Entrevista

Pochmann: ‘Associo terceirização ao processo de uberização do trabalho’

Universalizar a terceirização integra o projeto da nova elite e mantém a desigualdade, afirma ex-presidente do Ipea

Olga Vlahou/Carta Capital

Projeto aprovado na Câmara e agora à espera do Senadores é o inverso do defendido por juristas, especialistas e sindicatos

CartaCapital – A universalização da terceirização, seja a aprovada pelos deputados e em tramitação no Senado, seja a da proposta em análise no Supremo Tribunal Federal, é a Uberização da força de trabalho, chama a atenção Marcio Pochmann, presidente licenciado da Fundação Perseu Abramo e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Faz parte do projeto da nova elite agroexportadora, que mantém a desigualdade, em contraposição às propostas fragmentadas da parcela da sociedade que gravita em torno dos serviços e está nas ruas, explica o economista da Unicamp na entrevista a seguir.

Como a terceirização cresceu?

No fim dos anos 1980, início dos 1990, da recessão do governo Collor e da abertura comercial, expuseram o parque produtivo brasileiro à competição internacional sem condições adequadas. Isso culminou em uma reação dos empresários para reduzir custos. A terceirização permitia às empresas concentrar-se nas atividades finalísticas e repassar as atividades-meio, fugindo do modelo fordista em que a empresa fazia tudo. Esse era o discurso que veio de fora.

A terceirização, segundo as empresas, aumenta a produtividade.

A terceirização aumentou muito com a desregulamentação dos anos 1990, do governo Fernando Henrique basicamente como mecanismo de redução de custos e precarização do trabalho. Nesse período, o País não teve ganhos de produtividade. A partir do ano 2000, com o ambiente econômico mais favorável, houve uma ampliação do setor produtivo, com empregos não terceirizados entramos em um ambiente de quase pleno emprego nos melhores momentos.

A recessãoestimula a terceirização.

Ela voltou a ganhar espaço no ambiente recessivo, de forte pressão sobre os custos das empresas. O projeto aprovado na Câmara e agora à disposição dos senadores é o inverso do defendido por juristas, especialistas, trabalhadores e sindicatos, de regular a atividade terceirizada de modo a comprometê-la com o ganho da produtividade em vez da redução de custos. A legislação em tramitação não é para os terceirizados, é para universalizar os não terceirizados.

Como vê essa perspectiva?

Associo a universalização da terceirização ao processo de uberização da força de trabalho no Brasil. A ideia do serviço de táxi desregulamentado do Uber é inviabilizar impostos e tributos. O governo está preocupado com fundos públicos para financiar a Previdência, mas a terceirização certamente vai implicar menos arrecadação para o Estado. É coerente com a proposta de relação direta entre patrão e empregado. Descarta-se o sindicato, não há regulação. É uma volta ao século 19.

Quais seriam as perspectivas?

Vivemos uma fase de reavaliação do projeto de redemocratização do Brasil dos anos 1980. Acreditávamos que a democracia poderia ser uma possibilidade de mudança, mas ela não permite isso, toda conquista vai por água abaixo. De 1981 a 2016 a economia brasileira cresceu 2% ao ano em média. Isso dá 0,6% per capita. Estamos num ciclo de decadência da industrialização, que começou nos anos 1980. Hoje a indústria representa 7% do PIB. É uma fase longa de decadência econômica, mas também política, dos valores culturais, dos relacionamentos, das instituições, algo muito maior. Olhamos o curto prazo, o cotidiano, mas há um movimento maior nisso.

Publicado originalmente na edição 919 de CartaCapital