Descriminalização

Aborto volta à pauta do STF, em decisão sobre gestantes com zika

Movimentos comemoram voto que descriminalizou o aborto até o terceiro mês e acreditam que possa influir no julgamento da ADI 5581, previsto para a próxima semana

Antônio Cruz/ABr

Barroso, em decisão ‘atípica’ do STF, reconheceu que criminalizar aborto no primeiro trimestre de gestação viola direitos da mulher

São Paulo – O pleno do Supremo do Tribunal Federal (STF) vai julgar na quarta-feira (7) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.581, protocolada em agosto pela Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep). No conjunto de medidas de enfrentamento à epidemia do vírus zika pedido pelos defensores está o direito de interrupção da gestação para mulheres grávidas infectadas. Será a segunda vez em uma semana que o tema voltará ao STF.

A advogada e militante da Marcha Mundial de Mulheres no Rio Grande do Sul, Francine Pereira Barenho, acredita que o julgamento possa ser influenciado pela decisão de magistrados que, na última quarta (30), consideraram inconstitucionais os artigos que criminalizam o aborto nos primeiros três meses de gestação. Luiz Roberto Barroso, Rosa Weber e Edson Fachin assim se manifestaram ao julgar o habeas corpus de pessoas presas em 2013 numa clínica de aborto em Duque de Caxias (RJ). Para eles, criminalizar o aborto nessa etapa é violação aos direitos fundamentais da mulher.

“A tendência é que os ministros com esse entendimento votem de maneira semelhante no caso da ADI”, disse a advogada.

Criticada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que a considera incoerente ao defender os direitos da criança afetada pela síndrome congênita ao mesmo tempo que elimina seu direito de nascer, a ADI tem apoio de movimentos sociais, de mulheres e juristas. Há um mês, o Anis – Instituto de Bioética publicou no site Justificando um manifesto escrito por 11 juristas, com o objetivo de embasar o voto dos 11 ministros que vão julgar a ADI.

As duas votações que envolvem diretamente o debate do aborto no prazo de uma semana, com o resultado surpreendentemente progressista de parte de um Supremo associado a decisões retrógradas e contrárias aos interesses da população, provocou reações imediatas entre os setores conservadores.

No mesmo dia 30, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou que deverá instalar uma comissão especial para discutir e elaborar emenda à Constituição com regra clara sobre aborto. Segundo a página oficial de Maia, trata-se de uma resposta à decisão do Supremo que pode abrir precedente para descriminalizar o aborto realizado nos primeiros três meses de gestação. “Eu já tinha conversado sobre o assunto com alguns líderes que, do meu ponto de vista e vou exercer o poder da Presidência, toda vez que nós entendermos que o Supremo legisla no lugar da Câmara dos Deputados ou do Congresso Nacional, nós deveríamos responder ou ratificando ou retificando a decisão do Supremo, como a de hoje”, afirmou.

Para a advogada Francine, a Câmara não tem poder para alterar decisões do Supremo, como Maia dá a entender. “O que seria possível é mesmo aprovar mudanças na Constituição por meio de emendas. E como o STF é guardião da Constituição, terá de seguir. Mas isso não é fácil e nem rápido mesmo com um Congresso tão conservador como o que temos. Há prazos para a tramitação”, disse.

Reforçando que a decisão da turma do STF aplica-se apenas ao caso das pessoas presas na clínica fluminense, o entendimento traz importante precedente para o ordenamento jurídico brasileiro que permite o aborto apenas em casos em que a mãe ou filho correm risco de morte ou em caso de fetos anencéfalos. “A decisão poderá servir de embasamento para futuras decisões não só no âmbito do próprio STF, como também nos demais tribunais.”

Helena Zelic, da Marcha das Mulheres em São Paulo, também comemorou. “O voto não foi um ponto final no debate sobre aborto, mas reconhece nossas reivindicações na perspectiva de autonomia sobre o corpo, sexualidade livre e saúde.”

Para a médica e ativista Jurema Werneck, da coordenação técnica da organização Criola, que defende e promove os direitos das mulheres negras, a turma do STF exerceu um protagonismo progressista. “O STF é marcado por um protagonismo conservador, que atua na maioria das vezes em defesa das elites. Recebemos com muito apreço essa decisão atípica.”


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