Países arábes, 2011: Europa, 1848

Protestos em toda a parte: essa é a realidade do mundo árabe. Os regimes autoritários, ditatoriais, absolutistas da região começam a reagir de maneira mais violenta para tentar se manter […]

Protestos em toda a parte: essa é a realidade do mundo árabe. Os regimes autoritários, ditatoriais, absolutistas da região começam a reagir de maneira mais violenta para tentar se manter acima da turbulência. Argélia, Yemen, Líbia, Oman, Bahrain, Jordânia: o coro de concessões e de repressões varia de acordo com a ocasião.

Tornou-se lugar comum comparar a presente situação no mundo árabe com a da queda dos regimes comunistas a partir de 1989, quando caiu o muro de Berlim.

Mas a situação é muito outra. Não há, no caso do mundo árabe, uma União Soviética que esteja em derrocada. Também não há uma potência capitalista a fomentar essas revoltas. Pelo contrário: no mundo árabe a potência capitalista (que forneceu logística para as revoltas anti-comunistas) não tinha o menor interesse – nem seus aliados na União Européia – na revolta.

Talvez uma comparação mais elucidativa seja com a Europa de 1848. Uma série de revoltas desconectadas, mas amplas, e convergentes pelos interesses, sacudiu as bases da pax da Santa Aliança emergente da derrota napoleônica. Quais eram os interesses? O desemprego de amplas massas subitamente urbanizadas; a falta de democracia nos regimes europeus, todos herdeiros de restaurações monárquicas ou retornos conservadores; um ardor nacionalista disseminado contra a hegemonia das potências de então; um aumento da população de estudantes sem perspectiva de vida ou emprego.  E por aí vai.

Quais foram as conseqüências?.Nos primeiros casos – como na França – de início houve concessões importantes aos revoltosos. Nos outros, seguiu-se uma repressão impiedosa. Não houve mudanças institucionais importantes nos países atingidos. Mais ou menos como está acontecendo nos países da Liga Árabe.

Entretanto, algo de profundo aconteceu naqueles tempos – e de novo agora. A natureza dos movimentos mudou. Da Europa das revoltas fracassadas de 1848 emergiram um novo movimento pela unidade e libertação da Itália, os movimentod radicais de operários comunistas e anarquistas que sacudiriam a Europa do fim do XIX e do começo do século XX, entre outras conseqüências de médio e longo prazo.

No mundo árabe está acontecendo algo semelhante. Os movimentos sociais estão passando por um giro profundo, que atinge até a Irmandade Muçulmana. Com eles, nada será como antes. Isso poderá resultar em profundas mudanças na região – mas mais adiante. A Irmandade Muçulmana egípcia vai atravessar provavelmente um período de renovação de suas lideranças, e poderá ser empolgada por uma geração mais afinada com os protestos que provocaram a queda de Mubarak – mas ainda não do regime.

Por ora, as forças conservadoras – inclusive no Irã – vão se recompor e tentarão não permitir mudanças radicais. Mas a semente está lançada.

Por exemplo: no conservador Irã, pela primeira vez as oposições poderão buscar apoios regionais, não apenas no Ocidente, que, de resto, muito pouco fez nem muito fará para melhorar a vida dos países muçulmanos e sua democracia.

Afinal, foi o Ocidente que montou a atual cadeia de monarquias e ditadores, que está estremecida, mas ainda de pé.

É claro também que a comparação com a Europa de 1848 é apenas um artifício didático para ilustrar melhor o desenho da situação atual. Não se vá pensar que o mundo árabe ou muçulmano “vive no século XIX”. A velocidade dos acontecimentos e a propagação da vaga de revoltas é bem maior e mais rápida do que então. Apesar de aquele 1848 ter ido muito longe. Chegou até Pernambuco, onde a Revolução Praieira foi em parte ressonância da vaga européia, e cujo fracasso consolidou o Segundo Reinado entre nós.

Assim como se fala de uma “geração de 68” no século XX, no XIX falava-se de uma “de 48”.

O mundo árabe terá sua originalidade, e esse momento deixará sua marca na história. Qual será, quem viver, verá,