Urgência na pandemia

Virologista teme terceira onda de covid-19, mais agressiva, em cidades do interior

Com nova cepa indiana e sub-linhagem da variante P1, de Manaus, Amílcar Tanuri defende validação emergencial da Sputnik V para ampliar a vacinação

Alex Pazuello/Semcom
Alex Pazuello/Semcom
Brasil tem menos de 26% de vacinados com duas doses, o que é motivo de preocupação. Isso, porque a delta derruba as eficácias das primeiras doses

São Paulo – Em entrevista à Rádio Brasil Atual, o médico, professor e chefe do Laboratório de Virologia do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Amílcar Tanuri, alerta para a possibilidade de uma terceira onda de covid-19 no Brasil, ainda mais devastadora em cidades do interior. Consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS) e pesquisador sobre a resposta imune do Brasil com as vacinas contra o novo coronavírus, ele avalia que um novo avanço da doença pode acontecer especialmente em regiões onde o vírus teve uma circulação menor. 

A questão vem sendo levantada por especialistas de todo o país. Nesta semana, cientistas da Universidade de Washington divulgaram que o Brasil já está em uma tendência de aumento de casos e óbitos pela covid-19. Com o nível de isolamento em queda e o ritmo lento de vacinação, o grupo projeta que ao menos 751 mil pessoas podem perder a vida em decorrência da covid-19, até o fim de agosto. O cenário se agrava com a confirmação dos primeiros casos da nova cepa indiana do coronavírus no país, a B.1.617. Os registros foram divulgados nesta quinta-feira (20) pela secretaria de Saúde do Maranhão. 

Além dessa variante, o laboratório de virologia da UFRJ, chefiado por Tanuri, já havia identificado no início deste mês que uma nova variante estava em circulação no estado do Rio de Janeiro. Batizada de P1.2, a cepa é uma sub-linhagem da P1 de Manaus, que vem sendo apontada como mais transmissível. A velocidade de disseminação desse vírus, segundo o virologista, é tão rápida que o grupo de pesquisa, ao pedir informações sobre a distribuição dessa cepa pelo mundo, encontrou 500 amostras de sequenciamento dela nos Estados Unidos. 

Uso emergencial da Sputnik

“Estamos observando que ela (variante) consegue deixar você infectado, sem sintomas, por um certo tempo antes de ter sintomas. É essa faixa que faz o vírus transmitir muito mais. Porque quanto mais rápido ele causa sintomas, mais rápido você se isola. Isso é um problema e que tem dado essa segunda onda com alta quantidade de infecção. Que leva a mais mortes”, explicou à jornalista Marilu Cabañas. Esse efeito, segundo Tanuri, é o que também o levou a realizar o parecer sobre a vacina Sputnik V a pedido do Consórcio dos Governadores do Nordeste. 

Considerado um dos maiores especialistas no tema do país, o virologista defende a validação emergencial de lotes do imunizante russo contra a covid-19 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A agência faz objeções à liberação da Sputnik V, alegando questões de segurança e falta de documentos pelo Instituto Gamaleya, responsável pela produção. Tanuri afirma que a cautela da Anvisa é necessária. Mas avalia que se trata de uma adequação dos parâmetros russos, e por isso sugere um processo emergencial para acelerar a importação e evitar a terceira onda de covid-19. 

“Estamos sugerindo uma prova de que os lotes estão vindos com a especificação original e aceitável pela Anvisa. Então não teriam os vírus replicantes, mas quantidade de vírus que Anvisa preconiza na vacina, – eles colocam na verdade 10 bilhões de vírus, 100 bilhões de partículas virais não replicantes por vacina –, e que não tenha nenhuma partícula replicante. Se eles (russos) mostrarem esses laudos e que a vacina é estéril, não tem bactérias nem outras coisas, e a célula de que foi produzida a vacina é a célula correta, por um lado que não tenha outros vírus na vacina, eu penso que a Anvisa poderia liberar os lotes de uma maneira excepcional para a gente poder vacinar a população”, observa. 

Ponderações

O Consórcio do Nordeste já tem estipulada a importação inicial de 29,6 milhões de doses da Sputnik V. O virologista adverte que, além do processo de aprovação pela agência, as secretarias de saúde estaduais e municipais também terão de ser responsáveis por um estudo fármaco-vigilante. Isto é, acompanhando caso a caso. “Se a vacina começar a ser utilizada e tiver efeitos colaterais graves, nós pararíamos a vacinação”, ressalta Tanuri. 

“Mas o que eu falei no documento é que eu não acho plausível que uma vacina tipo Sputnik, que é feita com a mesma tecnologia da Astrazeneca e também da Jansen, seja muito mais tóxica, ou qualquer coisa a mais. Porque elas são muito parecidas, com tecnologias e feitas por vírus e células semelhantes. A Sputnik teve três trabalhos publicados numa revista científica, mostrando a segurança e eficácia da vacina. Pode-se questionar esses trabalhos, mas eles foram publicados e os resultados eram bons. Argentina, México, e Hungria utilizaram acima de 100 mil doses. Minha proposta é utilizar lote a lote, até a Anvisa registrar a vacina, depois encerra esse processo. Mas isso daria uma janela para gente de dois meses talvez em que a gente possa ter a vacina e vacinar muita gente”, resume. 

Vacina é investimento

O processo, contudo, está sendo judicializado, de acordo com o virologista. Mas, enquanto uma resposta não é publicada, ele alerta para a importância do Brasil ter “um leque de opções para poder vacinar mais pessoas”. Por conta disso, o professor da UFRJ contesta postura semelhantes à do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde. Durante a CPI da Covid no Senado, Pazuello confessou, que enquanto ministro, ele postergou a compra de imunizantes com o consórcio Covax, da OMS, devido ao preço alto. “Esse pessoal gosta muito de matemática para essas coisas. Suponhamos que vou pagar 10 dólares em uma dose da vacina, só que ela vai bloquear 90% dos casos graves que iriam aparecer no hospital. Quando custa um dia de CTI no Hospital?”, questiona, concluindo que “pela parte econômica, vai ser muito melhor se vacinar”. 

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima