Desenvolvimento em foco

Inflação, câmbio e juros em tempos de Banco Central independente

É curioso que Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, agora independente, seja um dos cotados para eventual substituição de Paulo Guedes

Marcelo Camargo/ABR
Marcelo Camargo/ABR
Se Campos Neto sair, o primeiro mandato no BC, agora como uma Autarquia de Natureza Especial, não seria cumprido, o que seria de antemão bastante curioso para os que defendem que uma das vantagens do Banco Central independente é a continuidade dos tomadores de decisão na instituição

Tratei do tema do Banco Central independente na 17ª Carta de Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs). Entre os pontos tratados, mencionei que, ao mesmo tempo em que Roberto Campos Neto é confirmado como novo presidente do Banco Central, agora independente, e, portanto, agora com mandato, um fato curioso é que, ao mesmo tempo em que isso acontece, comentários sobre a não permanência do ministro Paulo Guedes à frente do Ministério da Economia colocam a possibilidade de que o seu substituto seja exatamente Campos Neto. Isto significaria que já o primeiro mandato do presidente do Banco Central – agora como uma Autarquia de Natureza Especial – não seria cumprido, o que seria de antemão bastante curioso para os que defendem que uma das vantagens do novo sistema implantado é a continuidade dos tomadores de decisão na instituição.

E ainda se abriria uma discussão sobre a sua efetiva e real independência frente ao Executivo Federal. O que pode colocar em discussão a observação de que a “porta giratória” que funciona entre o mercado financeiro e os cargos de direção do Banco Central, como já é verificado, funciona em outro sentido também: o da direção do Banco Central para cargos de primeiro escalão do Executivo Federal. Enfim, já em um primeiro momento se colocaria em xeque ao mesmo tempo tanto o “funcionamento independente” da Autarquia de Natureza Especial, como a continuidade de objetivos e gestão dada pela existência de um mandato.


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De outro lado, o que também é muito interessante, a nova institucionalidade começa a operar frente a um inusitado “descontrole” inflacionário (inflação ameaçando estourar a meta de inflação), e face a uma elevação da taxa básica de juros depois de mais de quatro anos de revezamento entre períodos de quedas e períodos de estabilidade desde 2016.

O Banco Central brasileiro tenta administrar sua primeira crise de seu curto período de independência. Em 17 de março deste ano, o Comitê de Política Monetária reverteu um processo de queda da taxa Selic iniciado em outubro de 2016 (quando a taxa baixou de 14,25% para 14%) e que havia seguido sem interrupções até março desse ano (quando a taxa subiu de 2% para 2,75%). E isso em meio a uma poderosa crise econômica, na sequência de um ano em que a economia brasileira recuou mais de 4%. Portanto, não há demanda a ser contida pela elevação da taxa de juros nesse momento.

Entretanto, o Copom justificou que não tinha o que fazer dentro do programa de metas de inflação. A meta de inflação definida para 2021 é de 3,75%, com bandas de variação de 1,5 ponto percentual, representando uma variação possível dentro do intervalo entre 2,25% e 5,25%. Para o ano de 2021, as projeções do IPCA, índice de inflação usado como referência, ameaçavam superar o teto da meta de inflação.


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A esse respeito, vale citar a última Carta de Conjuntura divulgada pelo Ipea, órgão de assessoria do governo federal, que abre da seguinte forma:

“Os dados mais recentes mostram que a inflação corrente segue pressionada, mesmo em um contexto de desaquecimento da demanda interna. Em janeiro, a inflação em doze meses, medida pelo IPCA, voltou a acelerar, registrando variação de 4,56%. Além da forte alta dos alimentos no domicílio (19,2%), o desempenho dos preços dos demais bens industriais – cuja inflação em doze meses saltou de 0,8% em agosto para 4,0% em janeiro – explica esse quadro de aceleração inflacionária que conjuga alta de commodities, depreciação cambial e descompasso na oferta de algumas matérias-primas.”

Assim, embora não tenha nada a ver com aumento de demanda, resta ao Copom subir a taxa de juros – a outra solução seria abandonar o instrumento “regime de metas de inflação”, mas isso nosso agora independente Banco Central não tem independência para fazer.

