sem acordo

Prefeitura de São Paulo abandona diálogo e revolta moradores da favela do Moinho

Para moradores, incêndio que atingiu comunidade na última semana poderia ter sido evitado se a gestão Haddad cumprisse os compromissos assumidos

Danilo Ramos/RBA

Em 5 de julho, após protesto, moradores do Moinho foram recebidos na prefeitura com promessas, mas nada mudou

São Paulo – Cinco reuniões marcadas. Nenhuma realizada. Este é o saldo que está revoltando os moradores da favela do Moinho, na região central da capital paulista, após promessa de formação de um grupo de trabalho para definir o futuro da comunidade e pensar processos de urbanização, feita pelo prefeito Fernando Haddad (PT) em 12 de julho deste ano. A favela fica sob o viaduto Orlando Gurgel, próxima aos trilhos de um ramal da CPTM.

As ações emergenciais reivindicadas pelos moradores, como regularização dos serviços de água, esgoto e energia, e a reativação do programa de prevenção de incêndios (Previn) tampouco foram efetivadas.

“Houve um encontro em 22 de julho, em que se definiu como o grupo de trabalho se reuniria e quem participaria dele. As secretarias de Habitação, Desenvolvimento Urbano e Relações Governamentais, junto com a subprefeitura da Sé, representariam o poder público. E os moradores definiram seus representantes”, explicou o coordenador do Projeto Comboio, Caio Castor, que trabalha com arquitetura e urbanismo na comunidade.

O primeiro encontro na comunidade foi em 29 julho, em que se definiu que toda segunda-feira, às 15h, moradores e poder público iriam se reunir. No entanto, segundo Castor, logo a prefeitura teria atropelado os acordos.

“No dia 29, os representantes da prefeitura apresentaram uma proposta unilateral de saída da comunidade, com auxílio-aluguel e expectativa de construção de unidades habitacionais. Mas isso não foi conversado com ninguém antes, então recusamos. Depois disso não houve mais reuniões”, explicou. Segundo o ativista, o acordo é dialogar e pensar soluções conjuntas, seja para ficar ou para sair da área.

Para ele, a prefeitura tem falado duas línguas e é impossível saber qual a verdadeira intenção da gestão Haddad, que chegou a falar em demolir um muro construído ali na administração Gilberto Kassab (PSD), após incêndio ocorrido em 2011. A obra isolou os moradores e ficou conhecida por “Muro da Vergonha”.

“O prefeito pediu urgência na remoção do muro na reunião do dia 12 de julho. Mas, no fim, fomos nós mesmos que derrubamos ele e abrimos a rota de fuga. Funcionários da prefeitura vieram depois e reconstruíram uma parte do muro, alegando que quatro metros era muito. E reduziram a entrada para dois metros e meio”, explicou Castor.

Muitos moradores querem permanecer no local e exigem que Haddad cumpra a promessa, feita na campanha eleitoral de 2012, de garantir a regularização fundiária do local. A gestão municipal argumenta que o local não é adequado para moradia e quer transferir as famílias para um conjunto habitacional próximo à Ponte dos Remédios, na zona oeste da cidade, e outro na rua do Bosque, próximo à estação de Metrô da Barra Funda. No entanto, a Secretaria Municipal da Habitação (Sehab) não tem previsão de quando estas unidades estarão prontas.

Outra parte dos moradores reclama da suspensão do auxílio-aluguel concedido a cerca de 400 famílias após o incêndio de dezembro de 2011. Em reunião na comunidade na última terça-feira (10), gravada em vídeo pelos moradores, a representante da Sehab, identificada apenas como Maria José, afirmou que muitas pessoas estão reivindicando auxílio-aluguel, mas não estão vivendo em casas alugadas. Os moradores, por outro lado, afirmam que deixaram as residências alugadas porque não estavam recebendo o auxílio.

Joaquim Luiz da Silva, morador do Moinho, afirma que o auxílio atrasa muito e deixa as pessoas sem amparo. “Eu recebi a última bolsa-aluguel em fevereiro. Ela está com sete meses de atraso. Eu fui despejado de onde eu estava e estou morando em Itaquera, em um barraco que meu irmão arrumou pra mim”, afirmou, durante protesto realizado pelos moradores na última quarta-feira (11), em frente à Sehab, em que os moradores reivindicaram o pagamento do auxílio e a retomada do grupo de trabalho.

O promotor de Habitação e Urbanismo do Ministério Público Estadual Maurício Ribeiro Lopes também esteve na comunidade e afirmou que o erro foi da gestão Kassab, que cancelou todos os auxílios, sem confirmar quem estava ou não vivendo de aluguel. Mas também argumentou que para receber o auxílio as pessoas devem sair da comunidade.

Lopes lembrou acordo feito em 2011 entre moradores, prefeitura, Ministério Público e Defensoria Pública, estabelecendo que a comunidade não deve permanecer sob o viaduto Orlando Murgel, mas sim ser realocada nos empreendimentos em construção na região da ponte dos Remédios e na rua do Bosque.

“O futuro desta comunidade é existir em outro lugar, e não aqui”, disse, retomando o texto do acordo. No entanto, Lopes ponderou que não há prazos definidos para conclusão das obras na ponte dos Remédios e na rua do Bosque.

Novo incêndio

Na última quinta-feira (12) a comunidade foi atingida por um novo incêndio, que segundo Castor, poderia ter sido evitado se as ações tivessem sido efetivadas.

“No fundo, isso tem o mesmo princípio. Nós dialogamos. Reivindicamos infraestrutura na comunidade, que compreende a ligação adequada da energia elétrica. A prefeitura vem ignorando isso sistematicamente. Não vem nas reuniões. O incêndio poderia ter sido evitado se a prefeitura tivesse cumprido sua parte no acordo”, protesta.

“Os bombeiros demoraram muito para conseguir abrir o único hidrante que temos na comunidade. Com isso, as chamas se espalharam mais. Se a prefeitura tivesse atendido à nossa reivindicação de restabelecer o Previn poderíamos ter controlado o incêndio logo”, afirmou Castor. O incêndio consumiu dois barracos, mas ninguém ficou ferido. Segundo Castor, o fogo começou com um curto-circuito em um dos barracos.

A favela do Moinho foi atingida por dois incêndios. O primeiro, em dezembro de 2011, deixou 600 pessoas desabrigadas e destruiu um terço da comunidade. O segundo ocorreu em setembro do ano passado e atingiu 80 barracos. Ao todo, a prefeitura cadastrou 810 famílias – metade delas está recebendo auxílio-moradia de R$ 350.

No dia 5 de julho, os moradores realizaram manifestação em frente à prefeitura, no centro, exigindo o cumprimento da promessa de campanha de Haddad, que esteve na comunidade e afirmou que trabalharia pela regulação fundiária do local e pela permanência das famílias na região central da cidade.

A Sehab não se pronunciou sobre o caso.