Plano de banda larga de SP só favorece à Telefônica, diz analista

Para pesquisador, isenção de impostos garante aumento de “margens absurdas de lucro da Telefônica” em troca de uma falsa banda larga

A participação do governo apenas na isenção de impostos é muito pouco para a universalização da banda larga

O programa Banda Larga Popular anunciada no estado de São Paulo na última semana é interessante, mas insuficiente para dar cabo dos principais problemas. A avaliação é de analistas ouvidos pela Rede Brasil Atual.

A redução de preços por parte da empresa foi fechada em acordo com o governo do estado da seguinte maneira: a Telefônica compromete-se a baixar em R$ 10 sua tarifa e outros R$ 10 são retirados do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Carlos Afonso, representante da sociedade civil no Comitê Gestor de Internet, entende que é equivocada a atitude de dar isenção de impostos a uma empresa que cobra preços “escorchantes”. Ele lembra que as tarifas apresentadas pela Telefônica em São Paulo são cinco vezes maiores que as cobradas em Espanha, Portugal e França. Na comparação regional, Buenos Aires tem Speedy de três megabytes pelo equivalente a R$ 36 (pela cotação desta quarta-feira e considerando o pacote que fornece também chamadas locais ilimitadas).

Por enquanto, apenas a Telefônica aceitou juntar-se ao plano do governo estadual. A empresa fornece o Speedy chegou a ter a venda do produto suspensa por determinação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) após reiteradas panes este ano.

Antonio Mendes da Silva Filho, professor da Universidade Católica de Pernambuco e consultor da área de Tecnologia e Informação, entende que a atitude de dar isenção fiscal não é suficiente. Ele lembra que a iniciativa pública deve engajar-se naquilo que ele considera os três pilares para a inclusão digital: desenvolvimento de infraestrutura, melhoria de renda e educação para os usuários das novas tecnologias.

“Em todos os países que têm busca por desenvolvimento há participação efetiva dos governos nos três pilares. Se o governo não se engajar, não tomar a iniciativa, o problema vai se alongar por um tempo maior”, afirma.

Pseudo-banda larga

A velocidade de conexão, questão crônica no Brasil, também é considerada muito baixa. O programa oferecido pelo governador José Serra propõe uma conexão de 256 kbps, mas todos os contratos de banda larga no país têm uma pecualiaridade: as operadoras só se obrigam a fornecer um décimo disso, ou seja, em torno de 25 kbps.

Para que se tenha uma ideia, a Itália a partir do próximo ano terá acesso universal de dois megabytes, ou seja, oito vezes o oferecido pela Telefônica a R$ 30. Levando em conta o mínimo de conexão garantido, a distorção aumenta: a conexão italiana mais lenta será 80 vezes mais veloz que a oferecida à população paulista.

Carlos Afonso destaca que o serviço oferecido no pacote de R$ 29,90 do Banda Larga Popular é uma “pseudo-banda larga”. Ao considerar que a Telefônica apenas garante 10% dos 256 kbps, ele faz as contas: o serviço garantido custa R$ 1.450 ao mês por megabite, contra R$ 2,60, na média, do serviço cobrado em Londres. “É um jeito fácil a curto prazo de pretender que a banda larga será democratizada assim – e a médio prazo, como justificar a perda orçamentária só para garantir as margens absurdas de lucro da Telefônica?”, critica.

Concorrência

De toda maneira, o plano do governo de São Paulo não tem como resolver um dos grandes problemas deixados pela privatização: a falta de concorrência. Na capital paulista, maior e mais rica cidade da América Latina, vários bairros têm o serviço de apenas uma operadora de banda larga por fibra ótica. A Lei Geral de Telecomunicações, de 1998, não considerou o serviço de internet como fundamental, deixando-o de fora dos pontos mais importantes.

Luiz Cuza, presidente da Associação Brasileira das Empresas Prestadoras de Serviços Especializados de Telecomunicações (Telcomp), entende que o mínimo desejável para que a concorrência traga melhoria do serviço e barateamento é ter quatro ou cinco operadoras em cada área.

Ele considera que o programa do governo estadual dá um passo adiante, mas não entende o porquê do limite de um megabyte para o melhor plano com desconto. “Alguém que usa banda larga, se hoje tem um mega, amanhã precisa três. Eles poderiam oferecer muito mais velocidade por R$ 30. Ou seja, a isenção de ICMS só ajuda a Telefônica”, afirma.

Enquanto alguns países europeus preparam banda larga universal a partir do próximo ano e outros cobram barato pelo serviço, o Brasiltem uma proporção de apenas 5,2 habitantes conectados à banda larga a cada 100 habitantes, índice superado na América do Sul por Chile. Apesar disso, dá passos tímidos para resolver o paradoxo de uma cobrança cara por uma conexão lenta. O país espera detalhes do Plano Nacional de Inclusão Digital, previsto para ser divulgado pelo governo federal em novembro.

Cuza entende que o momento atual é a oportunidade de o Congresso Nacional entrar em cena no estabelecimento de diretrizes. O presidente da Telcomp aponta que um plano desse porte não deve levar menos de dez anos para a conclusão e sustenta que é preciso estabelecer regras e metas para que a troca de governo não jogue por água abaixo os investimentos.

Para ele, os parlamentares devem exercer papel também na ampliação da concorrência: “O Congresso tem autoridade para dizer à Anatel que prepare muitos estudos sobre alternativas e custos para assegurar que o consumidor tenha opções e que o acesso chegará às áreas rurais”.