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Pode a desastrosa campanha de Trump estar decidindo batalhas na Síria?

Parece provável que Hillary Clinton vença as eleições, o que faz republicanos abandonarem Trump, para garantir maioria legislativa, e barrar eventual acordo dos EUA com Rússia, Irã e aliados da Síria

Freedom Syria/Fickr CC

ONU se propôs a garantir a evacuação dos militantes para fora dos escombros de Aleppo, para deter os bombardeios

No momento a gravíssima situação na cidade de Aleppo, na Síria, está pendendo para o lado de Damasco e de seus aliados da Rússia, do Irã, do Hezbollah e que também vêm do Iraque.

Aleppo virou um paradoxo e um símbolo.

O paradoxo: quando se vêem fotos da cidade, o contraste é chocante. Metade dela está sob controle do governo de Bashar al-Assad ou dos curdos. A outra metade, em poder dos rebeldes. Na primeira metade, a cidade está basicamente preservada, arborizada e com instituições em funcionamento. Na outra metade, tudo é ruína e desolação. O símbolo: para os lados envolvidos, Aleppo, leem de vital do ponto de vista militar, tornou-se uma questão de honra.

Nesta segunda metade há cerca de mil militantes rebeldes entrincheirados nas ruínas e, diz a ONU, 250 mil civis em condições deploráveis de vida. Os bombardeios aéreos são incessantes, ficando a dúvida no ar se são feitos pela aviação síria apenas, com o apoio logístico dos russos, ou se estes participam diretamente deles também. Hospitais e escolas foram destruídos e morrem dezenas de civis diariamente.

A situação é tão grave que o encarregado da ONU para a questão síria, Staffan De Mistura, se propôs a garantir a evacuação dos militantes para fora dos escombros de Aleppo, como meio de deter os bombardeios. Além dos ataques pelo ar, tropas sírias de elite, com ajuda de iranianos, hezzbolahs que vêm do Líbano e iraquianos, estão avançando dentro da cidade, combatendo ruína por ruína, porque casas intactas quase não há mais.

Acontece que os militantes que estão nesta metade de Aleppo pertencem, em grande parte, ao grupo Jabbat Fateh al-Sham, que antes era conhecido como Jabbat al-Nusra. É um grupo que pertencia à Al-Qaïda, e por isto é considerado terrorista pela própria ONU e pelos Estados Unidos, estando fora de qualquer acordo de cessar-fogo na região.

O grupo tocou de nome e anunciou ter se desligado da Al-Qaïda, talvez como estratégia para sair da lista de terroristas, mas até o momento isto não deu resultado. Também há informes de que ali estão entrincheirados grupos afiliados ao Estado Islâmico ou Levante do Iraque, além de outros agrupamentos rebeldes.

Do ponto de vista retórico, há uma barragem de alegações de todos os lados. Os russos e Assad são acusados de bombardear hospitais, escolas e até comboios humanitários da ONU. Moscou e Damasco respondem que a ação e a pressão do Ocidente estão favorecendo grupos terroristas. Recentemente a França apresentou uma resolução de cessar-fogo e investigação de crimes de guerra no Conselho de Segurança da ONU que foi vetada pelos russos, que também tiveram uma proposta sua recusada.

As razões do acirramento da luta em torno de Aleppo são várias. Há analistas que dizem que o Irã, por exemplo, está interessado em construir um corredor que o leve pelo menos até a proximidade do Mediterrâneo. Os curdos estão tentando assegurar seu controle sobre regiões que fazem fronteira ou quase (é o caso de Aleppo).

Para o governo de Damasco, Aleppo é vital porque é um entroncamento de caminhos que levam a outros pontos do país e até ao Iraque. No Iraque está Mosul, sob o domínio do Estado Islâmico, e Aleppo também é vital como rota para aquela cidade. Para militantes do Hezbollah e os iraquianos há várias questões envolvidas, até de fundo religioso, pois há rivalidades entre grupos da fé Shia e Sunni na região, sendo a primeira favorecida por estes grupos iraquianos e também pelos iranianos.

Para a Rússia, interessa favorecer Bashar Al-Assad no momento, para negociar uma alternativa para a Síria em melhor posição no futuro, fortalecendo sua presença militar na região, onde têm sua única base naval no Mediterrâneo.

Enquanto isto, os Estados Unidos, que não vêem com bons olhos a consolidação da posição russa e a recuperação de Bashar al-Assad, estão parcialmente manietados por três razões.

A primeira é a do temor que possa haver um confronto direto entre forças norte-americanas  que agem na região, também em iniciativas aéreas, contra o Estado Islâmico, e forças russas. As relações entre os dois países estão no seu ponto mais deteriorado dos últimos tempos, e um confronto deste tipo e desta envergadura só pioraria a situação.

A segunda é a já mencionada consideração do grupo rebelde mais forte em Aleppo como terrorista, que os exclui de qualquer ajuda, e o fato de se misturarem com outros grupos. E a terceira, que vem sendo apontada por alguns analistas também, é a indefinição eleitoral do momento norte-americano, que vai perdurar até o começo de novembro.

Por ora, depois de sucessivos desastres da campanha de Donald Trump, parece provável que Hillary Clinton ganhe. Assim mesmo, Trump não está derrotado de antemão, embora seus apoios dentro do próprio Partido Republicano estejam se esvaindo e ainda pode haver alguma surpresa. Mas há outra questão, também decisiva.

Para que a posição de Clinton, mesmo se eleita, se consolide, é indispensável que o Partido Democrata reconquiste a maioria em pelo menos uma das casas do Congresso, senão nas duas.

Líderes republicanos, mais avessos a acordos com os russos e iranianos (Cuba nem falar), estão abandonando a campanha de Trump exatamente na tentativa de assegurarem a maioria que hoje têm no Congresso, evitando a derrocada de seu partido.

Diante deste conjunto de incertezas, a posição dos Estados Unidos fica mais enfraquecida e, dizem também analistas, Putin estaria se aproveitando desta circunstância para impulsionar Assad.

Assim, Trump, ainda que perdendo terreno nos Estados Unidos, pode estar, sem querer, ajudando a definir as coisas no xadrez multidimensional do terreno sírio.

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