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Sem-teto vão acampar na Câmara Municipal até que o Plano Diretor seja aprovado

Vereadores se reuniram com manifestantes e garantiram votação até a próxima sexta-feira (27). No entanto, crise na base de apoio ao governo de Fernando Haddad (PT) pode dificultar o processo

Facebook/ Reprodução

Militantes do MTST celebram instalação de acampamento em frente à Câmara Municipal de São Paulo

São Paulo – Cerca de 5 mil acampados do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) prometeram hoje (24) permanecer acampados em frente à Câmara Municipal de São Paulo, no centro da capital, até que o projeto de revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade seja aprovado pelos vereadores. Os manifestantes ocuparam toda a via e a calçada em frente ao prédio com barracas de lona, colchões e papelão para servir de camas e, segundo a coordenadora nacional do MTST Ana Paula Ribeiro, têm estrutura para manter o local “pelo tempo que for preciso”.

O PDE deveria ter começado a ser discutido na tarde de hoje, durante sessão da Câmara Municipal, mas atritos entre os parlamentares que compõem a base aliada do prefeito Fernando Haddad (PT) adiaram o início da apreciação do texto no plenário. Na semana passada, os militantes do MTST realizaram uma reunião com o presidente da casa, vereador José Américo (PT), em que ficou acertado que a votação ocorreria hoje. Em mais um encontro com Américo e os também vereadores Alfredo Alves Cavalcante, o Alfredinho, e Juliana Cardoso (ambos do PT), o novo acordo é levar o projeto a votação na próxima sexta-feira (27). “O acordo foi firmado e não vai ser quebrado”, disse a coordenadora nacional do MTST Jussara Basso, no caminhão de som, para o grupo de manifestantes.

Também foi acordado que, se o projeto que muda o zoneamento da área onde está a ocupação Copa do Povo, no Parque do Carmo, na zona leste da cidade, não for aprovado, será apresentada uma emenda ao texto do Plano Diretor para lidar com a questão. A mudança de zoneamento é necessária porque a região onde está a ocupação é identificada no atual PDE como Zona Predominantemente Industrial (ZPI) e não pode receber projetos habitacionais. O projeto foi apresentado por Alfredinho, mas ainda não foi lido em plenário e, assim, não pode ser apreciado pelas comissões, nem entrar na pauta de votação.

Alfredinho confirmou a intenção de votar o plano antes do recesso parlamentar, que normalmente ocorre em julho, após a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). “Nossa intenção é votar no primeiro semestre. E vamos apresentar a emenda, caso o projeto de mudança de zoneamento da ocupação não seja aprovado”, afirmou.

O vereador Nabil Bonduki (PT), relator do projeto em discussão na Câmara, porém, avalia que pode ser complicado aprovar uma emenda. “O ideal é que fosse um projeto à parte. Uma emenda, diante das discussões feitas sobre isso, pode ser difícil aprovar”, ponderou.

Para o vereador José Police Neto (PSD), um dos lideres do grupo de descontentes na base governista e parlamentar de forte atuação sobre questões ligadas ao mercado imobiliário, mudar o zoneamento vai beneficiar o proprietário do terreno. “Ao mudar zoneamento você terá de aplicar também os valores de mercado de uma área residencial àquele terreno. Isso beneficia o dono dele. Se isso se tornar uma constante, vai ser lucrativo ter um terreno ocupado”, afirmou. Na manhã de hoje, ele e outros parlamentares tiveram uma reunião com Haddad para tentar alinhar a posição do governo com sua base de sustentação, sem sucesso.

Police afirma ainda que o MTST está sendo privilegiado no processo. “Temos um único movimento que manda no governo federal, no governo estadual e no prefeito. E propõe ações violentas e que estão beneficiando a especulação imobiliária. Isso é muito estranho”, afirmou. Segundo Ana Paula, o movimento não tem nenhuma discordância quanto ao último texto apresentado por Bonduki. “As demandas dos movimentos de moradia estão contempladas. Nós queremos a aprovação imediata do texto, sem emendas que prejudiquem as demandas dos movimentos sociais”, afirmou.

O movimento acusa ainda o vereador Police Neto de obstruir a tramitação do projeto na casa. “Sabemos que muitos vereadores recebem doações de empreiteiras. Mas os demais não estão dificultando a votação como ele vem fazendo. Não vemos sentido nisso”, disse Ana Paula. O coordenador Central de Movimento Populares (CMP), Benedito Barbosa, também presente ao protesto em frente à Câmara, também defendeu a votação do novo texto apresentado por Bonduki “da forma como está”. “O plano avança em demarcação de Zonas Especiais de Interesse Social, inclusive na região central da cidade, cria instrumentos para incentivar a construção de Habitação de Interesse Social, obriga as construtoras a concederem uma contrapartida para a cidade. Para nós, está muito bom”, explicou Dito, como é conhecido.

