“Médicos pelo Brasil” inviabiliza profissionais nas periferias das grandes cidades

Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares alerta que mesmo que novo programa traga avanços apoiados na estrutura do Mais Médicos, medida de Bolsonaro tem pontos negativos e abre brecha para financiamento público de serviços privados

Antonio Cruz/EBC
Antonio Cruz/EBC
Apoio da União será dados aos municípios com "maiores vazios assistenciais", ficando a cargo das grandes cidades os custos com os médicos, o que pode restringir permanência dos profissionais nas periferias

São Paulo – A Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares divulgou nota com críticas ao programa substituto do Mais Médicos, anunciado recentemente pelo governo de Jair Bolsonaro. Rebatizado de Médicos pelo Brasil, o projeto foi considerado contraditório pelo grupo. Lançado na quinta-feira (1º), por meio da Medida Provisória (MP) 890/2019, o programa prevê a contratação dos profissionais da saúde via CLT. Haverá quatro níveis salariais, com progressão a cada três anos de participação no programa, além de gratificações. Segundo o governo, para incentivar os médicos a atuar em localidades mais distantes, o salário poderá variar de R$ 21 mil, no primeiro nível, a R$ 31 mil, a depender do local.

A proposta é que até o final de 2020 seja possível preencher as 18 mil vagas oferecidas pelo programa em 4 mil municípios do país, com cerca de 60% dessas vagas nas regiões Norte e Nordeste. O ministro da Saúde, Henrique Mandetta, informou que a pretensão do governo é ampliar para quase 7 mil vagas a oferta de médicos para municípios com “maiores vazios assistenciais”. De acordo com o plano, o novo programa deve substituir o Mais Médicos de forma gradual. Os profissionais da saúde ainda serão selecionados por meio de prova objetiva, e a previsão é que se intensifique a formação em especialidades como medicina de família e comunidade.

Em entrevista ao Seu Jornal, da TVT, o doutor Thiago Henrique, mestre em Saúde Pública e integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, pondera que o Médicos pelo Brasil mantém a perspectiva de encaminhar os profissionais aos rincões do país, além de manter a estrutura do programa anterior que Bolsonaro tanto critica, mas não deixa de apresentar diversos pontos negativos, a começar pela restrição ao provimento das periferias das grandes cidades brasileiras. Hoje contempladas pelo Mais Médicos, no programa de Bolsonaro, os profissionais que atenderem às margens dos centros urbanos ficarão a cargo dos grandes municípios. “Já são os municípios que destinam de 20%, as vezes até 30%, do tesouro municipal para manter o SUS. Então, em um contexto de Emenda Constitucional (EC) 95, de arrocho fiscal e crise econômica, colocar para os municípios que eles não vão conseguir ter o amparo da União, será um problemão”, avalia Henrique.

A MP também institui uma Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps), um dos pontos mais críticos, de acordo com o mestre em Saúde Pública. Isso porque, na prática, essa agência, embora criada pelo Estado, é na verdade uma sociedade privada que poderá fazer contratações, tanto para o ensino como para a prestação de serviço, no próprio mercado “É uma porta aberta para que o Ministério da Saúde injete dinheiro público para que as grandes operadoras de planos de saúde possam ser contratadas e assim fornecer serviços à atenção primária. Nós vamos estar na verdade engordando o caixa de empresas norte-americanas contratando um serviço privado”, critica.

Mesmo a possibilidade de vínculo trabalhista e o reconhecimento com uma faixa salarial maior, pontos que o Médicos pelo Brasil avança, também são contestados pela Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares. “A gente sabe muito bem que a ‘CLT’ já está na conta do governo, que vai vir nos próximos meses com uma nova reforma trabalhista, com a possibilidade dessa carteira verde-amarela que, na verdade, vem para destruir o que a gente tem de CLT desde a Era Vargas”, ressalta o doutor.

O texto da medida que cria o Médicos pelo Brasil ainda precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional, até o final do ano , para virar lei.

(*) Com informação do Saúde Popular

Assista à entrevista da TVT