Haiti: a volta de Aristide

Haitianos marcham nas ruas protestando contra o governo de Porto Príncipe (Foto:STR New/Reuters) No dia 7, segunda-feira, o governo do Haiti concedeu um passaporte diplomático para o ex-presidente Jean Bertrand […]

Haitianos marcham nas ruas protestando contra o governo de Porto Príncipe (Foto:STR New/Reuters)

No dia 7, segunda-feira, o governo do Haiti concedeu um passaporte diplomático para o ex-presidente Jean Bertrand Aristide.

Assim como Jean-Claude “Baby Doc” Duvalier, Aristide garantiu que quer voltar apenas para ajudar na reconstrução do país, e que pretende dedicar-se ao ensino, depois de quase sete anos de exílio na República Centro-Africana, Jamaica e África do Sul, onde reside atualmente.

Aristide exerceu a presidência do Haiti por três vezes, embora durante dois mandatos. Um golpe de estado interrompeu seu primeiro mandato em 1991; reconduzido ao poder por uma intervenção dos Estados Unidos (no tempo de Clinton), “terminou o mandato” de 1994 a 1996.

Reeleito em 2001, foi derrubado novamente em 2004, por um novo golpe de estado, e literalmente “retirado” do país por uma nova intervenção dos Estados Unidos.

Figura contraditória, “de vários gumes”, Aristide é um ex-padre da teologia da libertação. Em seus mandatos, a situação haitiana melhorou, do ponto de vista social e também dos direitos humanos, embora haja acusações (também) de que em seu segundo mandato ele violou-os de diferentes maneiras. Nesse sentido há uma acusação de que ele teria negociado alianças ocultas com grupos militares e para-militares herdeiros do tempo do outro “retornado”, Baby Doc. Houve também acusações de corrupção. Nada ficou provado nem desprovado, embora as histórias corram livres, inclusive no plano internacional.

A sua volta não deixará de ser uma oportunidade para esclarecer tudo isso.

Mas não dá para acreditar que ele não influirá na política haitiana. Seu partido, o Fanmi Lavalas (que pode ser entendido como “A avalancha” ou “A inundação da família”), foi excluído “manu judiciali” das últimas eleições no país, inclusive a última, que elegeu seu ex-ministro René Préval. Evidentemente o retorno de Aristide vai fortalecer o partido, sua reivindicação de que possa voltar a disputar eleições, e, possivelmente, dará um novo impulso a pretensões de esquerda no Haiti. Resta saber se ele se tornará uma nova edição de Juan Domingo Perón, que foi derrubado não por seu viés autoritário, mas por seu viés à esquerda, e depois retornou como um político de direita à Argentina.

Haverá o segundo turno das eleições presidenciais no dia 20 de março, reunindo Mirlande Manigat, ex-primeira dama (do presidente Leslie Manigat, também deposto por um golpe de estado), e Michel Martelly, um músico, cantor, compositor e dono de boate em Port-au-Prince, a capital. Como se posicionará Aristide (e Baby Doc, também)? Ambas as candidaturas têm um perfil mais conservador, confirmado pela insistência dos Estados Unidos em que Jude Celestin, o candidato da situação, saísse da disputa em favor de Martelly.

Esse é um dos nós da “questão Haiti”: a mão de Washington, além da sombra da França, ambos coadjuvados tradicionalmente pelo Canadá. É evidente que Washington teme que o Haiti, devastado ao longo da história pelos imperialismos, uma das nações mais pobres do mundo, sirva de cabeça-de-ponte para o que seria visto como “o espraiamento da revolução cubana no Caribe”. É isso que explica tanto avião norte-americano levando presidente do Haiti de lá para cá e vice-versa.

Por isso Aristide foi reposto, depois de derrubado, e depois novamente retirado. Aristide teria feito um acordo com Clinton em torno de um programa minimamente neo-liberal para o país, que ele não seguiu.

Agora ele estará de volta por conta própria, e poderá esclarecer de vez o seu perfil para a história.