Crise do Euro: o estilo ‘Mamãe de Ferro’

Na crise do euro, nessa semana de crise na crise, Angela Merkel, primeira ministra alemã, vem sendo apontada como a grande vencedora (Foto: © Sebastien Pirlet/Reuters) Foi-se o tempo da […]

Na crise do euro, nessa semana de crise na crise, Angela Merkel, primeira ministra alemã, vem sendo apontada como a grande vencedora (Foto: © Sebastien Pirlet/Reuters)

Foi-se o tempo da “Dama de Ferro”, Margareth Thatcher, que, como um Spitfire da Segunda Guerra bombardeou o poder de barganha dos sindicatos de trabalhadores e, como um blindado Panzer, destruiu as barreiras à livre ocupação da área econômica pelas “regras” do Mercado.

Isso não condiz mais com o século 21. Pode vir a condizer, claro, se a direita ganhar alguma eleição no Brasil, na Argentina, na Venezuela, quem sabe. Mas aqui na Europa não. Claro: os corações e mentes já estão conquistados pela Mercadologia.

Mas os Mercados continuam implacáveis. Exigem mais e mais concessões. Entregues a si mesmos, agem da maneira mais predatória. Com o jogo de empréstimos, reduziram a pó a capacidade de reação de países como a Grécia, a Irlanda e Portugal; e a cacos, a capacidade de ação da Itália e da Espanha, na Zona do Euro.

Então abre-se o espaço para um novo estilo, hoje tão necessário quanto aquele da Dama de Ferro no século passado: a Mamãe de Ferro, a chanceler Ângela Merkel, da Alemanha.

Antes de mais nada, esclareça-se: Ângela Merkel é uma política séria, habilidosa, conservadora mas não reacionária como Thatcher, que se notabilizou por sua amizade com Pinochet, por exemplo.

Na crise do euro, nessa semana de crise na crise, ela vem sendo apontada como a grande vencedora.

Com seu estilo ao mesmo tempo severo e protetor, ela conseguiu costurar um acordo – ainda apresentado como precário, é verdade – mas enfim, um acordo sobre os próximos passos para tentar debelar a crise incendiária do euro, da Zona do Euro e, por tabela, da União Europeia.

O acordo estabelece que o Fundo Europeu de Estabilização do Euro pulará dos atuais 250 bilhões de euros em disponibilidade para 1 trilhão, ou seja, adiciona 810 bilhões, devendo se somar aos 190 já em uso na Grécia, Portugal e Irlanda. Estabelece ainda que a dívida grega com os bancos será cortada em 50%, o que significa que, se hoje ela é de 357 bilhões, ou seja, 160 % do PIB grego, ela deverá atingir a marca de 120 % desse mesmo PIB em… 2020 – quando então, acredita-se, a Grécia recuperaria a capacidade de captar investimentos “livremente” no Mercado. Para garantir isso, nas renegociações dos títulos gregos, que deverão ser fechadas em janeiro próximo, o Fundo entrará com 30 bilhões (sempre de euros) a título de garantia sobre os novos investimentos a serem feitos e/ou os mantidos. Estima-se um desembolso imediato pela banca privada da ordem de pouco mais de 100 bilhões de euros.

Além disso calcula-se que 106 bilhões de euros serão necessários de imediato (leia-se até meados de 2012) para recapitalizar os bancos “prejudicados” pela “reestruturação” da dívida grega. Esses bancos deverão, até meados do anos que vem, aumentar seu capital próprio para 9% do total de ativos (hoje é 5%) como defesa para futuras crises e “reestruturações”.

De quebra, o acordo firmado na madruga desta quinta 27 prevê que a Grécia privatize valores estimados em 15 bilhões de euros de imediato, como garan tia de que continuará a honrar seus demais compromissos com o Mercado. Prevê ainda que a Itáilia – futura bola da vez – diminua sua dívida a 114% do PIB até 2014 e que introduza mais medidas de “austeridade”, mexendo em aposentadorias, abrindo serviços hoje públicos ao setor privado e aumentando a idade de aposentadoria para 67 anos até 2026. (Isso provavelmente custará o cargo de primeiro ministro a Berlusconi, que, para negociar este quesito com o presidente italiano, Giorgio Napolitano, e com seu parceiro da reacionaríssima Liga no Norte, Umberto Bossi, renunciaria a ele em março de 2012).

Como desdobramento, a União Europeia e a Zona do Euro negociariam investimentos com a China e demais países emergentes (até o Brasil!) que cobrissem os rombos das dívidas públicas. O presidente francês deve procurar de imediato o presidente chinês, Hu Jintao, neste sentido.

Tudo isso, hoje, é creditado à liderança “materno-severa”, “suave-dura” de Ângela Merkel que, de quebra, conseguiu “acaudilhar” (desculpem o termo latino-americano) atrás de suas medidas a parcela mais ampla da oposição alemã, o Partido Social Democrata (SPD) e o Partido Verde. O único partido de oposição a fechar questão contra o plano foi a Linke, que declarou não ver nele uma revisão dos fundamentos que levaram à crise atual.

O plano não mexe numa das questões mais candentes que vem atravessando toda a crise e que, segundo comentaristas como, por exemplo, Paul Krugman, seria de fato um dos esteios de uma solução mais segura e duradoura: a capacidade do Banco Central Europeu agir como um banco de fato, não apenas como um definidor de marcos regulatórios (que não foram obedecidos nem pelos países nem pelos bancos) ou um tapa-buracos, mas como um Tesouro, que emita letras e até dinheiro se for o caso. É pela soberania monetária, entre outras razões, que governos enidividadíssimos como os dos Estados Unidos, Japão e Grã-Bretanha continuam atraindo investidores para a compra de suas letras a preços mais módicos do que Grécia, Espanha, Bélgica, e outros. A Zona do Euro não tem essa soberania, ficando na dependência das injunções das políticas nacionais, da gigantesca Alemanha à pequena Eslováquia. E, diga-se de passagem, a Zona do Euro é a espinha dorsal da União Européia. Se o euro desparecer, a UE cairá como folha de outono e entrará para o passivo da história.

Por isso a “Mamãe de Ferro” segura todas as pontas possíveis para manter a Zona do Euro, e para mante-la atrelada ao atual sistema financeiro europeu: sem isso o sistema bancário alemão (sem falar nos outros) teria de renegociar tudo de novo com todos os outros parceiros, o que o comprometeria a tal ponto que os atuais números de socorro público às instituições financeiras pareceriam irrisórios. E aí qualquer perspectiva de reeleição iria para o brejo.

A Zona do Euro vai, portanto, continuar a navegar – com mais algumas bóias adicionais de salvamento – nesse complicado e conturbado oceano das finanças – ainda durante muito tempo. Até, pelo menos, que corações e mentes se libertem desse brete em que se meteram depois do fim do comunismo.

Enquanto isso, o acordo obtido em Bruxelas foi saudado com euforia nas bolsas, porque ele significa mais fundos disponíveis pelo menos no curto prazo, e ninguém, nas bolsas raciocina muito além disso. Foi recebido com luto na ruas de Atenas, como sinal apenas de mais arrocho em cima dos direitos e expextativas da população, menos empregos, menos soberania, menos futuro, menos tudo.

 

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