Desafio

A era digital e o trabalho bancário

Nem toda a modernização do sistema bancário significou necessariamente um melhor atendimento. Ainda são milhões os “desbancarizados”, que não têm acesso a serviços financeiros

Pixabay
Pixabay

O mundo das finanças, isto é, o conjunto que envolve o dinheiro, os meios e as relações de crédito e débito, tem passado por mudanças contínuas desde os tempos mais longínquos. Da moeda-mercadoria, papel-moeda, moedas metálicas e bancos como casas de custódia de valores e guardião de renda e riqueza na forma de cheques, títulos e duplicatas, o sistema financeiro transformou-se atualmente em complexa máquina de alavancagem potencial do crédito e de valorização do capital inserido em redes e fluxos internacionais. No entanto, nunca as mudanças no sistema financeiro foram tão céleres e com tamanhos impactos – positivos e negativos – como nas últimas décadas. O livro A Era Digital e o Trabalho Bancário propõe uma reflexão sobre essa realidade.

Nos séculos 18 e 19, as inovações – como o motor de combustão, a química, o aço, a eletricidade, entre tantas outras – permitiram a primeira e a segunda Revoluções Industriais. Tão bem expresso no tear mecânico (1ª Revolução Industrial) e na linha de montagem e produção em massa (2ª Revolução Industrial).

Desde a segunda metade do século 20, os avanços no campo da tecnologia de informação e comunicação, impulsionando inovações como a informática e o mainframe (décadas de 1950/1960), o computador pessoal (1970/1980), o e-mail e a internet (1990) permitiram o desenvolvimento não apenas da indústria, mas também, e sobretudo, dos serviços, entre os quais a intermediação financeira. Neste século 21, a quarta revolução tecnológica, que combina uma série de tecnologias – como a inteligência artificial, o bigdata, a internet das coisas, a computação em nuvens, a robótica, a cibersegurança, a nanotecnologia e a impressão 3D, entre outras – faz subir fortemente os parâmetros de produtividade econômica.


PIX, bancos e emprego bancário: livro retrata mudanças da era digital


No momento que, em todo o mundo, o capital financeiro domina e detém o controle da acumulação de capital, com claros reflexos na economia, política, comunicação e marcos jurídicos regulatórios, o conjunto de transformações tecnológicas mencionadas tem no sistema financeiro o palco por excelência de aplicações diversas.

O setor passa a conviver com novas ferramentas, práticas, atores e instituições como a moeda digital, o blockchain, o banco digital, o mobile banking, o open banking, os clientes jovens que utilizam intensivamente o mobile banking, o pix (sistema de pagamento instantâneo), os APIs (Interface de Programação de Aplicativos), a biometria, as interações com clientes via SMS, webchat e chatbot, as startups, as fintechs, as bigtechs, a innovation labs e o coworking, entre tantas outras ferramentas e métodos novos. Canais que até há pouco eram “modernos”, como os ATMs (autoatendimento), os PABs e os contact centers, tornaram-se “canais tradicionais”. Os bancos buscam reduzir e reconfigurar as agências bancárias.

Tudo isto ocorre sem que a modernização do sistema bancário signifique necessariamente um melhor atendimento aos clientes. Ainda são milhões os desbancarizados que não têm acesso aos serviços financeiros. As taxas e tarifas continuam muito elevadas. Clientes de menor renda foram deixados “de fora” da agência para realizar suas operações em máquinas de autoatendimento e serviços terceirizados. Ainda deixa muito a desejar a educação financeira oferecida pelas instituições bancárias. E são pouco transparentes as informações sobre os produtos oferecidos, cobranças e movimentações das contas dos clientes.

Tampouco melhorou a eficácia do sistema financeiro como alavanca de crescimento econômico por meio do crédito.  Ao contrário, a modernização tecnológica também tem contribuído para aumentar a instabilidade e a volatilidade das finanças em todo o mundo, com acentuados impactos sobre a atividade industrial, agrícola, comércio e demais serviços.

Para saber mais

A Era Digital e o Trabalho Bancário é uma publicação do Sindicato dos Bancários do ABC. O livro está disponível aqui. Alguns textos poderão ser reproduzidos nas Cartas de Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs).

