O Irã e Os vestígios do dia

“Os vestígios do dia” é o nome em português (em inglês “The remains of the day”) de um filme com Anthony Hopkins e Emma Thompson como protagonistas, e James Ivory […]

“Os vestígios do dia” é o nome em português (em inglês “The remains of the day”) de um filme com Anthony Hopkins e Emma Thompson como protagonistas, e James Ivory na direção (adaptado de um romance de Kazuo Ishiguro). O foco do filme se centra na relação entre o mordomo Mr. Stevens (Hopkins) e a chefe da criadagem Ms. Kenton (Thompson), uma relação conflituada pelo impossibilidade do primeiro admitir o amor correspondido que sente pela segunda. A cena se divide entre o reencontro de ambos, na década de 50 e o primeiro encontro, em Darlington Hall, em 1935, uma mansão inglesa onde o dono aristocrático reúne pares europeus tentando criar um clima favorável de aproximação entre as potências ocidentais e o regime nazista alemão, diante da ameaça comunista.

Deixemos os amores conturbados da dupla Hokins/Thompson de lado, pelo menos neste artigo. Nosso foco vai para o fato de que, entre os pares convocados pelo aristocrático Lorde Darlington, há alguém que não o é: trata-se do plebeu Mr. Lewis (Christopher Reeve), um congressista norte-americano, que tem o papel quase de um “penetra” naquele meio de pessoas que, pelo que se entende, se reune regularmente para discutir como influir na política internacional.

Lá pelas tantas Mr. Lewis não esconde sua decepção e perplexidade pelo que ouve na reunião, e diz em alto e bom tom ao Lorde anfitrião que política internacional é coisa para “professionals”, não para “gentlemen amateurs” – coisa para profissionais, não para aristocratas amadores.

A lembrança me veio à mente diante das declarações dos ministros de relações exteriores da União Européia que acompanharam a decisão tomada de encaminhar a suspensão de importações do petróleo iraniano a partir de primeiro de julho próximo, como meio de pressionar aquele país por causa de seu programa nuclear.

As declarações falavam, por exemplo, em “esperar que a decisão não contribua para agravar a economia mundial”. Também diziam que era desejável que o Irã “não tivesse tempo para procurar alternativas de exportação de seu óleo cru”.

É inacreditável ouvir isso de políticos que querem parecer e deveriam ser “profissionais”, ao invés de “genltemen amateurs”. Porque é claro que a decisão, além de aumentar o risco de uma guerra na região, cujas conseqüências são tão imprevisíveis quanto certamente catastróficas em todos os sentidos, vai catapultar os riscos de uma recessão e turbulência em escala mundial. E que o Irã – que, ao contrário do que se pensa – está longe de estar isolado, vai procurar alternativas, e as têm.

20 % das exportações iranianas vão para a U. E. Mas a China já declarou que não aceita esse embargo, além de o Japão e a Coréia do Sul estarem recalcitrantes. A Rússia não vai abandonar o Irã à própria sorte (ainda que China e Rússia também pressionem o país por melhor clareza no caráter não bélico de seu programa nuclear).

Além disso, há a questão militar propriamente dita. Muito se tem falado sobre a relação da ameaça do Irã de fechar o estreito de Ormuz com o escoamento de algo entre 25 e 30 % da produção mundial de petróleo. Mas há mais: como já foi apontado aqui neste blog, a 5a. Frota norte-americana estaciona no golfo Pérsico, no vizinho Bahrain. O Irã já ameaçou fechar o estreito caso a ameaça de embargo se concretrize. Isso equivaleria não só a bloquear navios ingleses, franceses, alemães, etc., mas também a confinar a 5a. Frota, que supervisiona o Oceano Índico. Ou seja, isso significa Guerra, Guerra significa, além de destruição, recessão, preço do petróleo nas nuvens, etc.

Além disso, a decisão elevou a temperatura dentro da própria U. E. Ela vem “puxada” sobretudo pela Grã-Bretanha, França e Alemanha. Em vários dos outros países a reação foi de um acompanhamento a contragosto, pelo risco que isso traz para as próprias economias e a da região como um todo. A reação mais angustiada veio da Grécia, cuja combalida economia depende vitalmente do petróleo iraniano. O governo grego já declarou que a decisão vai implicar mais ajuda para seu país – num clima em que a opinião pública predominante na Europa, alimentada por um novo nacionalismo do tipo “salve-se quem puder”, ou “farinha pouca, meu euro primeiro”, volta-se contra essa mesma ajuda.

Em suma, brnca-se com fogo com uma retórica de bombeiros.

No citado filme, anos depois do fim da Guerra M. Lewis compra a mansão dos herdeiros de Lord Darlington, que ficou desacreditado e caiu em desgraça, acusado de traição e de colaboração com o inimigo nazista. Voltando ao palco da famosa reunião, e se reencontrando com o mordomo Mr. Stevens, ele lamenta as observações duras que fez ao aristocrata.

Talvez não devesse.