Direitos Humanos

Comissão da Verdade vai recomendar modernização da formação de policiais e militares

Ex-ministro da Justiça e integrante da CNV, José Carlos Dias afirma ser um compromisso indicar a necessidade de atualizar manuais, cartilhas e formação. Vannuchi vê corporação presa ao passado

Marcello Casal Jr./Arquivo ABr

Para Vannuchi, segue havendo nas Forças Armadas uma ideia de mundo imerso no contexto da Guerra Fria

São Paulo – O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que será apresentado em dezembro deste ano contendo a história oficial do Estado brasileiro sobre as violações aos direitos humanos cometidos no país entre 1946 e 1985, irá recomendar ao governo federal que modernize os critérios e as referências para os manuais e cartilhas das Forças Armadas, bem como para os cursos de formação dos militares brasileiros. “Esse ponto certamente estará entre as recomendações que faremos, é um compromisso nosso”, afirmou hoje (12) José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça (1999-2000) e integrante da comissão, durante debate sobre os 50 anos do golpe contra João Goulart. O evento foi organizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), em São Paulo.

Em janeiro, um dos manuais de orientação do Exército causou polêmica ao classificar como “forças oponentes” os responsáveis por comprometer a “ordem pública” e “a incolumidade das pessoas e do patrimônio” por meio de práticas comumente associadas aos protestos contra a Copa do Mundo, e contra os quais recomendava “emprego de tropas”, ações de “inteligência”, “contra-inteligência”, “operações de comunicação” e “operações psicológicas”. A pressão de movimentos sociais levou o Ministério da Defesa a retirar do texto todas as menções às “forças oponentes” e às táticas de enfrentamento.

A proposta da Comissão da Verdade se relacionará, também, com os enfrentamentos entre movimentos sociais e polícias militares que vêm causando mortes, mutilações, prisões indevidas e episódios de repressão violenta em diversas cidades do país desde junho de 2013. “Isso inclui, é claro, as polícias militares. Nossa indicação será no sentido de maior unificação do conteúdo dos cursos de formação, que são administrados de forma autônoma pelos estados. A Polícia Federal, por exemplo, já tem formação sobre direitos humanos; as demais forças de segurança também precisam”, completou.

No Brasil, o período de formação de novos soldados da Polícia Militar varia de sete meses, como no Rio Grande do Norte, a dois anos, como em São Paulo, que pratica um ano de curso e um ano de “experiência”, em que o soldado não participa de ações com conflito. A presença de curso de direitos humanos não é obrigatória, mas, mesmo onde está na grade curricular, o peso da disciplina é baixo: geralmente, 30 horas-aula entre as 1,5 mil horas-aula médias do curso completo.

Paulo Vannuchi, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2007-10) e colunista da Rádio Brasil Atual, lembrou que a questão mais urgente, nesse sentido, é a modernização. “Tempos atrás, quando tive a oportunidade de me encontrar com um militar de alta patente, perguntei a ele o que era estudado na academia militar. Eram teóricos dos anos 1950. Ou seja, a formação dos nossos militares ainda é baseada em uma lógica de Guerra Fria”, ponderou. O ponto mais polêmico da revisão da educação militar brasileira, no entanto, é redefinir a forma como o golpe civil-militar, celebrado por uma parcela das Forças Armadas como “revolução democrática” ou “revolução redentora”, será apresentado e debatido nas academias militares.