Bancária denuncia homofobia em demissão no RJ

Trabalhadora demitida acredita que foi vítima de discriminação por parte da gerência do banco em que trabalhava. Durante meses foi questionada sobre sua vida pessoal. Itaú nega

A bancária Márcia Líbano (à esquerda), acompanhada da companheira, apresenta denúncia contra o Itaú Unibanco (Foto: Divulgação/Sindicato dos Bancários do Rio)

São Paulo – Demitida do Itaú Unibanco com a justificativa de redução de quadro de pessoal, a bancária Márcia Líbano acredita que foi vítima de homofobia por parte do gerente da agência Campo Grande, no Rio de Janeiro.

No dia de seu desligamento, 26 de abril, Márcia conta que ficou surpresa e estranhou principalmente a justificativa para a demissão. “Fiquei sem palavras, mas sabia que não era corte, porque o banco estava contratando”, afirma a trabalhadora. “Não havia motivos para a demissão, a não ser preconceito”, alega.

Há dois anos no banco, Márcia cita que há seis meses vinha sofrendo perseguição do gerente da agência. “Numa reunião, em dezembro, ele me disse ‘já sei que você é gay'”, lembra.

Em reuniões de trabalho, Márcia descreve que o chefe mudava de assunto para fazer perguntas íntimas. “‘Quem é o homem e quem é a mulher da relação?’, ele me perguntou em fevereiro”, diz. “Foi a gota d´água. Havia pessoas passando em volta”, comenta.

Em 2010, a trabalhadora também começou a ser questionada sobre sua movimentação bancária. “Ele (gerente) disse que tinha poder para entrar na minha conta”,  prossegue Márcia. “Por desconhecimento, achei que era normal.” A justificativa do gerente para ter acesso à conta de Márcia era de que bancários não podem ficar endividados. “Minha conta não estava negativa, mas mesmo assim ele entrava na minha conta”, enfatiza.

O outro lado


Procurada pela Rede Brasil Atual, a área de Relações com a Imprensa do Itaú Unibanco contesta, em nota, a versão da trabalhadora.

“O Itaú informa que a demissão da funcionária seguiu os padrões normais de avaliação, como ocorre em diversas empresas do mercado. O Itaú rechaça as declarações de que faz discriminação entre seus funcionários. A instituição trata seus colaboradores e clientes com ética. Esse é nosso principal valor”, informou.

A reportagem tentou ouvir o gerente da agência Campo Grande, no Rio, mas a assessoria de imprensa do banco informou que ele não vai se pronunciar. Qualquer informação oficial sobre o caso é de responsabilidade da área de Relações com a Imprensa do Itaú.

Sobre a movimentação bancária, Márcia respondeu que utilizava a conta, em conjunto com a companheira, para depósitos e pagamento de contas. O gerente mandou Márcia parar com os depósitos e avisou que a inspetoria do banco apuraria a questão.

No começo de abril, a trabalhadora se viu diante da inspetoria para explicar sua movimentação bancária e teve mais uma vez de citar questões pessoais. “Tive de expor minha vida para pessoas que nunca vi antes”, relata. “(Eles) me fizeram escrever uma carta na hora, relatando tudo que expliquei sobre pagamento de contas em conjunto com minha companheira.”

Humilhação

Márcia lamenta a situação porque, até então, não havia sofrido preconceito. “Não costumo ver esse lado, porque não sofro preconceito com as pessoas no meu convívio”, afirma.

Protesto contra homofobia

“Foi muito ruim toda essa história, fiquei muito revoltada, mas não reagia por medo de perder o emprego”, descreve.

De acordo com Ronald Carvalhosa, diretor de imprensa do Sindicato dos Bancários do Rio, apesar de o banco não admitir, há diversas denúncias de trabalhadores de preconceito no Itaú Unibanco.

O sindicato realizou um protesto em frente à agência em que Márcia trabalhava, na quinta-feira (6), com o apoio do movimento Arco-Íris e de deputados estaduais. “Vamos exigir o cancelamento da demissão”, avisa Carvalhosa.

Na sexta-feira (7), sindicato e banco reúnem-se para discutir a demissão da trabalhadora. “Ou reintegra a bancária ou ficará claro que a homofobia deste gerente é uma política institucional da empresa”, acusa o sindicalista.

Garantias

A diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf/CUT) Deise Recoaro afirmou que há uma cláusula na convenção coletiva nacional entre trabalhadores e bancos que garante o mesmo tratamento para casais de heterossexuais e para uniões homoafetivas. “As pessoas não podem ser discriminadas por uma relação homoafetiva”, anuncia.

Atualmente, segundo a sindicalista, é preciso garantir a privacidade das pessoas que queiram usufruir de seus direitos. “Precisamos de um mecanismo interno nos (departamentos de recursos humanos) RHs para que os dados das pessoas não sejam revelados, ou seja, uma forma de garantir a confidencialidade”, chama atenção. Na prática, seria necessário garantir o direito de não reveler a relação homoafetiva.