Segundo ele, a CMP ainda não definiu sobre ações de pressão pela votação, mas não descarta realizar novas ocupações na região central da cidade, como pretende o MTST. “Essa ação é deles, mas nós também podemos realizar ações desse tipo”, afirmou.

Parlamento

O clima de tensão entre vereadores e prefeito continua o mesmo. A base aliada de Haddad tem sido a principal fonte de obstáculos para encaminhar o processo de votação do plano, tanto que mesmo a discussão do projeto, que regimentalmente deve ser de duas horas, vem sendo derrubada sistematicamente por falta de quórum. Na sessão de hoje, nem mesmo a consideração de leitura dos novos projetos foi aprovada. Esse procedimento é realizado para não ser preciso ler projetos inteiros, alguns com centenas de páginas, de forma a adiantar a tramitação. Além disso, uma sessão extraordinária para discussão do projeto do Plano Diretor, aberta já às 18h, caiu por falta de vereadores presentes no plenário.

A situação revoltou o presidente da casa, José Américo (PT). “Eu vou encerrar a sessão e não vou abrir mais nenhuma hoje. Estou indo falar com o prefeito, porque desse jeito não pode continuar”, afirmou. E prosseguiu, em tom irônico: “Quero que seja dada uma cópia do regimento interno a cada vereador”. O vereador Rubens Calvo (PMDB) não gostou da postura de Américo. “O PMDB está presente. Nós não estamos atrapalhando procedimento nenhum”, afirmou. E recebeu as desculpas do presidente, que foi conversar com Calvo reservadamente. Nas últimas tentativas de discussão, o PMDB também não esteve presente.

Depois, Américo explicou que os vereadores não marcaram presença em solidariedade a Police Neto, em razão das críticas feitas pelos sem-teto sobre seus financiadores de campanha. Militantes do MTST queimaram um boneco representando o vereador e distribuíram cartazes com uma foto dele e as doações recebidas de empreiteiras.

O vereador recebeu doações das empresas Brasterra Empreendimentos Imobiliários (R$ 50 mil), Conquista Imobiliária (R$ 200 mil), Construtora OAS (R$ 100 mil) e Even Construtora e Incorporadora (R$ 50 mil). Essas doações são legais e estão registradas no Tribunal Regional Eleitoral. Segundo o presidente da Câmara, haverá uma reunião na noite de hoje para esclarecer a questão entre Police Neto e o coordenador nacional do MTST Guilherme Boulos.

Police Neto tem sido o principal opositor à votação do novo texto apresentado por Bonduki há duas semanas. Para ele, o texto piorou e as emendas incorporadas não foram discutidas com a sociedade. “A cidade vai ficar mais cara. A população de baixa renda não poderá viver no centro, que era um dos pontos principais que o texto anterior tinha. Este não é o texto discutido com a sociedade e enquanto for assim nós, do PSD, não votamos”, afirmou.

Para Bonduki, está havendo um exagero nesse apontamento. “Todas as emendas foram publicadas no Diário Oficial do município. O novo texto também está inclusive na página internet gestão urbana. Não estamos fazendo nada escondido”, afirmou.

A situação se complica cada vez mais na base de apoio de Haddad: há duas semanas, nenhuma votação ocorre na casa. Mesmo a tentativa de decretar feriado ontem (23), em virtude do jogo da seleção brasileira na Copa do Mundo, fracassou sem sequer ser votada. O vereador Milton Leite (DEM) acredita que existe um “embaraço” entre os vereadores, mas não esclareceu o que seria. “Nós vamos resolver isso e vamos votar este plano até sexta-feira, se Deus quiser”, resumiu.

Assim, o único esforço da oposição tem sido o pedido de conferência de presença, estratégia admitida pelo líder tucano, Floriano Pesaro. “Nós vamos obstruir a votação do texto como está. O PSDB não vota o Plano Diretor sem a devida discussão”, afirmou. Para Pesaro, o ideal é que o plano seja votado após o recesso parlamentar, ou seja, no segundo semestre.

Segundo o petista Paulo Fiorilo, o problema na base está sendo resolvido com reuniões e negociações. “Estamos construindo os votos necessários.” Segundo o vereador, existem muitas emendas de vereadores da base que estão sendo discutidas para tentar um acordo. Essas demandas, que os vereadores da base querem ter atendidas são a principal barreira para a votação do plano.