emancipação em rede

Inovação tecnológica não precisa significar perda de empregos, diz pesquisador

O professor e pesquisador Sérgio Amadeu apresenta um panorama social no contexto da chamada 'era da disrupção'

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Cada vez mais presentes, sistemas peer to peer possuem a “lógica da internet”. Informação descentralizada e compartilhada por diferentes usuários através da rede

São Paulo – “As pessoas sempre compartilharam coisas. No dia que isso for considerado um crime, será um grande problema”. Desta forma, o sociólogo, professor e pesquisador de cibercultura, Sérgio Amadeu, argumentou sobre a “era da disrupção”, em entrevista para Oswaldo Colibri, da Rádio Brasil Atual.

A tendência tecnológica de inovação permanente trazida pela internet impacta na sociedade através da velocidade e alcance das mudanças. Amadeu apresenta a polêmica do aplicativo Uber, que oferece um serviço de transporte particular, conflitante com a categoria profissional dos taxistas. “Há um exagero muito grande em relação ao Uber tomar empregos. A máquina, por exemplo, entrou no setor têxtil, tomou empregos, aumentou a velocidade do setor e se disseminou por toda a economia gerando mais empregos do que destruiu”, argumenta.

Através das mudanças apresentadas pela rede, o pesquisador aponta para a necessidade de neutralidade e privacidade para a plenitude do avanço social que ela pode trazer. “Algumas tecnologias são descontinuadoras de outras. Temos que separar as coisas. Por exemplo, as operadoras de telecomunicações atacam o Whatts App dizendo que ele reduz as ligações. E tem que reduzir mesmo. Ele reduz custos para o cidadão sem tomar emprego de ninguém”, disse.

Como você explica a chamada “era de disrupção”?

Disruptivo é o que interrompe algo que já existia antes, que altera profundamente o anterior. Então, vamos dizer assim, que a energia elétrica, quando se implantou nas cidades, teve um efeito disruptivo e eliminou o lampião a gás. Mas veja, desde que a internet surgiu, ela tem tido revoluções, saltos e descontinuidade de coisas.

Entendo que este nome até pode ser usado, mas eu não acho que o que está acontecendo seja tão novo assim. A internet, quando surge, ela vem como uma rede de comunicação completamente diferente de todas as outras existiam. Uma de suas principais características é que ela é aberta à inovação permanente, contínua.

A grande questão é que o caráter aberto da internet, a sua lógica de liberdade é uma coisa muito importante e muito interessante para todas as sociedades. Eu não preciso pedir autorização para ninguém para abrir um aplicativo na internet, um novo sitio ou um novo serviço. Isso é muito interessante. Repare o que aconteceu com o Netflix.

O Netflix é um novo serviço na internet de imagem e vídeo sobre o IP, que é um sistema de endereçamento de mensagens. Isso nos trouxe novas oportunidades. Claro que dizem que isso cria um efeito disruptivo com a TV. Eu acho um exagero. A TV vai mudar para acompanhar estes serviços de rede.

Um outro serviço muito interessante é o Popcorn Time. Ele é um Netflix aberto baseado uma rede peer to peer, uma rede bit torrent que é odiada pelos estúdios de Hollywood mas que continua fazendo um grande sucesso, pois ele tem a lógica da internet.

Nós fazíamos isso analogicamente. Emprestávamos discos. Só que hoje não tem mais isso, é tudo pela internet, certo?

É tudo pela internet mas não começou na internet. O exemplo dos discos é brilhante. As pessoas sempre compartilharam coisas, e no dia que isso for considerado crime, é um problema, por exemplo, o Popcorn Time trabalha com vídeos que estão compartilhados nas máquinas das pessoas.

As pessoas ficam impactadas pelas transformações tecnológicas. Isso chega até o mercado de trabalho, por exemplo, com o caso do aplicativo Uber. Como você vê essa questão?

Há um exagero muito grande em relação ao Uber tomar empregos. Eu acho que é muito mais sério, por exemplo, a introdução do computador e do processamento de dados em várias áreas, como nos bancos. É muito difícil você fazer um banqueiro deixar de reduzir a folha de pagamento com uso de tecnologia. Então, você tem é que criar outros empregos.

