Pé no chão

Lula sanciona reajuste a servidores depois do ‘país do monólogo’ e afirma que reconstrução exige tempo

Segundo a ministra Esther Dweck, o próximo passo será regulamentar a convenção da OIT sobre negociação coletiva no setor público

Ricardo Stuckert/PR
Ricardo Stuckert/PR
O governo federal reservou cerca de R$ 1,5 bilhão no Orçamento de 2024 para o reajuste dos servidores públicos

São Paulo – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, no início da tarde desta sexta-feira (28), o projeto que garante reajuste salarial aos servidores públicos federais. É o primeiro acordo assinado desde 2016. Prevê reajuste linear de 9% a partir de maio. Além disso, o auxílio-alimentação sobe de R$ 458 para R$ 658 (aumento de 43,7%). Para Lula, um aprendizado vindo do “desgoverno que saiu” foi valorizar a democracia e o diálogo. “Era o país do monólogo. (Um) governante que falava com ele e apenas com os seus”

Lula, que considerou o acordo uma “façanha”, reafirmou que o país está em fase de reconstrução, e esse processo ainda deve demorar. “Vocês não têm noção (…) A quantidade de amigos ‘dos homens’ que estavam em cargos de confiança.”

Ele defendeu a realização de concursos públicos, mas lembrou que o setor privado leva vantagem por, em geral, oferecer salários melhores. “Para melhorar qualquer serviço publico em qualquer país do mundo, você tem que contratar seres humanos. (…) As pessoas fazem mau juízo de valor com o funcionalismo público.” E defendeu também a classe política, ao afirmar que não se pode colocar todos em um mesmo balaio. “É o único concurso renovado a cada quatro anos.”

Diálogo e negociação

Assim, em cerimônia no Palácio do Planalto, representantes do governo e dos servidores enfatizaram a retomada do diálogo após seis anos sem qualquer tipo de negociação coletiva. “As negociações muitas vezes não são simples. Mas é preciso tolerância, pé no chão. Este foi um bom resultado, mas outros terão que vir. Nem todos serão tão fáceis”, comentou o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho.

Marinho disse que o país por um período de “reconstrução das conquistas perdidas pelo desastre” representado, segundo ele, pelo governo anterior. Lembrou de medidas que estão sendo tomadas, por exemplo, para recuperar o salário mínimo.

Ele voltou a criticar o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pelos juros altos. “Evidente que tem um entrave colocado neste momento, que é o posicionamento do Banco Central brasileiro. Não é pelo presidente Lula, não é pelo governo, é pelo país. (A redução da taxa de juros) seria uma injeção na veia da retomada dos empregos formais no país”, afirmou.

Respeito pela lei orçamentária

Responsável pelas conversas com o funcionalismo, a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, reforçou, ao lembrar que nem sempre todos ficarão contentes com o resultado das negociações. Mas o acordo, lembrou, marca “o compromisso com a democracia” e o respeito aos funcionários públicos. “Tudo foi feito com respeito pela lei orçamentária. É uma demonstração clara de que o governo não vê os servidores como parasitas”, afirmou a ministra, em referência a expressão usada pelo ministro da Economia do governo anterior.

Após o projeto que garante reajuste salarial aos servidores públicos, o próximo passo, lembrou Esther, será a regulamentação da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre o direito à organização sindical e à negociação coletiva no setor público. As conversas com os sindicalistas já foram iniciadas.

Democratização das relações de trabalho

Diretor executivo da CUT, Pedro Armengol apontou a retomada de um ciclo iniciado em 2003, com um ambiente de democratização das relações de trabalho no setor público” em contraponto a um Estado de essência autoritário. Esse processo, acrescentou, foi interrompido em 2016, com a deposição de Dilma Rousseff, e o retorno de um governo autoritário e truculento, como ele definiu. “Foram seis anos de nenhum diálogo, sem nenhum perspectiva.”

O presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, disse que nesse período os ataques foram tantos que surgiu uma nova modalidade de assédio, o institucional. “A órgãos, a carreiras, a corporações inteiras”, afirmou. Para ele, o acordo sancionado hoje “marca a retomada do diálogo com os 12 milhões de servidores públicos brasileiros”. Ele propôs ao governo buscar alternativas à proposta de emenda à Constituição de “reforma” administrativa (a PEC 32) que o governo anterior havia apresentado.