O Fórum e seus fins e finais

Nesta edição do FSM, mulheres deram a nota e as tintas da solidariedade internacional, com seus movimentos, suas reivindicações (Foto: Zinka Ziebell) No sábado (30) realizou-se a marcha de encerramento […]

Nesta edição do FSM, mulheres deram a nota e as tintas da solidariedade internacional, com seus movimentos, suas reivindicações (Foto: Zinka Ziebell)

No sábado (30) realizou-se a marcha de encerramento da edição do Fórum Social Mundial (FSM), em Túnis, em seu 12º aniversário. Ao longo destes anos, desde sua fundação em 2001, em Porto Alegre, muita água rolou debaixo das pontes que o fórum estabeleceu e continua tentando estabelecer. Desta vez, na Tunísia, a principal ponte chamou-se mulher.

Numa região profundamente entrecortada por longas ditaduras, monarquias obsoletas, aberta agora às conquistas e impasses, avanços e contradições das revoltas no mundo árabe, as mulheres deram a nota e as tintas da solidariedade internacional, com seus movimentos, suas reivindicações, suas palavras cheias de conquistas inadiáveis, sendo uma delas o próprio direito à palavra.

Outra presença constante foi a do debate sobre o Islã, sua possibilidade de convivência com todas as correntes de pensamento, religiosas, laicas, em todas as frentes.

No espaço do fórum era muito grande a desconfiança em relação ao partido no poder, o Ennadha, visto como braço político tunisiano das irmandades muçulmanas presentes no Maghreb. Havia o temor contínuo da regressão a um estado religioso. Esta desconfiança convivia, no entanto, com a reivindicação de traços tradicionais da cultura muçulmana, como o da opção pelo uso do Niqab, a vestimenta que deixa visíveis apenas os olhos das mulheres.

Na marcha, seguiu-se, como no espaço do fórum, a manifestação de estudantes que reivindicam o direito a usá-la, e que se sentem discriminadas, sobretudo na Faculdade de Ciências, pela recusa de professores em aceitá-las na sala de aula.

Nas ruas, em conversas isoladas ou mais amplas, notava-se a preocupação constante em mostrar o islamismo como uma corrente de pensamento, de cultura e de religião aberta à convivência democrática, bem como uma nota marcante em saber como os membros e jornalistas do fórum “percebiam a Tunísia”. Ao mesmo tempo, no próprio evento, houve mesas e atividades de denúncia e preocupação com os movimentos salafistas e sua atuação na Tunísia.

O salafismo é uma corrente muçulmana que prega um retorno às origens remotas do Islã, à palavra direta do profeta e de seus seguidores contemporâneos ou imediatos. Reforçou-se no século 18 diante do que via como uma decadência muçulmana ante o avanço do Ocidente. Tradicionalmente o salafismo é um movimento de predicação, isto é, de convencimento pacífico por meio da argumentação.

Entretanto, durante a guerra no Afeganistão contra a ocupação soviética, houve o surgimento de um salafismo jihadista, isto é, animado pela ideia de impor o mundo islâmico pela força, pela ação direta e muitas vezes violenta, baseado numa interpretação sectária e estreita da jihad, da dedicação à causa religiosa e cultural dos povos muçulmanos.

O surgimento desta corrente do Afeganistão levou muitos dos participantes tunisianos do fórum a apontá-la como insuflada pelos norte-americanos e ingleses, dentro do contexto do combate aos soviéticos durante a Guerra Fria, assim como ocorreu com a Al-Qaïda.

Uma das principais preocupações manifestas no fórum foi com o recrutamento praticado pelos salfistas jihadistas dos jovens muçulmanos para lutarem na Síria contra o regime de Bashar al-Assad.

Num artigo publicado na imprensa de Túnis (Le Temps, 31/03/2013, p. 4), “Profil d’um salafiste”, a jornalista Sana Farhat se reportou a diversas atividades do Fórum onde especialistas na questão debateram os métodos de aproximação dos salafistas em relação a estes jovens, levando-os ao isolamento em relação à família, aos meios de comunicação, buscando um condicionamento moral e físico adequado aos futuros combates em que se envolverão.

Alguns destes debatedores apontavam, inclusive, uma leniência, por parte do governo, em relação a esta atividade, vendo-a como um meio de ver-se livre destes jovens que podem tornar-se fonte de problemas.

Com a abertura para este e outros problemas, o fórum mostrou continuar sendo um espaço de intensificação de reivindicações de legitimidade democrática. Por onde ele “passa”, fica sempre uma esteira de descobertas e iluminações. Também não foi desprezível a mobilização de desempregados (sobretudo jovens) e trabalhadores, por meio da Central Sindical tunisiana e de sindicatos, para ocupar os espaços do fórum, inclusive ressaltando a participação das mulheres na vida laboral e sindical.

O fórum continua, o povo está na rua.  

Também publicado no site da agência Carta Maior

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