Afeganistão: uma bomba na eleição alemã

Na sexta-feira, 4 de setembro, o comandante das tropas alemãs no Afeganistão, na região de Kunduz, pediu, autorizou ou ordenou o bombardeio aéreo, pelas forças da Otan, de dois caminhões-tanque, […]

Na sexta-feira, 4 de setembro, o comandante das tropas alemãs no Afeganistão, na região de Kunduz, pediu, autorizou ou ordenou o bombardeio aéreo, pelas forças da Otan, de dois caminhões-tanque, carregados com combustível, que estavam atolados num banco de areia do rio que tem o mesmo nome.

Aviões norte-americanos, que já estavam sobrevoando o local, e que providenciaram imagens telvisionadas para orientar o reconhecimento por parte do pessoal em terra, bombardearam o alvo. O resultado trágico provocou, em primeiro lugar, uma crise internacional sobre o que, de fato, aconteceu.

Para o comandante alemão, general George Klein, tratava-se de dois caminhões sequestrados pelos Talibãs, cercados por militantes que retiravam o combustível com sifões. Para organizações não-governamentais, tratava-se dos mesmos caminhões, mas cercados por civis atraídos pela perspectiva de obter combustível de graça.

As estimativas de mortos variam entre 56 e 150, conforme a organização que divulga os dados. Uma coisa é certa, até o momento: houve mortes de civis, em número ainda não identificado, cuja variação vai de 24 a 120. O caso jogou uma outra bomba, dessa vez na anunciada política do general norte-americano Stanley McChristal,  comandante-geral das tropas da Otan no Afeganistão, para evitar mortes de civis. E provocou também um jogo de empurra-empurra entre alemães e norte-americanos sobre quem, de fato, teria responsabilidade pelo episódio.

Um esclarecimento: Kunduz é uma província bem ao norte do Afeganistão, perto da fronteira com duas repúblicas ex-soviéticas, o Uzbequistão e o Tadjiquistão, e próxima também da Índia e da China. Até três anos atrás era considerada uma região menos belicosa, mas de lá para cá as coisas mudaram, e ataques contra a presença dos alemães da Otan tem se avolumado.

A outra bomba que o episódio lançou estourou na Alemanha, onde se realizam eleições gerais para o Parlamento (e consequentemente o governo) em 27 de setembro próximo. Até agora a campanha vinha se processando, apesar da crise econômica e seus efeitos problemáticos na Alemanha, num clima de mornidão. Os casos mais espetaculares da campanha tinham sido levantados pelos uso de imagens consideradas provocantes sexualmente em cartazes de diferentes partidos: uma foto de uma candidata da União Democrata Cristã (CDU) na companhia da chanceler Ângela Merkel, ambas com decotes generosos, dizendo: “nós temos mais a oferecer”, e um outro, do Partido Verde, sobre tolerância cultural, racial e sexual, em que duas mulheres, uma branca e outra negra, agarram os respectivos traseiros numa clara sugestão erótica.

Entretanto a tragédia do episódio afegão fez ferver o ambiente eleitoral. Até o momento o que se esperava era um desempenho seguro da CDU, mais fraco dos social-democratas (SPD), um pouco mais forte por parte do Partido Verde e da direita, o Partido Democrata Livre (FDP), ligado ao empresariado. Além disso, previa-se um desempenho medianamente fraco do novo partido A Esquerda (Die Linke), embora este tenha sido reforçado por bom desempenho em algumas eleições regionais no passado recente.

Ocorre que até o momento apenas a Linke declarou sua oposição aberta à presença de tropas alemãs no Afeganistão – uma presença, diga-se de passagem, que não é nada popular, por trazer à lembrança antigas ocupações militares por parte da Alemanha e por estar provocando mortes entre os enviados (já são 38). O incidente trágico no Afeganistão pode – e já está provocando – catapultar a popularidade da Linke, o que deixa os demais partidos de cabelos em pé, inclusive o Partido Verde, que, embora tradicionalmente pacifista, apoiou a participação do exército alemão no devastado Afeganistão.

Tudo isso lembra, e muito bem, que quem semeia bombas pode muito bem colher tempestades, e trouxe à tona a velha bandeira da paz que, no caso alemão e em muitos países da Europa, sempre foi tradicionalmente de esquerda desde pelo menos a Primeira Guerra Mundial. Os Verdes tinham sido reforçados por uma grande manifestação em Berlim (50 mil pessoas) no sábado, 6 de setembro, contra o uso da energia atômica na produção de eletricidade. Agora, porém, estão sendo diretamente questionados por sua posição dúbia, para dizer o mínimo, no Afeganistão. A imprensa alemã divulgou fotos da ocorrido, o que contribuiu para aumentar o impopularidade de uma ocupação cada vez mais difícil de defender.