Opinião

Irmãos na homofobia, fiéis a Fidelix

Depois de debate entre presidenciáveis, reacionários sairiam em defesa do discurso homofóbico de Levy Fidelix nas redes sociais; para eles, homofobia não existe, mas heterofobia, sim

agência brasil

Enquanto ativistas ainda pedem criminalização da homofobia, um homossexual ou trans morre assassinado a cada 28 horas no Brasil

Tem sido o principal assunto desta última semana que antecede as eleições de domingo: no debate presidencial da TV Record, Luciana Genro, do Psol, perguntou a Levy Fidelix, do PRTB, sobre a violência sofrida pela população LGBT. Fidelix, então, respondeu com uma verdadeira enciclopédia da homofobia (dava para preencher várias cartelas de bingo): “Dois iguais não fazem filho. Me desculpe, mas aparelho excretor não reproduz. Vamos acabar com essa historinha. Eu vi agora o santo padre, o papa, expurgar, fez muito bem, do Vaticano, um pedófilo. Está certo! O Brasil tem 200 milhões de habitantes, daqui a pouquinho vai reduzir para 100. Vai para a avenida Paulista, anda lá e vê. É feio o negócio, né? Então, gente, vamos ter coragem, nós somos maioria, vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los. Que esses que têm esses problemas realmente sejam atendidos no plano psicológico e afetivo, mas bem longe da gente, bem longe mesmo porque aqui não dá”.

Que tristeza que dá ouvir tanta ignorância numa concessão pública praticamente sem contestação. Vi bastante gente criticando Luciana por não se opor veementemente a essas palavras, por não brilhar como fez no debate com Aécio Neves, em Aparecida. Porém, creio que quem deveria ter dito algo seria a própria Record. O que Fidelix fez não foi apenas expressar opiniões absurdas, mas, sim, incitar o ódio. Na internet, vindo de anônimos, esse tipo de discurso é comum. No humor, também, sempre com aquela justificativa de que “é só uma piada!” (e não é: é a perpetuação de uma série de preconceitos), mas ver tudo aquilo dito “a sério”, sem ironia, por um candidato a presidente, foi definitivamente chocante.

Primeiro, Fidelix parece condenar os gays, mas liberar geral para as lésbicas, que podem “fazer filho” com útero. Segundo, a associação da homossexualidade com pedofilia, uma acusação recorrente e sem noção dos reaças típicos. Será que eles não sabem que a maior parte dos pedófilos é composta de homens hétero? Terceiro, o medo de que o mundo vai acabar se todo mundo não produzir cópias de si (tenham medo de mim também, que sou hétero, casada, e optei por não ter filhos). Quarto, o que tem de feio na avenida Paulista, fora aquele episódio em que um homofóbico bateu com uma lâmpada na cabeça de um rapaz gay? Quinto, o momento mais direto do ódio (“Vamos enfrentar essa minoria”), como se a batalha fosse entre héteros e homossexuais, e não entre preconceituosos e gente que quer apenas viver a vida. Sexto, a insinuação que homossexuais “têm problemas” que precisam ser “atendidos” (cura gay, anyone?). Por fim, a segregação, seguida da repulsa, querendo que “eles” se tratem “bem longe da gente”. Isso não é um desrespeito só para os homossexuais, mas também para os familiares desses homossexuais, que talvez não queiram entes queridos assim tão longe.

A liberdade de expressão tem limites, sim. Discurso de ódio como esse não deveria ter vez na TV. A OAB pediu a cassação da candidatura de Fidelix por homofobia, no que eu concordo. Além disso, há outras duas representações contra ele no Tribunal Superior Eleitoral. É justo. Afinal, analfabetos não podem ser candidatos, mas gente com discurso de ódio pode? Compare a desgraça que um candidato analfabeto pode causar com a desgraça causada por Levy Fidelix.

Uma coisa é ter candidatos folclóricos, caricatos, ridículos. Não recomendo de jeito nenhum o voto em Tiririca, “meu nome é Enéas”, rinoceronte Cacareco, mas esses personagens também existem em outros países. É o voto alienado de quem vê que político é “tudo igual”. Outra coisa bem diferente é ter um candidato como Fidelix, ou Bolsonaro, ou Marco Feliciano. Ou como Matheus Sathler, candidato a deputado federal pelo Distrito Federal, que tem como plataforma a “prevenção ao homossexualismo” e a criação de kit macho e kit fêmea. Pega muito mal que o PSDB ceda espaço para um lunático desses, mas não sei se é possível esperar algum respeito do partido que abriga João Campos, autor da cura gay.

O discurso de ódio do “vamos enfrentá-los” de Fidelix imediatamente me fez lembrar de figurinhas conhecidas. Reacionários, que eu abrevio carinhosamente para reaças, detestam movimentos sociais. Ativistas que fazem marchas nas ruas, então, são os piores, porque deveriam estar trabalhando, em vez de atrapalhando o trânsito. Reaças sabem muito bem que a esmagadora maioria dos ativistas é de esquerda, ou seja, contrária à ideologia conservadora. Logo, reaças negam que homossexuais, mulheres ou negros sofram qualquer tipo de discriminação ou preconceito. Chamam seus protestos de vitimismo e juram que as verdadeiras vítimas da perseguição são eles, os pobres reaças, homens brancos e héteros. Poucas semanas atrás, Danilo Gentili comparou ser chamado de palmito a negros serem chamados de macacos. No mesmo dia, como se estivessem numa Olimpíada das Opressões, Olavo de Carvalho se intitulou o homem mais perseguido da história do Brasil, mais que qualquer grupo, mas vitimistas são os outros.

Se tem alguém que a patota direitista detesta mais que homossexual, é a militância LGBT, que eles chamam de gayzistas ou gaystapo (assim como chamam feministas de feminazis, distorcendo totalmente quem é e sempre foi perseguido, inclusive pelo nazismo, que a direita da internet jura que foi um movimento de esquerda). Essa turma, liderada pelo guru Olavo de Carvalho, realmente acredita que existe uma agenda internacional para acabar com a família tradicional (numa entrevista em agosto, Fidelix já havia citado o Fórum de São Paulo, levando ao delírio os reaças, tão adeptos das teorias da conspiração).

Reaças não acreditam em preconceitos, tirando os que são contra eles. Homofobia não existe, mas heterofobia, sim, evidente (após o debate, Fidelix declarou não ser homofóbico, e sim hétero: “Se não aceitarem minha opinião, estarão sendo heterofóbicos”).

Sexismo é aquilo que as feministas promovem contra os homens, coitadinhos. Racismo? Só se for contra brancos. Quando confrontados com qualquer estatística, como aquela que aponta que, no Brasil, um homossexual ou trans é morto a cada 28 horas (foram 312 em 2013), reaças respondem: “Só?! Há 50 mil homicídios por ano!”. Claro que ninguém é morto por ser hétero, ao contrário do que ocorre com os gays, massacrados pela orientação sexual. Reaças também têm a resposta na ponta da língua para isso: gays são mortos pelos parceiros (estranhamente, reaças não consideram esse argumento para falar de feminicídios, termo que eles sequer cogitam usar). Portanto, não há homofobia. O que há são gayzistas, uma minoria, perseguindo uma maioria. “Vamos ter coragem e enfrentá-los!”.

Era óbvio ululante que reaças sairiam em defesa de Fidelix. Eles são fiéis. Fidelix é um deles.

Lola Aronovich é professora da Universidade Federal do Ceará, autora do blog Escreva Lola Escreva e colunista da RBA