saúde do trabalhador

Doenças causadas por gás que vazou na Baixada Santista podem se tornar crônicas

Além dos impactos imediatos, danos podem ser duradouros e atingir a saúde de toda a população de área afetada, diz médica da Fundacentro

Fernanda Cruz/Agência Brasil

Vazamento afeta a saúde dos trabalhadores da Localfrio e de toda a população da região atingida

São Paulo – Vazamentos de gases tóxicos, como o ocorrido na última semana após incêndio em um terminal de cargas do empresa Localfrio, no Guarujá, nas proxímidades do Porto de Santos, podem acarretar doenças crônicas, semanas após a exposição mais aguda, podendo, em casos extremos, levar à incapacidade. Em entrevista à Rádio Brasil Atual, a médica e pesquisadora da Fundacentro Maria Maeno diz que a responsabilidade de proteção dos trabalhadores, em casos como esse, é da empresa.

“As empresas têm de pensar sempre na proteção coletiva. Não é só colocar máscara no trabalhador. É pensar em minimizar, ou evitar, a exposição. Depois que a exposição ocorre, e o adoecimento também, o tratamento é penoso”, afirma Maria, que também lembra das obrigações do Estado na fiscalização do cumprimento das normas de segurança no ambiento de trabalho.

Confira a entrevista:

Vazamento de gases tóxicos, como o ocorrido na Localfrio, pode causar que tipo de doenças?

O problema principal é o cloro (ácido dicloroisocianúrico). A exposição ocupacional pode ser aguda ou crônica, com altas ou baixas concentrações, e pode se restringir mais aos muros da empresa ou, como aconteceu, um vazamento enorme que atinge boa parte da população do entorno.

Quando acontece uma exposição aguda, como aconteceu agora no Guarujá, é muito perigoso porque o cloro é altamente irritativo das mucosas. Atinge os olhos, nariz, garganta, pulmões e pode causar rinites, conjuntivites, pneumonites, pneumonia, asma, laringotraqueítes, enfim. Pode causa uma irritação global em toda a mucosa.

Os sintomas podem ser imediatos, no caso de algumas bronquites agudas e conjuntivites. Mas pode ter também reações tardias, e os sintomas são extremamente graves, como falta de ar intensa, respiração curta, ofegante e rápida, tosse, vermelhidão e sangramento da conjuntiva dos olhos, sangramento da boca e da faringe, e também nasal, queimaduras ou até mesmo um edema pulmonar. O pulmão fica inflamado, edemaciado, impedindo a troca de oxigênio, podendo causar morte.

Nos casos em que os sintomas aparecem tardiamente, como por exemplo a asma, a pessoa passa a ter crises de tempos em tempos. Uma doença que não tinha antes, mas que passa a ter. Uma porcentagem das pessoas expostas passa a ter um quadro de asma crônico. Isso pode acontecer certo tempo depois, semanas após uma exposição mais aguda.

Muitas delas podem ser incapacitantes. Se as crises são pouco frequentes, permitem que o trabalhador continue ativo, no entanto, as crises podem se tornar mais severas, evoluindo para processos mais crônicos, que dificultam muito o trabalho da pessoa e restringe a atuação, pois não poderá se expor a muitos produtos.

Como o trabalhador deve proceder para garantir tratamento especializado?

O SUS é capaz de proporcionar o tratamento. É importante que o trabalhador tenha informações sobre os perigos relacionados aos produtos que ele manuseia, mas a responsabilidade da proteção é da empresa. A empresa tem de pensar sempre na proteção coletiva. Não é só colocar máscara no trabalhador.

É pensar em minimizar, ou evitar, a exposição. Depois que a exposição ocorre, e o adoecimento também, o tratamento é penoso, tanto nos casos agudos como nos crônicos. O Importante é a empresa ter a responsabilidade de providenciar proteção coletiva.

As empresas que trabalham com produtos que representam esse tipo de risco grave à saúde dos trabalhadores deveriam ter uma fiscalização bem rigorosa, mas em muitos casos isso não acontece.

Sem dúvida. Precisa ter um sistema de proteção coletiva. Todo um sistema de segurança que tenha procedimentos de emergência em casos de vazamentos e acidentes. As empresas têm de ter essa responsabilidade, mas o Estado tem de ter o aparato fiscalizador, que não tem hoje, e os trabalhadores têm de ter liberdade de discussão e informação, o que também não têm.

Eles não conhecem os produtos que manuseiam, não conhecem seus direitos. Isso é uma função fundamental, da sociedade como um todo, e do Estado, fundamentalmente.

Empresas como a Localfrio possuem diversos certificados de qualidade. Esses certificados têm alguma validade?

Assim como a Localfrio, a Samarco também tinha vários certificados de qualidade, sistema de gestão integrada em segurança e saúde no trabalho. Quando uma empresa tem esses certificados, as pessoas ficam tranquilas, porque pensam se tratar de empresas seguras, que controlam seus riscos e têm procedimento para tudo.

Agora, os últimos acontecimentos vêm demonstrando que não. Na verdade, os certificados foram criados mais para aumentar a capacidade de competição no mercado. O desastre da Samarco, por exemplo, desnudou as certificações, como agora, na Localfrio.

Ambos os desastres atingiram não somente os trabalhadores, mas também o meio ambiente e as pessoas externas às empresas. Colocou um grande coletivo em risco, muito mais grave no caso da Samarco.

Pessoas que estavam fora da empresas e trabalhadores de outras áreas, como caminhoneiros que são afetados por esse tipo de acidente ambiental, que tipo de amparo legal eles podem contar, tanto em relação à sua saúde como aos prejuízos, já que tiveram de paralisar suas atividade?

À saúde, eles têm direito ao SUS, que é universal. Em relação ao afastamento, se eles forem segurados pelo INSS e precisarem se afastar, podem pleitear benefício junto à Previdência, enquanto não conseguem trabalhar. Se forem autônomos também. Se não tiverem vínculo, não têm direito a nada. Quanto à empresa provocadora do problema, só através de acordo mediado pelo MP, por exemplo, ou por ação judicial.

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