Entrevista

Wagnão, do ABC: caminho da recuperação será longo e exigirá presença do Estado

Se a política não mudar, não adianta trocar de governo, afirma o líder metalúrgico. “Estado deve ser o grande fator de recuperação econômica”

Adonis Guerra/SMABC
Adonis Guerra/SMABC
Para Wagnão, as frentes que tentam se formar às vezes mandam mensagens dispersas. 'Democracia é acesso a cidadania, saúde, educação, é garantir condições de vida'

São Paulo – Reeleito na semana passada com 97,7% dos votos, na primeira eleição virtual da entidade, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, é realista quanto à situação da economia. Ele considera razoável estimar que em dois ou três anos se alcance o volume de produção de 2018-19. Se o cenário for mais favorável, talvez no segundo semestre do ano que vem chegue a 80% da atividade do ano passado.

Em outras crises, recorda, havia uma situação de ociosidade que oscilava entre 20% e 30% da capacidade instalada. Hoje, é de 50% a 60%. Essa situação impõe aos trabalhadores recorrerem a alternativas para se proteger, como suspensão dos contratos, lay-off, medida que atinge neste momento boa parte da base do ABC e da indústria como um todo. Em um segundo momento, “acho que tende a crescer lentamente e aí vai se recuperando”.

Para isso, existe um fator fundamental, acrescenta Wagnão, como é mais conhecido: a presença do Estado. Sem isso, não adianta mudar de governo, como se pede agora. “Precisamos de um novo alinhamento, que aponte para que o Estado seja de fato o grande fator da recuperação econômica”, afirma.

“Fora Bolsonaro” não basta

Por isso, ele faz certa ressalva às frentes que se formam contra o governo. “Se trocar o governo para manter a política, não adianta nada. Dos que apoiam o ‘fora Bolsonaro’, alguns são os mesmos que apoiaram esse governo, dizendo que não suportam mais os impropérios dele, mas não vejo nenhum criticando a política econômica. O que tem de mudar é a política.”

Assim, observa Wagnão, não adiantaria, por exemplo, tirar Jair Bolsonaro e colocar o vice, Hamilton Mourão. A diferença seria, talvez, no linguajar, mas só. “Ele (Mourão) comete menos impropérios que o presidente, mas a lógica do pensamento político e econômico é a mesma: o mercado sendo o grande senhor daquilo que a economia vai fazer no Brasil, não importando se isso tem um custo social enorme, como o que estamos passando”, afirma.

O atual governo não é nem neoliberal, acredita o líder metalúrgico. Estaria além disso. “Eu costumo dizer que ele é anarco-liberal, é o absurdo do liberalismo. Mas reflete toda uma despreocupação com setores da economia, despreocupação com quem emprega e com quem é empregado, um governo que acredita que o mercado vai dar solução para a saída dessa crise.”

Os chamados mercados estão mais preocupados em seguir para onde sopra o vento, ou para onde houver mais oportunidade de retorno em menor tempo. “Se eles perceberem – e já estão percebendo – que não há por parte do governo um estímulo à economia, vão para outros locais, o que só aumentaria a nossa agonia”, diz Wagnão.

Prioridade é a vida

Mas, neste momento de crises econômica, política e sanitária, a preocupação é outra, destaca o sindicalista. “A prioridade é sempre a vida”, afirma. “É garantir as condições sanitárias, a proteção dos trabalhadores. Essa é a prioridade, sem descuidar da questão econômica. O papel do sindicato tem sido no sentido de debater acordos. E a principal cláusula, que a gente mais valoriza, é sobre as condições de saúde a que os trabalhadores estarão expostos. Segundo, dar garantia de emprego, para dar tranquilidade às famílias.”

Para ele, o governo se preocupou mais com os grandes conglomerados, as empresas de grande porte, deixando em segundo plano as pequenas e médias. “Por isso, a gente está vendo a dificuldade de acesso às medidas de crédito que, com muita resistência do governo, foram aprovadas. E a falta de proteção ao emprego. Você lembra que a primeira proposta era de redução do salário pela metade. E tirando, inclusive, os elementos de proteção, que são os sindicatos. Esse é o caldo dessa sopa maléfica. Temos que reverter essa situação se quisermos sair menos piores dessa crise, e com tempo menor.”

Seria uma oportunidade, por exemplo, para debater política industrial, lembra Wagnão. Mas “o governo está dizendo que não quer discutir políticas setoriais. Nesta hora se faz necessário que o Estado seja o grande investidor da economia, com investimento na moradia, na infra-estrutura”, acrescenta.

Ele avalia que o país passou primeiro por um “efeito tardio” da crise global de 2008. Um processo que foi “contaminado”, avalia, pelo processo eleitoral de 2014. “De lá para cá, vimos um pacto da mídia, das elites, no sentido de aplicar um golpe. Por isso, aprofundaram os efeitos da crise, apostaram nisso. Destruíram a economia do país para dar um golpe político”, critica.

É preciso aumentar os gastos

Assim, ele enfatiza a necessidade de mudar o rumo da política econômica. O atual governo “tem uma certa fissura pelo déficit fiscal”, observa. E aí deixa de tomar medidas, como aumento dos gastos – como alguém que investe e até se endivida para construir uma casa, por exemplo. “Com a economia é a mesma coisa. Precisa aumentar seu déficit, precisa produzir dinheiro. Nós estamos com deflação. Isso (investimento) vai fazer as pessoas comprarem, produzirem, vai fazer o dinheiro circular.

Nesse sentido, Wagnão avalia que as frentes que vão se esboçando mandam recados por vezes contraditórios, dispersos. “Não basta dizer que é frente ampla pela democracia. Democracia é acesso a cidadania, saúde, educação. Democratizar as condições de vida que o Estado oferece para a sua população. Se democracia é só trocar de um presidente, mas não discute miserabilidade, aumento da desigualdade, concentração de renda, isso não é defender democracia. Isso é só um voo político-partidário, que não interessa aos trabalhadores.”

Os entregadores e a precarização

Wagnão lembra das ofensivas recentes no sentido de precarizar o trabalho. E destaca a greve dos entregados de aplicativos, que ocorreu nesta quarta-feira (1º). “Foi vendido como empreendedorismo. Hoje, percebe-se que é a pura precarização do trabalho. E é o que eles querem fazer com o trabalho formal também. É a reforma trabalhista que foi vendida para gerar emprego e não gerou, a reforma da Previdência, medidas que apontam para o contrário de tudo o que a gente está falando, que aumentam a exploração, o trabalho precário, que aumenta a renda daqueles que mais podem.”

Isso também exige mudanças nos sindicatos, que vinham, por exemplo, apresentando propostas para a questão da chamada indústria 4.0, tentando discutir o futuro. “O movimento sindical também tem que se adaptar às novas relações de trabalho, às novas condições”, afirma Wagnão, citando o home office.

Foi uma alternativa que se mostrou eficientemente para o momento, observa, mas também apontou aspectos preocupantes. “A maioria está estressada, com overdose digital, de informações, com jornadas que vão além das oito horas diárias, e a responsabilidade de cuidar da casa, e gerando aí uma série de doenças que têm de ser analisadas em função das qualidade desse emprego. Além dos gastos. E o isolamento é depressivo. Estamos agora por conta da necessidade da pandemia, mas e no futuro?”, questiona.