Na África, Lula pede reforma da ONU e parceria entre países do Sul

Ex-presidente, que chefia missão à Assembleia Geral da União Africana, exaltou o papel da juventude

Durante o mandato de Lula, ele esteve na África em diversas visitas oficiais (Foto: Ricardo Stuckert/Pr – arquivo)

São Paulo – A articulação Sul-Sul, entre países pobres e emergentes, foi defendida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em discurso nesta quinta-feira (30), durante a 17 ª Cúpula da União Africana, em Malabo, capital de Guiné Equatorial. A parceria entre essas nações foi apontada por ele como essencial para combater a insegurança alimentar, reformar a Organização das Nações Unidas (ONU) e na busca por desenvolvimento.

Lula chefia a comitiva brasileira no evento, missão auferida pela presidenta Dilma Rousseff. No discurso, ele reforçou que o governo brasileiro continua, sob a gestão de Dilma, disposto a estabelecer ações de apoio em diversos setores. “É total a disposição brasileira em cooperar com o desenvolvimento da infraestrutura, em particular na geração de energia elétrica a partir de usinas hidrelétricas e também com a transferência de tecnologia na produção de etanol e de energia elétrica a partir da biomassa”, avisou. 

O ex-presidente citou ainda a disposição brasileira de compartilhar tecnologia na área agrícola, tanto empresarial quanto na agricultura familiar. Durante visitas que fez ao continente, quando estava à frente do Executivo brasileiro, foram firmados acordos de transferência de conhecimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Em campanha

No discurso, Lula deixou claro que a missão brasileira também tinha interesses de política externa. O ex-presidente agradeceu o apoio dos países africanos na eleição de José Graziano – ex-ministro da Segurança Alimentar de Lula – como diretor geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). O brasileiro foi escolhido com apoio de países em desenvolvimento, em uma disputa decidida por quatro votos.

Ele lembrou que a crise econômica iniciada em 2008, “nasceu nos países desenvolvidos”, mas provocou danos no mundo todo. “Mas a conta desse ajuste não pode ser paga pelas nações pobres ou emergentes, que precisam atuar em conjunto para construir uma nova ordem econômica e uma nova governança mundial, que atenda ao atual cenário geopolítico, completamente diferente da realidade de 60 anos atrás”, disse.

O alvo é a necessidade de reforma dos organismos internacionais multilaterais. Embora tenha citado apenas a ONU e o Conselho de Segurança da entidade, instâncias como o Banco Mundial (Bird) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) são palcos nos quais países emergentes como o Brasil têm defendido maior divisão de poder decisório. No caso do conselho, o Brasil almeja, assim como Índia e Alemanha, um assento permanente.

“O mundo tem que recuperar sua capacidade de criar e de sonhar”, filosofou. “Esta é a hora de reconstruir as instituições globais em bases mais democráticas, representativas, legítimas e eficazes”. E apontou: “Os países em desenvolvimento têm de aumentar sua participação na direção dos organismos multilaterais. Sem isso não haverá efetiva mudança e crises maiores serão inevitáveis”.

A respeito da ONU, Lula citou o conflito na Líbia, que sofre há três meses uma intervenção comandada por uma coalizão de países articulada pelas Nações Unidas. “Precisamos de uma ONU suficientemente representativa para enfrentar as ameaças à paz mundial, com um Conselho de Segurança renovado, aberto a novos membros permanentes”, defendeu, em tom de campanha. Uma das primeiras tarefas seria negociar um cessar-fogo entre as forças de Muammar Khadafi, líder líbio, e rebeldes opositores.

Confira a íntegra do discurso

Discurso de Luiz Inácio Lula da Silva

17 ª Cúpula da União Africana

Malabo, Guiné Equatorial

30 de junho de 2011

Quero saudar Excelentíssimo Senhor Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, Presidente da Guiné Equatorial e da União Africana e ao fazê-lo saúdo todos os Chefes de Estado e de Governo e as autoridades aqui presentes

É uma honra estar presente nessa Décima Sétima Assembleia Geral dos Chefes de Estado da União Sul Africana, que abordará um tema de caráter estratégico: a integração da juventude ao processo de desenvolvimento sustentável. Estou aqui como convidado e também representando o Brasil e a Presidenta Dilma Rousseff, que sabe da importância desse encontro, pela relevância do tema escolhido e por abrir mais uma oportunidade para estreitar as relações entre a África e o Brasil.

