Revoada

Da social-democracia à adesão ao bolsonarismo, o que ficou do PSDB?

Partido surgido em 1988 chegou a dominar a política brasileira, mas encolheu e não teve sequer candidato a presidente

Reprodução
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São Paulo – “O PSDB nasce num momento em que o Brasil se debate com a descrença”, disse o então senador Mário Covas em 25 de junho de 1988, quando se formalizou o novo partido, na Câmara. Eram, basicamente, dissidentes do PMDB, então dominado por Orestes Quércia. Além de Covas, gente como Fernando Henrique Cardoso, Franco Montoro, José Richa, Pimenta da Veiga e outros. “A militância sincera do PMDB veio para o novo partido”, chegou a afirmar FHC, no mesmo dia. A legenda cresceu rapidamente, passou a dominar a política paulista (e nacional), elegeu o presidente da República duas vezes – e quase uma terceira. Um quadro bastante diferente do atual: o PSDB não só encolheu nesta eleição, como passou a apoiar o bolsonarismo, algo certamente impensável para os cardeais de 1988.

Tanto que alguns próceres tucanos – a ave rejeitada pelos emedebistas foi escolhida como símbolo da nova legenda – logo se manifestaram a favor da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno presidencial. Foram os casos do próprio FHC, de Tasso Jereissati e Aloysio Nunes Ferreira, por exemplo. Mas em São Paulo o atual governador, Rodrigo Garcia, não hesitou em oferecer a apoio a Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro e defensor de Jair Bolsonaro. E com o candidato ainda desdenhando esse mesmo apoio. O deputado Alexandre Frota não aguentou e pediu sua desfiliação do PSDB. Prefeitos do partido, como os de Ribeirão Preto e Santo André, também se alinharam com o bolsonarista.

“O mais jovem dos grandes”

Em 1988, quando se aprovou a atual Constituição, o partido surgiu já como a terceira bancada do Congresso, com 37 deputados federais e sete senadores. Elegeu 29 deputados em 2018 e apenas 13 agora. O número de deputados estaduais caiu de 73 para 54. Depois de décadas de domínio absoluto em São Paulo, não conseguiu chegar ao segundo turno na disputa pelo governo estadual. E neste ano sequer teve candidato à Presidência da República.

Era “o mais jovem dos grandes partidos brasileiros”, afirmam os tucanos em sua página oficial. As apresentações seguem mostrando distanciamento da realidade atual. Destaque para “Mas é, também, o partido que mais cresce no Brasil. Mais que isso, não há na história brasileira registro de partido político que tenha crescido tão rapidamente, tanto em termos de organização como em resultados eleitorais”, entre outras afirmações.

Compromisso com a democracia

O PSDB praticamente acabou, afirma o cientista político e professor Claudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). E se descaracterizou. “A gente tinha uma série de figuras mais sociais liberais, a despeito do nome do partido. Ainda assim, era um partido de posições progressistas e democráticas, de defesa de princípios da democracia. Muito claramente identificado com o processo de redemocratização do país. Deixou de ser um partido comprometido com a democracia para se tornar um partido indiferente a ela”, comenta. Nesse sentido, o próprio PSDB aponta como “ponto de partida” seu compromisso com as instituições. E foi o que FHC argumentou ao explicitar seu apoio a Lula no segundo turno.

Lula e FHC
FHC explicitou apoio a Lula: democracia em jogo (Foto: reprodução)

Em Minas Gerais, outro ninho tucano, também houve revoada. O candidato do partido, Marcus Pestana, teve apenas 0,56% dos votos válidos, o pior resultado da história do PSDB no estado. Era o mesmo partido que governou Minas em quatro gestões e chegou ao segundo turno em 2018, com Antonio Anastasia, que depois foi para o PSD. Hoje, é ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Foram só dois deputados federais e um estadual eleitos.

O impeachment e o PSDB

Um deles é Aécio Neves, que recebeu 106.702 votos e conseguiu se manter na Câmara. Apenas oito anos atrás, o ex-governador e ex-senador por pouco não se elegeu presidente. Teve 48,36% dos votos válidos (pouco mais de 51 milhões de votos) no segundo turno de 2014, ante 51,64% da reeleita Dilma Rousseff (PT, com 54,5%). Imediatamente, Aécio passou a questionar o resultado e chegou a pedir recontagem de votos. Foi um momento decisivo, “mas não único”, das mudanças de rota do PSDB, diz Couto. “Quando questiona o processo eleitoral em 2014, está questionado o próprio processo democrático. Lança uma suspeita que tem consequências muito sérias.”

Outro desses momentos foi a posição do partido em 2016, no impeachment de Dilma. Com a simultânea ascensão do empresário e apresentador João Doria. “A emergência do Doria é ao mesmo tempo causa e sintoma”, diz o cientista político. “Só ganha força num partido porque realmente foi muito pra direita. Ali você já tem a adesão de tucanos importantes ao bolsonarismo. A gente viu, inclusive, o PSDB votar a favor do voto impresso. De certa maneira, foi se transformando num partido do Centrão, com dificuldade de lançar candidatura própria.” 

Assim, o que era um dos principais partidos do país perdeu força e, principalmente, identidade. “Que diferença faz hoje o PSDB com qualquer outro partido da direita? Sinceramente, não consigo ver qualquer diferença.”

Virada à direita

O próprio Doria se elegeu governador, em 2018, na onda bolsonarista. Tornou-se conhecida a expressão “Bolsodoria” durante a campanha eleitoral. Posteriormente, o tucano e o presidente se afastaram. Em junho último, Doria – que chegou a lançar candidatura à Presidência – anunciou sua saída da vida pública.

Em que pese o envelhecimento de uma geração de líderes, um processo que pode ocorrer em qualquer partido, Couto considera mais grave não conseguir se manter fiel aos princípios, aos propósitos que fundamentaram a criação e existência do partido. Expoentes mais jovens da legenda, como Bruno Araújo, atual presidente nacional, e Carlos Sampaio, têm perfil conservador. Não à toa, um jovem quadro tucano em São Paulo, Fernando Guimarães, foi abatido por tentar liderar um movimento mais “à esquerda” no PSDB. À época, Doria chegou a dizer que quem era contra o “novo PSDB” deveria sair. Guimarães não quis dar entrevista.