Bruxelas: o significado das decisões
Futuro do euro está em jogo. A ver (Foto: Miroslav Saricka/Sxc.hu) Ontem divulgamos o rascunho do plano elaborado para ser a carta de decisões da reunião dos chefes de estado […]
Publicado 21/07/2011 - 13h55
Ontem divulgamos o rascunho do plano elaborado para ser a carta de decisões da reunião dos chefes de estado da zona do euro na quinta-feira, em Bruxelas. Como referência, já que nada mudou, apenas se precisou, o rascunho segue descrito abaixo*.
O que se tornou mais preciso? Vejamos.
1) O montante de ajuda à Grécia será de novos 109 bilhões de euros, a um juro de 3,5%, bem abaixo do que atualmente aquele país paga para rolar os títulos de sua dívida.
2) Ângela Merkel obteve uma vitória contra Jean Claude Trichet, do Banco Central Europeu. O setor privado vai arcar com parte do prejuízo, num montante que pode ir de 16% a 20% do valor total da dívida, ou seja, entre 50 bi e 60 bi de euros. A contribuição será efetivada até 2014.
3) Essa participação se dará através da rolagem da dívida, extensão de prazos, (pelo menos para 15 anos, até 30), recompra de títulos e outros mecanismos – mas terá apoio por parte dos governos, por tra’s dos bancos. Ou seja, os contribuintes continuarão potencialmente a arcar com o financiamento de parte dos prejuízos.
4) Sarkozy também obteve uma vitória, na medida em que o Fundo de Emergência do Euro será autorizado a agir em caráter preventivo, adquirindo letras de países que comecem a deslizar para o vermelho, não apenas depois deles apresentarem definitvamente problemas de insolvência.
5) Trichet saiu, portanto, mais isolado do episódio. Não duvido que a pressão para adotar essas medidas novas tenha vindo do FMI, através de Christine Lagarde, que participou da reunião. Só ela teria poder de fogo para convencer Trichet a aceitar cláusulas que ele antes considerara inaceitáveis.
6) Podem inventar o nome que quiserem: haircut (palavra que entrou na moda no contexto), default seletivo, reestruturação da dívida, ou outros ainda. O fato é que houve uma moratória acordada para evitar uma falência desastrosa – como no caso da Argentina nos anos 90.
7) Essas medidas foram adotadas ainda seguindo o modelo do consenso de Bruxelas, que anima a União Européia, filho do Consenso de Washington, embora de forma mitigada, graças à nova pressão sobre o setor privado – que, na contabilidade geral das coisas, graças ao que já amealhou, não sairá de todo perdendo. Aliás, grande parte dos 109 bi irão diretamente para os credores da dívida grega – sobretudo os bancos alemães e franceses.
8) Haverá garantias semelhantes, se for o caso, para Irlanda, Portugal, Espanha e Itália, caso seja necessário, embora Sarkozy negue com veemência essa hipótese. A negação tem o sentido de reforçar a confiança dos mercados na efetividade do plano. Mas é claro que se não é possível permitir que a Grécia quebre, também não faz sentido permitir que os outros quebrem.
9) Antes desse consenso – que poderia ter sido acordado já um mês antes – houve uma pressão enorme para que a Grécia adotasse a toque de caixa um novo plano de privatização de 50 bi. Por que a pressa? No meu entender, porque os chineses estão batendo à porta da Europa. Já tomaram conta do porto do Pireu, um dos principais da Europa, e estão se preparando para assumir as ferrovias gregas, entre outros ramos de atividade. Se os europeus e seus aliados mais próximos (EUA, Japão) não correrem, a Grécia iria se tornar logo, logo, um condomínio chinês, e estes passariam a se ingerir mais diretamente no monitoramento dos créditos dos grandes bancos da região.
10) Finalmente, deve-se notar que dos grandes partidos de oposição aos governos conservadores, que são maioria na região, não saiu um pio alternativo sequer: socialistas, social-democratas e verdes nada têm a dizer de muito diferente, em substância e premissas, ao que está sendo posto em prática por Merkel e Sarkozy. Advogam reformas cosméticas, não de fundo: mais velocidade e profundidade no socorro, maiores poderes europeus sobre as economias nacionais (mas para orientá-las no mesmo sentido das privatizações, das “austeridades” sobre pensões, salários, etc.). Isso, pelo menos até o momento.
Assim a Grécia e os demais países da zona do Euro conseguiram tempo para respirar. Mas continuam na UTI.
*Às 16 horas (11h00 em Brasília) saiu o rascunhão do plano elaborado na cúpula do euro para salvar a Grécia e a moeda. Em resumo, ele diz o seguinte:
1) Compromisso com o reforço e a garantia da moeda euro.
2) Elogio ao governo de Papandreou na Grécia.
3) Concordância em nova ajuda financeira à Grécia (ainda sem especificar a quantia).
4) Aumentar o prazo do vencimento dos títulos gregos para pelo menos 15 anos.
5) Providenciar financiamento à grécia com juros de 3,5%, com “arranjos colaterais”(leia-se apoio a insituições financeiras) quando julgado necessário.
6) Ajuda financeira e técnica para promover o crescimento econômico da Grécia.
7) Reconhecimento de uma boa vontade por parte do setor financeiro (deve ter havido acordos de bastidor) em ajudar a Grécia numa variedade de opções: troca de títulos, rolagem, recompra, em condições similares a de um empréstimo público.
8) Reafirmação da vontade dos outros estados em cumprir seus compormissos financeiros.
9) Adoção de instrumentos de estabilização: programas preventivos; financiamento para recapitalização de instituições, incluindo empréstimos governamentais, intervenção nos mercados secundários (de negociação de títulos) conforme análises do setor.
10) Adoção de medidas de consolidação fiscal: oferecimento de condições iguais a Portugal e Irlanda, se necessário, reforço das medidas restritivas aos endividamentos, que não devem ultrapassar um déficit de 3 % em relação ao PIB de cada país, reforço dos poderes de fiscalização por parte das instituições reguladoras internacionais, com projetos encaminhados aos países membros até outubro e adoção de medidas legais nacionais reforçando a interdependência até o fim de 2012.
Para análise, vamos aguardar a íntegra da decisão final. Mas tudo isso somado significa que, uma vez adotado tal plano, haverá uma renúncia relativa à soberania por parte dos países da zona do euro. Isso significaria também, ainda que timidamente, uma vitória de Sarkozy e Ângela Merkel sobre o Presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, no que se refere à participação dos bancos privados no prejuízo grego.
A ver.