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Condições para o fim do isolamento do Qatar podem ampliar crise no Golfo

Enquanto o lobo, ou a foice, não vem, a Arábia Saudita quer 'fechar' o país vizinho. Primeira exigência é o fim da agência de notícias Al Jazeera

© TaiwanNews

Vista de Doha, capital do Qatar, que atualmente protagoniza uma nova crise diplomática entre países da região

Nesta sexta-feira, 23 de junho, a monarquia saudita, através do Kuwait, entregou ao vizinho Qatar suas reivindicações para levantar o bloqueio imposto a este país, junto com o Egito, o Iêmen, a Líbia (ou o que resta destes dois países), os Emirados Árabes Unidos, o Barahin e a distante Maldívias, um conjunto de pequenas ilhas no Oceano Índico que depende dos financiamentos de Riad. A lista foi secundada pelos demais países que sustentam o bloqueio.

Não surpreende que a primeira reivindicação da lista seja o fechamento da agência de notícias Al Jazeera e de outras agências semelhantes financiadas pelo Qatar. A Al Jazeera e seu tom independente incomodam demais os sauditas e também o governo egípcio do general Al Sisi.

A agência é acusada de manter laços estreitos com a Irmandade Muçulmana, organização que o governo do Cairo proibiu depois de derrubar o presidente eleito Muhammad Morsi, que a ela pertencia. O jornalista Mahmoud Hussein, da Al Jazeera, está preso desde o último Natal, no Cairo, sob a alegação de manter contatos com a Irmandade, que o governo egípcio considera terrorista.

As outras reivindicações são:

– Fechar a base militar da Turquia no país;

– Entregar aos países do bloqueio indivíduos refugiados no Qatar e acusados de práticas ou ligações com grupos terroristas;

– Cortar o financiamento a entidades que os Estados Unidos definam como terroristas;

– Fornecer informações detalhadas sobre grupos de oposição nos países do bloqueio que mantenham ligações com o Qatar;

– Fechar ou reduzir as representações diplomáticas do Qatar no Irã;

– Expulsar membros da Guarda Revolucionária do Irã que estavam no Qatar.

– Adequar o comércio com o Irã às sanções econômicas impostas a Teerã pelos Estados Unidos;

– Pagar indenizações exigidas pelos países do bloqueio por eventuais práticas terroristas apoiadas no passado pelo Qatar;

– Aceitar o monitoramento da política interna e externa do país por dez anos;

– Tomar estas medidas no prazo de dez dias.

O governo de Riad e os outros governos não disseram o que poderá acontecer caso o Qatar não aceite as medidas no prazo estabelecido. Pelo tom utilizado não se pode descartar nenhuma hipótese, nem mesmo a de uma intervenção militar.

O governo turco declarou que a exigência de fechar sua base seria considerada uma intervenção agressiva e inaceitável.

O Irã atualmente abastece o Qatar com 1,1 tonelada de suprimentos diariamente, para compensar os efeitos do bloqueio aéreo.

O Qatar fica numa península que se limita apenas com a Arábia Saudita por terra e com o Golfo Pérsico. Do outro lado do golfo está o Irã, que é visto como o arquirrival dos sauditas na região.

Além da destruição (na prática) do Qatar e da agência de notícias Al Jazeera, há outros objetivos na ação saudita. O mais evidente é o de neutralizar a influência do Irã tanto no Qatar quanto no próximo Iêmen, uma vez que o governo de Teerã é acusado de promover alguns dos grupos rebeldes neste país, que detêm o controle de mais de 50% do seu território. Também a presença turca incomoda o governo de Riad.

Por trás de tudo também está o desejo de neutralizar uma possível influência do Qatar – um país extremamente rico, dono da terceira maior reserva de gás natural do mundo e de um índice de Desenvolvimento Humano da ONU considerado muito alto – na futura reconstrução da Síria, depois do eventual fim da guerra civil naquele país. A Arábia Saudita deseja incorporar a Síria, ou o que restar dela,  à sua área de influência, em detrimento do Irã e da Turquia.

Para Riad, a presença de Bashar al Assad em Damasco é um estorvo, e ele poderia ser eventualmente apoiado pelos qatarianos. Também não pode ser descartado o desejo de ver diminuída a crescente influência e presença russas na região.

Faz parte deste movimento saudita a substituição, feita nesta semana, do herdeiro do trono do país. O herdeiro era o príncipe Mohammed bin Naïf bin Abdulaziz al Saud, sobrinho do rei Salman bin Abdulaziz Al Saud, de 81 anos. Ele, de 57 anos, foi substituído pelo filho do rei, o príncipe Mohammed bin Salman, de 31, que é o ministro da Defesa e foi nomeado vice-primeiro-ministro do país.

Este príncipe tem sido o responsável pela intervenção militar dos sauditas, no Iêmen, contra os grupos rebeldes, e é considerado um “falcão” quanto ao enfrentamento com o Irã.

Recentemente ele divulgou um projeto chamado “Arábia Saudita 2030”, em que antevê um futuro grandioso para o país, como liderança regional e como ponta de lança da versão sunita do mundo muçulmano. Mas esta liderança estaria, na porta dos fundos – como se vê pelas reivindicações apresentadas ao Qatar –, condicionada e sustentada pela subordinação à política norte-americana para a região.

No momento, vale para este confronto regional o mesmo vaticínio que hoje é a aura do governo Temer no Brasil: ninguém sabe o que vai acontecer.

Ele provocou até mesmo dissensões dentro dos Estados Unidos, uma vez que, se o presidente Trump parece se inclinar a favor dos sauditas e suas exigências, o establishment militar norte-americano não esquece que é no Qatar que se situa sua base militar “hub” (“central”) para a região, com uma imponente força naval e 10 mil militares, além da presença nela de forças do Reino Unido que, até o começo da década de 1970, tinha o Qatar como seu “protetorado”. 

Uma coisa, em todo caso, é certa: uma intervenção de força no Qatar vai apenas aumentar o desequilíbrio já agudo na região. Além disto, vai aproximar ainda mais a Turquia da Rússia e eventualmente até do Irã.