Preocupação global

Maranhão registra primeiros casos de covid-19 por variante indiana

Nova cepa foi identificada em seis pessoas a bordo de um navio que se encontra em quarentena, para isolamento dos tripulantes. Um deles precisou ser levado para atendimento em São Luís. Estado afirma que todas as medidas estão sendo tomadas

Leopoldo Silva/Ag. Senado
Leopoldo Silva/Ag. Senado
Entre os passageiros do navio, um homem de nacionalidade indiana, de 54 anos, precisou ser internado em um hospital de São Luís, no sábado (15)

São Paulo – A secretaria de Saúde do Maranhão confirmou nesta quinta-feira (20) os primeiros casos da cepa indiana (B.1.617) do novo coronavírus no Brasil. Os infectados são seis tripulantes do navio MV Shandogn da Zhi, que saiu da Cidade do Cabo, na África do Sul, com destino a São Luís. A embarcação foi fretada pela Vale para transportar minério de ferro e está ancorada desde então em alto mar da costa maranhense. 

De acordo com o secretário estadual de saúde, Carlos Lula, que é também presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), dos 24 tripulantes a bordo do navio, 15 testaram positivo para a covid-19 e nove apresentaram resultado negativo. Entre os infectados, seis fizeram o teste genômico pelo Instituto Evandro Chagas, que confirmou a variante indiana. 

A nova cepa é apontada por autoridades sanitárias como um dos vetores por trás da onda recente de contágios e mortes na Índia, que vive seu pior momento desde o começo da pandemia, no ano passado, com quase 4 mil óbitos diários. Identificada pela primeira vez no segundo semestre de 2020, ela vem sendo considerada mais transmissível e até mais mortal. A variante possui outras três sub-linhagens. A encontrada no navio foi a B.1.617.2, que atualmente é a predominante em muitos países europeus. No Reino Unido, por exemplo, a chegada dessa cepa atrasou os planos de reabertura e levou a um aumento de casos de covid-19. 

Bolsonaro ignora pedido da Anvisa

Por conta da gravidade, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendou, no início de maio, ao governo federal que proibisse voos e viajantes procedentes da Índia, em função da variante. Mas a gestão de Jair Bolsonaro ignorou por 10 dias o alerta. Só após a divulgação dessa informação, na última sexta-feira (14), o governo publicou uma portaria com as restrições de entrada no país. 

Entre os passageiros do navio, um homem de nacionalidade indiana, de 54 anos, precisou ser internado em um hospital de São Luís, no sábado (15). Ele foi levado ao local de helicóptero. Em 4 de maio, segundo a secretaria, ele começou a apresentar os primeiros sintomas da covid-19 e passou a ter febre. Além dele, outras duas também foram internadas, mas já tiveram alta e retornaram para o navio, onde dois permanecem com sintomas e 12 estão assintomáticos. 

À imprensa, Carlos Lula destacou que a embarcação permanece na área de fundeio, em quarentena, e não atracou no porto de São Luís. No entanto, antes da confirmação da nova cepa, a pasta diz ter a informação de que 100 pessoas tiveram contatos com esses tripulantes. Mas garantiu que todas elas serão testadas, acompanhadas e isoladas.

De olho nas fronteiras

“É uma variante classificada como variante de atenção. Eu tive contato com o secretário de Segurança Sanitária do Ministério da Saúde e o ministro Marcelo Queiroga, logo pela manhã. O Ministério está enviando uma equipe e a gente tem atuado em conjunto com a Anvisa. Eu queria afirmar que todas as medidas estão sendo tomadas. A tripulação está toda isolada e o navio não tem permissão para atracar”, declarou o secretário de saúde. 

Pelo Twitter, a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, doutora em neurociência e uma das divulgadoras científicas da Rede Análise Covid-19 explicou que, neste momento, o fundamental é fazer o rastreio dos contatos. A biomédica contestou a demora do governo Bolsonaro em decretar as restrições, advertindo que “todo o tempo, atualmente, é precioso para nossas estratégias de prevenção e mitigação”. 

Há ainda, segundo Mellanie, uma preocupação com a variante no Rio Grande do Sul, por conta da proximidade com a Argentina, que já identificou a variante indiana. “A Argentina tem casos de B.1.617 e um aumento de número de casos está sendo visto em regiões de fronteira com este país (região norte, missioneira). Análises já estão sendo feitas para vigilância genômica”, escreveu. 

Novas cepas e terceira onda

Outro temor é que o surgimento de variantes possa também colocar em risco o esforço mundial de vacinação. Autoridades sanitárias também alertam sobre uma possível terceira onda da covid-19 no Brasil, agravada pela chegada de novas cepas. Em entrevista à Carta Capital, o médico sanitarista e ex-diretor da Anvisa, alertava que “se chegar uma variante dessas novas, teremos uma onda ‘braba’. Esta terceira onda certamente vamos ver. Infelizmente não vamos parar no platô”. “Por que está ocorrendo aquela explosão de casos na Índia, que também é um país que não faz isolamento social e tem um presidente também negacionista? Provavelmente essa explosão se deve a uma nova variante”, dizia Vecina. 

Até o momento, alguns estudos, ainda iniciais, indicam contudo resultados promissores quanto a eficácia de vacinas contra a variante indiana, mas com algumas dificuldades. Os dados foram resumidos pela biomédica, que apontou proteção potencial da Astrazeneca, a vacina produzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Pfizer. A Covaxin, que usa a mesma tecnologia da Coronavac, a vacina do Instituto Butantan, também teve informações iniciais promissoras, segundo Mellanie, mas que também precisam ser mais estudadas, como ressaltou. 

Embora positivos, a biomédica alerta que o aumento da transmissão é “preocupante”. “Especialmente num local com flexibilizações e transmissão alta como o Brasil”.

Onde chegaremos?

A  confirmação da chegada da cepa indiana também levantou preocupação no Congresso. A deputada federal Vivi Reis (Psol-PA), lamentou a coincidência da divulgação no dia em que o general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello presta depoimento à CPI da Covid sobre sua gestão, marcada por mais de 250 mil vidas perdidas em decorrência da covid-19. “Em meio ao depoimento criminoso de Pazuello e de suas mentiras em relação à cloroquina, essa informação é ainda mais revoltante. A variante indiana é uma preocupação global! Onde chegaremos?”, questionou a parlamentar.