Inicialmente, quero agradecer o apoio dos países africanos ao processo que permitiu a eleição do meu ex-ministro da Segurança Alimentar, José Graziano, para o cargo de Diretor Geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação.

Essa foi uma reafirmação da cooperação Sul-Sul, essencial para combater a insegurança alimentar que ainda afeta quase um bilhão de pessoas em todo o mundo.

A eleição de Graziano é um trunfo dos países em desenvolvimento e um reconhecimento do crescente papel que desempenham num mundo cada vez mais multipolar.

A escolha, pela União Africana, do tema da integração da juventude da África ao processo de desenvolvimento sustentável é muito oportuna, especialmente porque 60% da população africana têm menos de 25 anos e o continente passa por um acelerado processo de urbanização.

Aprendi nos oito anos que governei o Brasil, que além de investir na melhoria da educação e da oferta de empregos de qualidade para os jovens, o que os entusiasma é a esperança e a confiança de que terão um futuro melhor.

Foi o que conseguimos no Brasil, ao tratar a juventude não como um problema, mas como uma solução.

Criamos um processo virtuoso, de inclusão social e redução das desigualdades, num ambiente amplamente democrático.

Mostramos que é possível combater as desigualdades sociais, reduzir a pobreza, valorizar o emprego e os salários, fortalecer o mercado interno sem comprometer a solidez e a estabilidade macroeconômica.

Ao mesmo tempo, investimos muito na quantidade e qualidade da educação pública, desde a creche até os cursos de pós-graduação.

Como resultado, vinte e oito milhões de pessoas saíram da pobreza e 36 milhões ascenderam à classe média nos últimos oito anos.

E, o que é muito importante, aumentou a autoestima do povo brasileiro, especialmente entre os jovens. Uma pesquisa realizada no começo deste ano, em 25 países, pela Fundação de Inovação Política da França, mostra que a juventude brasileira é a segunda mais otimista do mundo em relação ao próprio futuro.

Minhas amigas e meus amigos.

A juventude não é uma simples passagem, uma mera ponte entre a infância e a maturidade. Não é, de modo algum, uma idade vazia. Ao contrário, é uma faixa etária singular, fortemente diferenciada. Poucas épocas na vida são tão marcantes e definidoras.

O jovem tem um imaginário particular e suas próprias necessidades objetivas e subjetivas, que devem ser contempladas por políticas públicas específicas, que lhes assegurem direitos e oportunidades.

Muitas vezes a juventude é tratada como um problema, um risco para a sociedade, quando deve ser encarada como parte da solução. A juventude é um ativo, um capital extraordinário. A sua capacidade de mobilização pelas grandes causas do progresso e justiça é inigualável. O seu potencial de solidariedade é imenso.

Desde que saibamos, é claro, reconhecer os direitos dos jovens, oferecendo-lhes autênticos canais de participação na vida social, política e econômica.

Na história do meu país, grandes conquistas populares foram obtidas graças à mobilização juvenil. Basta lembrar que o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial contra o nazi-fascismo pelo clamor da juventude. A luta pela criação da Petrobras, a nossa empresa estatal que já é a segunda do mundo em energia, foi liderada pela juventude.

Nossos rapazes e moças estiveram igualmente na vanguarda da luta contra a ditadura e pela redemocratização do país. Não há bandeira humanista e libertária que os jovens brasileiros não defendam com entusiasmo assim como certamente ocorreu e ocorre com os jovens africanos, que foram decisivos em todos os processos de libertação nacional do continente. É o que acontece em todo o mundo.

Por isso quero saudar essa iniciativa da cúpula dos Chefes de Estado da União Africana, de realizar uma assembleia geral especialmente para discutir a juventude, como fazê-la participar do processo de fortalecimento da economia e da democracia.

O papel da juventude é cada vez mais reconhecido como fundamental para o processo de desenvolvimento, o que levou a Organização das Nações Unidas a eleger o período de agosto de 2010 a agosto de 2011 como o Ano da Juventude.

Minhas amigas e meus amigos

O Brasil está muito atento às transformações em curso na África, um continente em que a economia vem crescendo a taxas muito mais altas do que nos países desenvolvidos.

Segundo o Banco de Desenvolvimento da Africa a classe média africana aumentou de 111 milhões para 310 milhões de pessoas nos últimos trinta anos, com um acelerado processo de urbanização que exigirá mais infraestrutura de energia, saneamento, habitação e transportes.

É total a disposição brasileira em cooperar com o desenvolvimento da infraestrutura, em particular na geração de energia elétrica a partir de usinas hidrelétricas e também com a transferência de tecnologia na produção de etanol e de energia elétrica a partir da biomassa.

O Brasil tem interesse em compartilhar sua tecnologia na área agrícola, tanto empresarial quanto na agricultura familiar.

A relação com a África é estratégica para o Brasil. Foi por isso que visitei tantos países africanos durante os oito anos do meu mandato como Presidente do Brasil. Ampliamos nossos vínculos diplomáticos, econômicos e culturais. Abrimos ou reativamos embaixadas em 19 países africanos e temos relações diplomáticas com os 53 países do continente africano. De outro lado, 33 países africanos já tem embaixadas em Brasília.

Um dos resultados desse processo de aproximação é o comércio bilateral entre Brasil e África ter aumentado de cinco bilhões de dólares em 2002 para 20,5 bilhões de dólares no ano passado. Um número crescente de empresas brasileiras passou a investir na África, gerando empregos e mais renda para o povo africano.

Agora a Presidenta Dilma Rousseff manda um sinal inequívoco, de que vai dar continuidade e aprofundar a relação do Brasil com o Continente africano. Minha vinda a Cupula da Uniao Africana, como representante do Brasil simbolila tal compromisso.

Minhas amigas e meus amigos.

A crise que nasceu nos países desenvolvidos em 2008 provocou efeitos danosos em todas as partes do mundo, mas a conta desse ajuste não pode ser paga pelas nações pobres ou emergentes, que precisam atuar em conjunto para construir uma nova ordem econômica e uma nova governança mundial, que atenda ao atual cenário geopolítico, completamente diferente da realidade de 60 anos atrás.

Esta é a hora de reconstruir as instituições globais em bases mais democráticas, representativas, legítimas e eficazes. Por que ficarmos atrelados a modelos criados em tempos e realidades tão diversas das que vivemos hoje?

O mundo tem que recuperar sua capacidade de criar e de sonhar. Não podemos retardar soluções que apontem para uma melhor governança mundial, onde governos e nações trabalhem em favor de toda a humanidade.

Os países em desenvolvimento têm de aumentar sua participação na direção dos organismos multilaterais. Sem isso não haverá efetiva mudança e crises maiores serão inevitáveis.

Somente organismos mais representativos e democráticos terão condições de prevenir futuras crises, sejaqm politicas ou financeiras, e responder aos desafios de uma nova geopolítica mundial, multipolar, com a presença de novos atores.

Vivemos um período de transição no âmbito internacional. Caminhamos em direção ao mundo multilateral.

Precisamos de uma ONU suficientemente representativa para enfrentar as ameaças à paz mundial, com um Conselho de Segurança renovado, aberto a novos membros permanentes.

Precisamos de uma ONU capaz de negociar um cessar fogo e uma saida pacifica para a crise da Libia.

Quero encerrar ressaltando que fortalecer a unidade não significa desconhecer diferenças. Atuamos em cenários econômicos, políticos e sociais distintos.

Temos especificidades culturais e trajetórias históricas próprias. Não buscamos modelos únicos nem unanimidades. Nossa força está na capacidade de construir a unidade a partir de projetos soberanos. Mais do que nunca é hora de fortalecer o processo de cooperação solidária entre a África e o Brasil.

Muito obrigado.

 

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