Por exemplo, tem o check-in que você mesmo faz em aeroportos. Vão perder empregos na área da aviação?

Não, algumas tecnologias são descontinuadoras de outras, mas não geram perda de emprego. No início do séc. XX, um economista chamado Joseph Schumpeter, chamava isso de destruição criativa. Ele da o exemplo da máquina. Ela entrou no setor têxtil, tomou empregos, aumentou a velocidade do setor e se disseminou por toda a economia gerando mais empregos do que destruiu.

Por exemplo, o Whatts App é uma técnica de envio de mensagens e de voz usando a rede de dados na telefonia, e ele reduz custos para o cidadão sem tomar emprego de ninguém. Então, temos que separar as coisas. O que as operadoras de telecomunicações dizem é que o Whatts App está reduzindo as ligações. E tem que reduzir mesmo. A telefonia no Brasil é ruim e uma das mais caras do mundo.

E no celular, o 4g é um grande 171, certo?

O 4g deveria ser 171 mesmo. O que acontece é que eles querem ganhar muito dinheiro. As operadoras de telecomunicações totalizam quase 8% do PIB, um grupo muito diminuto de empresas, um oligopólio. Empresas com vários nomes e marcas fantasias, mas que fazem parte de grupos internacionais. Praticamente não tem nenhuma empresa nacional de grande porte na área. Poderíamos ter, mas não, em razão de privatizações mal feita, desastrada.

Sabemos o que aconteceu nos anos FHC. Esse pessoal que dirigiu o país nunca acreditou em tecnologia. O que está assustando é que você encontra alguns discursos entre os jovens, no entorno do governo Dilma, assustam muito. Eles estão comprando o discurso das operadoras internacionais de telecomunicações.

E como gerar empregos nesta área?

Mais ou menos todo ano se gasta entre 400 e 500 milhões de reais na esplanada, só em Brasília, pagando licenças de softwares. Se você pagasse uns 20, 40 milhões para customizar softwares livres, que você não paga licenças, você pagaria para empresas e comunidades nacionais.

Os outros 300 ou 400 milhões, que você gasta com licença de softwares, você investe na indústria da tecnologia de informação brasileira. Isso sim gera empregos e de qualidade.

RBA
‘É possível investir o dinheiro gasto com licença de softwares na indústria brasileira, gerando empregos’

Não dá pra reverter isso?

Veja, o Brasil consome muita música estrangeira. Só que aqui, ouvimos muita música nacional. É um dos poucos países do mundo que a música regional tem força. Aonde quero chegar é que não é a proibição da música estrangeira que faz a força da música brasileira. Temos outro caminho, que é o do incentivo. Incentivar a indústria de games brasileiros, plataformas de relacionamento brasileiro, entre outros.

A gente tem que disputar o mundo a partir da força da cultura brasileira, e isso se faz com incentivo e não proibição.

A nossa indústria do cinema não vai se beneficiar de proibir o Popcorn Time. Ao contrário, a gente tinha que fazer um acordo com os meninos do Popcorn Time.

Qual a tendência para os avanços tecnológicos deste tipo?

A tendência é o convívio de duas formas. O táxi serviço profissional não vai acabar. Pode melhorar, certamente deve melhorar. É como uma empresa de telecomunicação. O jornal de papel pode acabar, mas a empresa de comunicação, de cobertura da realidade, essa não vai acabar.

Eu defendo como pesquisador interessado em reduzir os custos de comunicação o seguinte. Desenvolver mais uma rede cumpram a função de replicação de dados, transformando cada aparelho e cada computador em uma antena replicadora. Aí, sabe o que você não precisa mais? De um centralizador da infraestrutura de telecomunicações. Isso da para fazer no âmbito dos locais, das cidades.

É possível romper com as estruturas de telecomunicações?

É. Mas os backbones, redes de alta velocidade que ligam países à outros, cidades com outras, isso vai continuar tendo. Mesmo as linhas de telecomunicações para empresas, aonde é preciso ter uma estabilidade muito grande.

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