? Mas a gente vai levando”. O diálogo é a síntese do sentimento que paira entre os moradores das casas antes pertencentes ao Departamento de Estradas e Rodagem (DER), leiloadas pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB), na região da avenida Jornalista Roberto Marinho, na zona sul da capital. Ao menos 11 residências foram leiloadas entre os dias 26 de fevereiro e 1º deste mês, todas ocupadas por famílias de classe média baixa, que agora, entre o desespero e a descrença, não sabem o que vai ser do amanhã.

A massoterapeuta Rosângela Cedaro Ferreira, 46 anos, vive no número 1.314 da rua Bernardino de Campos há 28 anos, desde 1986. Com ela, mora a filha, Stefanie Ferreira, de 26 anos. A sogra, Iracema Felippelli, trabalhava no DER e, como muitos outros servidores, recebeu autorização para morar na casa e cuidar dela. “Nunca mais disseram nada sobre a casa. Nem naquela época, nem quando foram realizar o leilão e nem depois que foi vendido”, contou Rosângela.

O comprador da casa, identificado apenas como André, foi pessoalmente conversar com ela. “Disse que não ia me tirar de qualquer jeito, mas já perguntou se eu quero alugar o local”, relatou Rosângela. Essa é justamente a principal preocupação dela, que não sabe como poderá pagar aluguel e se manter na região, que é uma das mais valorizadas de São Paulo.

“Eu não esperava por algo assim. Toda a minha vida está aqui. Minha filha estudou aqui perto e foi batizada na paróquia do bairro. Todas as minhas clientes estão aqui. Não é só a moradia que estou perdendo, é minha vida”, lamentou. Rosângela disse que não tem parentes próximos em São Paulo. A mãe dela vive no Amazonas e o marido faleceu em 1997.

A casa de seis cômodos, mais garagem – cheia de vasos com plantas – foi arrematada no leilão por R$ 160 mil. Um valor muito baixo se considerada a valorização local, com o metro quadrado chegando a custar R$ 11 mil.

A Secretaria do Planejamento e Desenvolvimento Regional do governo paulista não ofereceu a casa aos moradores. Quem quisesse comprar teria de disputar com investidores imobiliários na concorrência de alienação. No entanto, seria preciso apresentar um cheque caução de 5% do valor do imóvel só para participar do pleito. E, caso vencesse, pagar a entrada – 20% do valor – em até 24 horas.

No edital dos leilões, o governo Alckmin jogou a responsabilidade pela desocupação dos imóveis para o comprador, eximindo-se de prestar assistência às famílias. O governo justificou que precisava realizar os pleitos para capitalizar a Companhia Paulista de Parcerias, empresa pública responsável por organizar parcerias público-privadas.

“Essas condições foram determinantes para não participarmos. Algumas pessoas acreditam que tinham como pagar, mas temiam ser pegas por condições além das que pudessem arcar”, explicou a líder comunitária Elisete Lopes, que mora em uma área excluída do leilão atual por ser habitada por muitas famílias.

Após uma série de atos e mobilizações dos moradores, os 42 terrenos que iriam a leilão, no início deste ano, foram reduzidos a 33. O governo comprometeu-se a realizar estudo social das áreas que tinham mais de uma família vivendo, mas até agora nada foi feito. Embora não estejam previstos novos pleitos, nada está definido. “A qualquer momento o governo estadual pode retomar os leilões de outras áreas”, afirma Elisete.

A justiça paulista já não é uma instituição onde os moradores podem buscar apoio, pois o Colegiado Especial manteve a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de dezembro do ano passado, que autorizou o governo a realizar os leilões. O pedido foi feito direto pelo governo Alckmin utilizando uma prerrogativa especial. O caso tem uma situação inusitada. Em outra ação, movida pela Defensoria Pública do Estado, as famílias conseguiram a suspensão dos leilões. Mas a decisão do TJ prevalece.

Mesmo assim, as famílias que tiveram as casas leiloadas devem ter o mesmo destino das retiradas das favelas do Comando e do Buraco Quente, em virtude das obras da linha 17-Ouro do Metrô: as extremas periferias da cidade.

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Outros moradores, no entanto, não têm a calma aparente de Rosângela. Houve pessoas que não quiseram conversar com a reportagem por temer que a situação delas fique ainda pior se contarem o que estão passando. “Não quero prejudicar mais ainda minha família. Já me tiraram a casa. E se me tiram também o emprego? Só o que sei é o que o certo hoje é andar errado. Não acredito mais em justiça”, lamentou um morador.

Morador da casa 656 da rua Sônia Ribeiro, Erick Souza Gomes, de 19 anos, não quer deixar a casa onde nasceu. “Não deram nenhuma chance pra gente. Eu sou motoboy aqui na região, minha mãe é vendedora autônoma. Como vamos alugar uma casa e nos manter assim? Aqui a nossa vida está organizada”, afirmou.

Com Erick vivem a mãe, Vanusa, os irmãos Vítor (11) e Henrique (17) e a cunhada Janaína (17), grávida. Em três meses a família vai crescer, mas antes disso, podem não ter nem lugar para morar. Eles ainda não foram procurados pelo comprador da casa.

“Minha mãe vive aqui desde 1992. Meu avô comprou a casa e deu a ela. Alguém deu um golpe e está bem. Mas nós não temos futuro, não vemos perspectiva de resolver”, lamentou. Ele não soube informar o valor pelo qual foi leiloada a casa de seis cômodos.

A vizinha de Erick, Maria Luiza Leite, de 71 anos, aposentada pelo próprio DER, já recebeu um pedido de liberação do imóvel até o próximo dia 28. A carta veio em nome Cristóvão Jaques Bitencourt Nascimento.

Maria Luiza vive na companhia de uma calopsita e quatro cães e mora no 654 da rua Sônia Ribeiro há 20 anos. “Minha advogada tem o meu documento de cedência feito pelo DER para que eu ficasse na casa. Não sou uma invasora. Conheço todo mundo aqui, da Joaquim Nabuco às favelas”, contou.

Ela ainda tem fé de que possa permanecer no local. “Eles não podiam ter vendido a casa assim. Tenho fé que vamos poder ficar”, disse. Segundo Maria Luiza, a casa de três quartos, dois banheiros, sala cozinha e quintal, onde cria os cachorros, foi arrematada por aproximadamente R$ 300 mil.

Já a advogada Phedra Bernardes pretende levar a resistência ao limite. “Se pedirem pra sair vou exigir que tenham um documento de reintegração de posse. Essa situação é toda absurda e vou lutar o quanto puder. Nunca nos informaram de nada e não nos deram chance de participar do leilão”, afirmou.

Phedra vive com a mãe e o irmão e também não sabe como vai se manter na região se tiver de sair da casa. “Me sinto desrespeitada, indignada. Mas a palavra para resumir isso seria um palavrão.” A casa, com dois quartos, sala, cozinha, dois banheiros e edícula, foi arrematada por R$ 150 mil. Um valor que dificilmente compraria uma moradia no Grajaú, extremo sul da capital, ou em Itaquera, na zona leste.

“É um presente esse leilão. Uma casa aqui, nesse valor, com 36 meses para pagar, vendida para empresários…”, desabafou.

A líder comunitária relatou que tentou dialogar com os compradores sem sucesso. “Todos com quem conversamos afirmam ser investidores e não querem fazer nenhum tipo de negócio com as casas no momento. Certamente vão aguardar a conclusão da linha 17-Ouro do Metrô, porque isso vai valorizar ainda mais as propriedades”, avaliou Elisete.

A Secretaria do Planejamento e Desenvolvimento Regional não atendeu à reportagem.