Vacina contra a covid-19

Para ex-ministro da Saúde, é fundamental que o Brasil garanta ‘vacina para todos’

Para Alexandre Padilha, plano do governo parte do princípio de que só uma parcela da população terá imunização garantida. Segundo ele, vacina da Pfizer poderia ser utilizada para segmentos como profissionais da área de saúde

Tânia Rêgo/EBC
Tânia Rêgo/EBC
O Primeiro Mundo prefere doar para compartilhar seus conhecimentos

São Paulo – O Reino Unido aprovou, nesta quarta-feira (2), a vacina contra a covid-19 produzida pelas farmacêuticas Pfizer e BioNTech. Ao todo, 10 milhões de doses poderão ser usadas ainda neste ano pelo NHS, o serviço de saúde pública do país. A previsão do governo é de que a vacinação tenha início já na próxima semana. O anúncio foi realizado pelo ministro da Saúde, Matt Hancock, que classificou a notícia como “fantástica”. 

O primeiro lote deverá imunizar, em um primeiro momento, os profissionais de saúde, assim como idosos e pessoas vivendo em casas de repouso, incluindo os funcionários. Para o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), médico infectologista e ex-ministro da Saúde, o anúncio é de fato “fantástico”. “Nos traz esperança”, comenta, em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual.

Em novembro, as farmacêuticas divulgaram estudos mostrando que a vacina tem eficácia de 95%. Apesar disso, o Brasil não deve utilizá-la. Nesta terça (1º), o Ministério da Saúde informou que serão incluídas no Plano Nacional de Imunização as vacinas que “fundamentalmente” sejam termoestáveis e armazenáveis em temperaturas de 2ºC a 8ºC. O anúncio sugere que a vacina da Pfizer não deve fazer parte do plano do governo, por não se encaixar no perfil. O imunizante precisa ser mantido a -70ºC.

As barreiras para a vacina

De fato, segundo Padilha, essa “não é uma vacina de uso fácil, por exemplo, para os programas de unidades de saúde, nos postos de saúde, porque ela precisa de um tipo de refrigeração que é muito difícil de ter nesses locais”. No entanto, o ex-ministro da Saúde pondera que as baixas temperaturas para o armazenamento desta e de outras vacinas não deveriam ser um obstáculo para a aquisição de imunizantes no plano do governo federal.

Há, segundo ele, equipamentos de refrigeração no sistema hospitalar do país, nos bancos de sangue, com potencial para atender essas condições especiais. “Você consegue acondicioná-la em grandes hospitais, Há equipamentos de refrigeração que seriam necessários para armazenar uma vacina como esta”, afirma o deputado. 

Em audiência pública na comissão mista do Congresso na manhã de hoje, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, declarou que são “uma, duas ou três” as opções que desenvolvem vacinas contra a covid-19 que, segundo ele, teria quantidade suficiente e um bom cronograma para atender o plano do governo.

Vacina da Pfizer não pode ser descartada

Padilha, no entanto, garante que “essa vacina da Pfizer não pode ser descartada totalmente pelo Brasil. O Ministério da Saúde está errado em descartar a possibilidade de adquirir esse tipo de vacina, porque ela pode ser utilizada por um certo perfil”, aponta. “É possível ter essa forma de refrigeração em grandes hospitais (temperatura mais baixa) para priorizar a vacinação dos profissionais de saúde desses hospitais, os usuários que estão cadastrados. E ter as outras técnicas de vacina, como a que a Fundação Oswaldo Cruz está fazendo, ou a do Instituto Butantan em parceria com a China, para as áreas remotas”, explica, na Rádio Brasil Atual

“O fundamental é o Brasil ter desde o começo como decisão a vacina para todos”, garante. A falta de perspectiva sobre outras vacinas, avalia o deputado federal, “só mostra como o país, infelizmente, por conta da atitude do Ministério da Saúde e do governo federal, está muito atrasado no desenvolvimento e na estratégia de incorporar as vacinas contra a covid-19 no Sistema Único de Saúde”, adverte. 

Até o momento, o Brasil tem acordo para obter 142 milhões de doses. A maior parte delas, 100 milhões, seriam da parceria entre a Fiocruz com o laboratório AstraZeneca. As outras 42 milhões de doses são previstas no consórcio Covax Facility, segundo o jornal Folha de S. Paulo.

O plano de imunização do governo 

Nesta terça, além de indicar que a vacina da Pfizer não estaria no perfil, o ministério também lançou o plano inicial de vacinação da população brasileira. A proposta divide em quatro as etapas de imunização. Na chamada primeira fase, receberiam a vacina profissionais de saúde, idosos a partir de 75 anos, populações indígenas e as pessoas com mais de 60 anos que vivem em asilos ou instituições psiquiátricas.

Na segunda fase, o governo prevê a vacinação das pessoas com 60 a 74 anos. Enquanto a terceira etapa garante doses ao grupo com risco elevado de agravamento da covid-19 por conta de doenças crônicas, cardiovasculares e pulmonares. 

Já a quarta e última etapa seria voltada à imunização de professores, profissionais das forças de segurança e salvamento, e funcionários do sistema prisional e a população privada de liberdade. O plano, no entanto, também preocupa Padilha. 

Governo restringe estratégia

Para o deputado, o governo federal deixou evidente que “não garantirá vacinas para todos pelo SUS. Ele já parte do princípio de garantir vacina só para uma parte da população”, contesta. O ministério prevê ainda que a vacinação comece no próximo ano, mas não explica quando começa ou termina a campanha. “Do jeito que está ali pode ser durante o ano inteiro, de 2021 até 2022. Ou seja, um absurdo”, analisa o ex-ministro.

“A priori estão descartadas algumas vacinas, como a da Pfizer que poderia ser utilizada onde é possível ter esse tipo de refrigeração. E não cita (no plano) claramente a incorporação da vacina que está sendo desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com a China. Fala que está conversando com outros (laboratórios), mas é uma postura pouco ousada do governo federal”, acrescenta às críticas.

Para Padilha, a “questão chave” é que o governo de Jair Bolsonaro quer retirar R$ 35 bilhões do orçamento do Ministério da Saúde. A proposta orçamentária enviada ao Congresso retira 22% do orçamento deste ano, que deve ser igualado ao de 2019, antes da crise sanitária. “Essa é a proposta dele (Bolsonaro). É para isso que ele está restringindo ao máximo a nossa estratégia e plano nacional de vacinação”, conclui o deputado. 

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção. Edição: Glauco Faria