No rádio

Vannuchi: coronel teve a ‘hombridade’ que falta ao torturador Ustra

Ao admitir farsa montada para encobrir assassinato de Rubens Paiva nas dependências do DOI-Codi-RJ, oficial da reserva age com ‘honra militar que falta aos que seguem mentindo’

Arquivo de Família/Reprodução

Costa e outros dois militares receberam ordens superiores para atirar no Fusca e incendiá-lo em seguida

São Paulo – O depoimento do coronel da reserva Raimundo Ronaldo Campos, na semana passada, sobre a farsa montada pelo aparato de repressão da ditadura em torno da morte de Rubens Paiva foi um “gol espetacular” da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro. Campos era capitão do Exército na época e admitiu à comissão: “Fui escalado para montar a farsa”. Qual farsa? Incendiar um Fusca no Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro, para criar a notícia e fotos nos jornais, para o Jornal Nacional – a mídia inteiramente alinhada com o aparelho de repressão, com a ditadura naquela época, com manchetes do tipo “O ex-deputado Rubens Paiva foge em uma emboscada terrorista”.

Em seu comentário de hoje (10) na Rádio Brasil Atual, o cientista político Paulo Vannuchi elogia a atitude do hoje coronel reformado, que “teve a hombridade, a honra militar que falta ao torturador Ustra, que falta a todos os demais que seguem mentindo de uma maneira muito desonrosa e que viola todos os preceitos da dignidade militar”. Vannuchi destaca também o papel do advogado Wadih Damous, que foi presidente da OAB do Rio e promoveu um engajamento da ordem na questão do direito à memória e à verdade. O próprio Damous disse que é muito grave o silêncio dos altos comandos das Forças Armadas, que nunca abriram a boca até hoje, deixando passar a ideia de que não gostam do trabalho que vem sendo feito pelas comissões da verdade no Brasil. A mesma Comissão da Verdade do Rio de Janeiro também divulgou papéis encontrados nos arquivos da repressão política do Centro de Formação da Aeronáutica mostrando que os filhos de Rubens Paiva foram vigiados, perseguidos, observados por anos a fio.

Rubens Paiva foi deputado federal pelo PSB. Às vésperas dos golpe de 1964, presidiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito que denunciou a orquestração golpista promovida pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), entidade que reunia os principais veículos de comunicação e recebia recursos de órgão de inteligência dos Estados Unidos. Após o golpe, o partido deixou de existir e Paiva foi cassado. “O deputado era engenheiro de formação, uma pessoa que não estava vinculada à resistência armada, era um democrata que ajudou a retirar pessoas perseguidas do Brasil”, lembra Vannuchi. Ele teve interceptada correspondência de militantes que se encontravam exilados no Chile e, em 20 de janeiro de 1971, foi preso. No dia seguinte, Costa e outros dois militares receberam ordens superiores para atirar na lataria do Fusca e incendiá-lo em seguida, no Alto da Boa Vista, no Rio. No dia seguinte foi dada a notícia de seu “desaparecimento”.

“Ele foi levado ao DOI-Codi do Rio de Janeiro e, em pouco tempo, estava trucidado, morto sob tortura, e então teve início uma farsa que começou a ser desmontada logo depois, com as denúncias, testemunhas, trabalhos jornalísticos. Hoje, no Brasil, não há um bom jornalista, um bom jurista, um bom parlamentar, um militante dos direitos humanos que não saiba que foi uma farsa, como foi farsa a versão de suicídio de Vladmir Herzog. Ele foi morto sob tortura, como Manuel Fiel Filho, Alexandre Vannucchi Leme, Honestino Guimarães. São centenas e centenas”, relata o colunista da rádio. “Bom, se todo mundo já sabia da farsa, o que faltava? Faltava esse espetacular gol conseguido pela Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, presidida pelo advogado Wadih Damous.”

A oficialização de dados já revelados pelas comissões da verdade deve ajudar o Brasil a reescrever sua história. Segundo Vannuchi, a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo – que, aliás, leva o nome de Rubens Paiva –, liderada pelo deputado estadual Adriano Diogo (PT), tem conseguido seguidos marcos importantes, e mesmo a Comissão Nacional da Verdade de Brasília, à vezes criticada por problemas internos, segue fazendo um trabalho positivo. “Um trabalho responsável, sobretudo neste período mais recente em que assumiu a liderança o jovem jurista Pedro Dallari, filho de Dalmo Dallari, que é um dos maiores ícones dos direitos humanos no Brasil”, diz Vannuchi.

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