Os principais responsáveis pela inflação brasileira nesse momento, conforme aponta inclusive a Carta de Conjuntura do IPEA, são os preços dos produtos que se referenciam no mercado internacional. Isso envolve uma gama enorme de bens manufaturados importados. Mas também dos produtos básicos de alimentação e outros, como soja e seus derivados, carnes, açúcar e álcool, petróleo e derivados, e muitos outros, que têm os seus preços “cotados” no mercado mundial.


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Na área de energia, os preços do petróleo e dos derivados de petróleo mantêm a referência nos preços internacionais. Seja pela vinculação adotada pela Petrobras entre esses preços para a satisfação dos interesses dos investidores internacionais na própria Petrobras, que assim aumentam seus ganhos, seja por uma política de não ampliar a produção de suas refinarias e depender de uma política de compras de derivados no exterior para garantir o abastecimento. Entre alguns dos produtos importantes destacam-se o gás de cozinha e o óleo diesel, que afeta toda a área de transportes.

Esses preços internacionais, ao se transformarem em preços internos, têm de ser convertidos pelo valor e variação dos preços internacionais, ou seja, do dólar estadunidense. E esse vem subindo sem dó, oscilando recentemente em valores acima de R$ 5,50. Assim, a subida dos preços internos é explicada fundamentalmente pela variação do dólar.

A subida das taxas de juros internas, em outros momentos, poderia ajudar a baixar o valor do dólar, e por tabela, ajudar a baixar a inflação interna causada pelo câmbio, se isso servisse para atrair capitais externos, e, portanto, para a baixa do dólar estadunidense.


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Nesse momento, entretanto, três problemas contribuem para que isso não aconteça.

Primeiro, a enorme aversão ao risco no mercado internacional, que vigora há algum tempo, e que faz com que exista uma tendência de saída de moeda estrangeira dos chamados “países emergentes” – o que inclui o Brasil –, exatamente pela fragilidade das contas externas desses países. No Brasil, essa fragilidade foi parcialmente mitigada pelo grande acúmulo de reservas resultante dos saldos comerciais do período dos governos Lula e Dilma, e que desde então segue administrado. O valor dessas reservas, que já chegou perto de US$ 390 bilhões, hoje oscila em torno de US$ 350 bilhões.

Segundo, o desempenho pífio da economia brasileira desde 2015, com recessão, estagnação e nova recessão ainda maior no ano passado. E isso tudo sem perspectivas de recuperação sustentável, dificultando assim a atração de investimentos internacionais, mesmo em um ambiente em que muitos governos se utilizaram da expansão monetária para reativar suas economias, ampliando o quadro de liquidez em que opera a economia internacional.

Finalmente, um governo tresloucado, incapaz de passar confiança para qualquer investidor, mesmo em aspectos como a gestão da pandemia e a tragédia ambiental pela qual passa o país.

Ou seja, para o investidor internacional, poucos atrativos, e enormes motivos para temores.

Menos confiança aos investidores

Assim, existem grandes dúvidas sobre a capacidade da política do Banco Central do Brasil em debelar o processo inflacionário recente por meio da gestão das taxas de juros. O próprio governo se movimenta em outros sentidos, por exemplo, quando se movimenta para interferir nos preços da energia e dos derivados de petróleo, em especial o diesel. O problema é que acaba passando ainda menos confiança aos investidores.

O fato é que vivemos um período curioso. Chega a ser irônico que dois dos principais elementos utilizados nos anos 1990 para baixar a inflação naquele período (aliás, não apenas no Brasil, mas por toda a América Latina), a liberalização comercial e a liberalização financeira, agora funcione ao contrário, alavancando os preços internos e a inflação.

E, por outro lado, ficam todas as consequências nocivas desse processo de pouco menos de vinte anos de liberalização, como a continuidade da desindustrialização e a vulnerabilidade do sistema cambial desregulado aos movimentos dos capitais internacionais que entram e saem.

Adhemar Santos Mineiro é economista, membro da Coordenação da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia, doutorando do UFRRJ, assessor da Rede Brasileira pela Integração dos Povos e pesquisador convidado do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da Universidade de São Caetano do Sul (Uscs).

Este artigo não reflete reflete necessariamente a opinião da Rede Brasil Atual