Pix do golpe

Investigações acham ‘vaquinha’ do agronegócio para financiar ação golpista

Fazendeiros do sul do Pará usavam Pix de loja de informática para arrecadar dinheiro para atos golpistas do 8 de janeiro. PF faz operação em cinco estados e DF

Instagram/Reprodução
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Apoiador de Jair Bolsonaro, Enric Lauriano (dir.) atuou campanha de arrecadação e participou pessoalmente da invasão das sedes dos Três Poderes

São Paulo – Fazendeiros do município de Xinguara, no sul do Pará, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), usavam o Pix de uma loja de informática da região para arrecadar verbas para atos antidemocráticos. É o que revela um levantamento da Repórter Brasil com base em trechos de conversas de WhatsApp e vídeos publicados em redes sociais. O material mostra o empenho dos empresários do agronegócio em levantar recursos e manter a estrutura golpista no Pará e em Brasília, onde bolsonaristas pediam intervenção militar contra a posse do presidente Lula. 

De acordo com a reportagem, os depósitos eram direcionados para a loja USA Brasil. Ela é associada ao empresário Ricardo Pereira da Cunha, conhecido como “Ricardo da USA Brasil”. Cunha faz parte do movimento Direita Xinguara, conhecido por fazer campanha pró Bolsonaro. As conversas também indicam que a vaquinha na conta da USA Brasil para financiar as ações golpistas estava em curso desde novembro.

A empresa, no entanto, está cadastrada na Receita Federal em nome de outra pessoa. Porém, a Repórter Brasil identificou que o empresário informou à Justiça estadual que o endereço da loja é o mesmo de sua residência. 

Ligação com acampamento golpista

Cunha também foi citado por um dos três envolvidos no atentado a bomba em Brasília, na véspera do natal no ano passado. Quando foi preso, o empresário George Washington de Oliveira Sousa cedeu à polícia os números de dois empresários do Pará para avisar do ocorrido. Um deles era Cunha, segundo o jornal Correio Braziliense. Preso pelo plano de colocar um bomba em um caminhão na capital federal, Oliveira Souza também é morador de Xinguara. Segundo o empresário disse à polícia, o objetivo da ação era dar “início ao caos” que levaria à “decretação do estado de sítio no país”. 

O plano teria sido articulado no acampamento montado desde a derrota de Bolsonaro, em outubro, na frente do Quartel-General do Exército em Brasília. Nesta quinta (19), em depoimento à Polícia Civil do Distrito Federal, o eletricista e taxista Alan Diego dos Santos Rodrigues, preso por colocar a bomba no caminhão perto do aeroporto de Brasília, relatou que recebeu o artefato no acampamento bolsonarista. O próprio Cunha fazia presença constante no local, como mostram suas publicações em redes sociais. Em dezembro, por exemplo, ele postou um vídeo exaltando um empresário do Ceasa local que estaria garantindo a doação diária de frutas e legumes. 

Ligado à loja do Pix, Cunha também esteve no protesto contra a eleição de Lula em um shopping do DF, no dia 3 de dezembro. A ação foi usada para reforçar a campanha de arrecadação. 

Gente do agro

Além dele, outro empresário empenhado na arrecadação é Enric Juvenal da Costa Lauriano, que participou pessoalmente do ataque às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro. “Ó que lindo, que lindo! O povo tomando aqui, ó!’, descrevia Lauriano em transmissão em seu Instagram. O empresário se engajou na campanha de arrecadação no dia 7 de novembro, pouco mais de uma semana após o segundo turno eleitoral. Na ocasião, ele encaminhou em um grupo de WhatsApp o número de Pix da USA Brasil para “quem quiser ajudar nas despesas de Marabá”. Na região, fica o 52º Batalhão de Infantaria de Selva, um dos principais pontos de protestos bolsonaristas no Pará. 

Lauriano também é conhecido na região pela defesa das atividades garimpeiras. Em agosto, a Agência Nacional de Mineração (ANM) lhe deu permissão para extrair minério de ouro no Pará por cinco anos. Ele chegou a ser candidato a prefeito de Xinguara pelo PSL, em 2020. E, no ano passado, foi candidato a primeiro suplente de senador na chapa encabeçada por Flexa Ribeiro (PP-PA), também ligado a uma associação que faz lobby pró-garimpo, inclusive para a mineração em terras indígenas. Lauriano é ainda filho de Onício Lauriano, pecuarista com fazendas em pelo menos três municípios do Sul da Pará. 

Onício também faz parte das campanhas para financiar atos golpistas. Em 9 de dezembro, o fazendeiro compartilhou uma “rifa de um touro Senepol e uma bezerra Nelore em pro (sic0 da manifestação em Brasília”. Com custo de R$ 200, a rifa vendeu mais de cem bilhetes. E a arrecadação também foi feita pela conta bancária da USA Brasil. Apesar de sua participação, Lauriano não consta na lista de presos após o atentado às instituições em Brasília. 

Operação da PF nesta sexta (20)

Nesta sexta (20), a Polícia Federal deflagrou a primeira fase da operação Lesa Pátria, que mira financiadores e participantes dos atos terroristas. A ação foi ordenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que expediu oito mandados de prisão preventiva e 16 de busca e apreensão nenhum deles no Pará. As ordens são cumpridas no Distrito Federal e nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul. 

Os alvos são investigados por pelo menos sete crimes. São eles: abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado; associação criminosa; incitação ao crime; destruição; deterioração ou inutilização de bem especialmente protegido. Até esta quinta, 740 pessoas tiveram a prisão em flagrante convertida em preventiva, sem prazo. Outras 335 foram liberadas, mas deverão cumprir medidas cautelares, inclusive com uso de tornozeleira eletrônica. Ainda faltam analisar 364 atas de audiências de custódia já realizadas. 

Além de pessoas ligadas ao agronegócio, as investigações apontam a hipótese de que os patrocinadores da ação golpista sejam ligados a atividades predatórias na Amazônia. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ligou as ações a setores envolvidos com desmatamento, tráfico de madeira, pesca e garimpo ilegal.