No caso brasileiro, o quadro se agrava em razão da elevada concentração bancária, altíssimas taxas de juros, escorchantes spreads bancários e dificuldades de acesso ao crédito, tornando praticamente proibitiva a atividade de produção de bens e serviços no país. É claro que a privatização dos bancos públicos distancia ainda mais o sistema financeiro de suas funções públicas e sociais.

Não obstante, seguem velozes as mudanças no sistema financeiro. E elas serão potencializadas, já que o Banco Central brasileiro vem acelerando um conjunto de regras que regulamenta a implementação do open banking. Com o open banking e o Pix, o Banco Central espera incrementar a concorrência no setor e propiciar uma oferta grandiosa de novos produtos mais baratos e acessíveis ao consumidor bancário. Como será o mundo em que “qualquer um” pode vir a oferecer serviços bancários, principalmente as big techs, já detentoras de tantos dados?

Os impactos sobre o mundo do trabalho em função das transformações diversas rapidamente mencionadas nesta apresentação são imensos. E não se trata apenas de formar os “times de colaboradores” para lidar com as novas tecnologias e os novos métodos de trabalho como sugerem os bancos. É muito mais do que isso. O trabalho se precariza por meio da terceirização, o que faz crescer o número de trabalhadores com menores remunerações e benefícios, maiores jornadas, condições precárias de trabalho e contratos mais flexíveis e instáveis na forma de PJs e autônomos.

Pressão nos bancos

É intensa também a pressão sobre os empregados que permanecem nos bancos, seja por meio das exigências crescentes de capacitação e certificações, seja pela necessidade dos trabalhadores bancários diariamente alcançarem metas quase sempre inatingíveis. Em um cenário de seguido incremento da automação e reestruturações organizacionais, com a redução constante do quadro de pessoal, é grande o medo da perda de emprego ou de interrupção na ascensão da carreira. A pressão ocorre mesmo quando, aparentemente, o trabalhador ganha maior autonomia e tempo livre, como no caso do teletrabalho ou home office. Sob estresse constante, crescem o adoecimento e os problemas psicológicos. A diversidade de raças e orientações sexuais e a equidade de gêneros ainda estão longe de se tornar uma realidade. A desigualdade é a marca.

O livro aborda o tema das transformações tecnológicas e organizacionais em curso e os impactos sobre o mundo do trabalho. A publicação reúne uma série de artigos de especialistas, professores, assessores, dirigentes sindicais e convidados. Com isto, o sindicato busca sistematizar conhecimento, que pode ser teórico, empírico ou prático, e promover democraticamente o debate na categoria, com vistas também a levantar subsídios a partir de novas ideias e proposições.

Leia outros artigos da série “Desenvolvimento em Foco”

Foi solicitado ainda aos autores que, em página à parte, apresentassem subsídios de propostas para a reflexão e discussão pela categoria. Estes subsídios estão expostos no livro em forma de “box” em destaque ao final de cada artigo. A exposição destas propostas não significa, porém, a adesão ou concordância do Sindicato a elas. Significa a liberdade necessária para o pensamento e o estímulo para que novas proposições surjam. Algumas delas podem trazer inovações para a ação sindical e para as políticas públicas e privadas.

A primeira parte do livro trata da temática do Estado, Finanças e Regulação. A segunda, das Instituições e segmentos financeiros. A terceira, da tecnologia. A quarta, das relações de trabalho (incluindo nesta parte, a questão do emprego, organização do trabalho, saúde, diversidade e qualificação). A quinta, da organização e comunicação sindical. E a sexta, das mudanças no sistema financeiro a partir dos relatos de trajetórias de vida de dirigentes sindicais.


Belmiro Aparecido Moreira, secretário de Comunicação do Sindicato dos Bancários do ABC. Era o presidente à época do lançamento do livro.
Cláudio Pereira Noronha, assessor do Sindicato dos Bancários do ABC e um dos organizadores do livro.
Jefferson José da Conceição, professor da Universidade Municipal de São Caetano do Sul e um dos organizadores do livro.

Artigos desta seção não necessariamente expressam opinião da RBA