COP-15: para especialistas, países ricos devem parar de crescer

Debate em São Paulo coloca Copenhague apenas como parte da busca por solução e aponta que revisão do modelo de desenvolvimento é chave para conter alterações climáticas

Para José Eli da Veiga, prosperidade e crescimento econômico não podem mais andar lado a lado (Foto: Elza Fiúza. Agência Brasil)

A noção de que crescimento econômico é algo fundamental para bem-estar, prosperidade e qualidade de vida deverá fazer parte do passado. Na visão de especialistas nas relações entre desenvolvimento e meio ambiente, o mundo passa por uma profunda transição na qual, em algum momento, será preciso que a economia deixe de crescer.

Em condições ideais, isso poderia ocorrer imediatamente, uma vez que toda a produção mundial, se distribuída de maneira equânime, daria conta de uma renda digna e confortável para todos.

Mas, já que isso não está em discussão, seria suficiente que os países ricos fossem reduzindo gradativamente os níveis de crescimento. Por questões muito simples: continuar crescendo significa agravar os problemas climáticos atuais.

As nações desenvolvidas, por terem atingido bons patamares de distribuição de riquezas, lograrem avanços tecnológicos e estarem em ritmo de decréscimo populacional, são as que têm mais condições de refrear a expansão, sem que isso signifique abrir mão de uma qualidade de vida digna.

A questão foi levantada durante o lançamento do livro “Mundo em Transe – do aquecimento global ao ecodesenvolvimento” (Editora Autores Associados, R$ 19), de José Eli da Veiga. No evento, o professor da Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da Universidade de São Paulo (FEA – USP) recebeu seu colega de departamento, Ricardo Abramovay, e Ladislau Dowbor, da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).

Na plateia, a presença nada descartável de Ignacy Sachs, um dos maiores especialistas na questão da economia ambiental, que de certa maneira ditou os rumos da segunda parte do debate com a seguinte observação: “Na questão da passagem ao futuro modelo, com pouco crescimento, o fundamental é a questão da repartição da renda. Se olharmos o que ocorreu nos últimos cinquenta anos, é um horror a questão da renda.”

Todos os debatedores concordam que o modelo atual cairá por terra. Na verdade, para José Eli da Veiga, a transição começou nos anos 1970, quando o Choque do Petróleo tratou de mostrar que depender de uma única fonte energética era insanidade – na ocasião, tratava-se de um problema geopolítico, e a busca por produção alternativa de energia tendo em conta o aquecimento global foi fenômeno muito posterior.

De lá para cá, os europeus caminharam fortemente na questão da segurança energética com a pesquisa e o desenvolvimento de novas fontes. Os Estados Unidos, por outro lado, consideraram que a solução viria pela via militar ou pela força econômica, e assim trataram de controlar parte do Oriente Médio, o que certamente levou o país a, neste momento, ver-se muito atrasado no setor.

Especificamente sobre a questão energética, os especialistas já conseguem arriscar quais serão as saídas para o futuro, e difícil mesmo é prever o segundo fator fundamental para escapar dos drásticos efeitos do aquecimento global, que é a revisão do modelo econômico. “Quase todos os países ricos e em desenvolvimento reduziram, de 1980 para cá, suas emissões relativas de carbono. Mas isso não impediu que as emissões em termos absolutos continuassem a aumentar. Porque, apesar da evolução tecnológica, as populações continuaram aumentando, o que mais que compensa as reduções”, pontua José Eli da Veiga.

O processo de transição, portanto, não é linear, não é previsível. Há uma série de fatores que convergem. Como lembrou Ladislau Dowbor, havia diversas crises ocorrendo ao mesmo tempo no mundo e que, nos últimos anos, finalmente se juntaram, dando ideia da dimensão do problema. “A gente se deu conta de que não há ninguém no comando. Há problemas planetários, mas não há um governo planetário. Não adianta esperar que os mecanismos de mercado funcionem”, afirma.

Com isso, é hora de pensar em visões sistêmicas dos problemas e o Brasil precisa finalmente terminar sua passagem de políticas de governo para políticas de Estado. Para Ricardo Abramovay, é falsa a visão de que o país fez sua lição de casa na questão ambiental e agora pode tranquilamente esperar que os ricos façam sua parte: “Esse raciocínio é perigosíssimo. Corre o risco de fazer com que nos distanciemos dos países mais avançados do mundo naquele que é o padrão de inovação industrial que está regendo o progresso tecnológico contemporâneo, cada vez mais norteado pela descarbonização da economia”.

Descarbonização da economia, termo que pode parecer complicado a princípio, nada mais é que reduzir ao máximo as emissões de carbono geradas pela produção. No setor empresarial, a transição prevê que, no próximo modelo, ficará de fora aquele que continuar a produzir de maneira predatória.

A sociedade, por outro lado, terá de rever padrões de consumo. A questão, que vem sendo tratada com cada vez mais frequência, ainda não tem saída à vista: ninguém sabe como rever os padrões sem que isso resulte em imposições de um novo modelo e sem que de fato signifique perda de qualidade de vida. 

“A prosperidade não pode depender do crescimento. O dilema é que, no modelo atual, não é possível manter estabilidade social sem crescimento econômico. Mas é preciso resolver isso, medir a qualidade de vida de outra maneira que não a atual”, pondera José Eli da Veiga, que em seu livro aponta que medidas como Produto Interno Bruto e Índice de Desenvolvimento Humano não fazem qualquer sentido em um mundo assolado por problemas ambientais, e novos indicadores terão de ser encontrados.

Obviamente, vários dos excessos atuais não poderão fazer parte da realidade futura. A grande certeza é que a alteração no modo capitalista atual não poderá ser meramente cosmética , caso se queira efetivamente evitar as piores consequências.  

O livro

“Mundo em Transe” é dividido em quatro capítulos que não precisam ser lidos na ordem em que são apresentados ao leitor. Os ensaios tratam da transição para a economia de baixo carbono, da relação entre crescimento e sustentabilidade, do “decrescimento” da economia e seus impactos previsíveis, e o monitoramento do ecodesenvolvimento.