Saia justa

‘Protesto’ contra Cunha paralisa votação de matérias prioritárias para o governo

Base aliada e analistas legislativos dizem que iniciativa é ‘desastrosa’ e tende a levar a atrasos na apreciação de MPs e PLs na Câmara. Pauta do Congresso também corre risco de ficar trancada

Gustavo Lima / Câmara dos Deputados

Sílvio Costa: “É um jogo de partidos que passaram 11 meses paparicando Cunha”

Brasília – A decisão das legendas oposicionistas de obstruir os trabalhos da Câmara dos Deputados até que o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), se afaste do cargo, criou um problema para o ambiente no Congresso hoje (24). O clima entre parlamentares da oposição e da base aliada está mais tenso. O suposto “protesto” dos oposicionistas passou a ser chamado, pelos governistas, de “pretexto” para a obstrução das votações consideradas importantes. “É um jogo de partidos que passaram 11 meses paparicando Cunha e agora forjam essa situação para prejudicar o governo e parar o país”, acusou o vice-líder do governo, Sílvio Costa (PSC-PE).

O líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE) argumenta que os trabalhos do Congresso não poderiam parar num momento como este, de tantas propostas importantes para o Brasil. Mas os recados mais incisivos foram dados por Sílvio Costa (PSC-PE), que fez um apelo aos colegas para que participem da ordem do dia do plenário.

“Não entrem nessa. Não podemos fazer o jogo rasteiro da oposição. Peço a todos que marquem presença aqui no plenário. Quero dizer que fui o primeiro deputado a pedir à Procuradoria-Geral da República (PGR) o afastamento do Eduardo Cunha da presidência desta Casa, mas não concordo com a ideia da obstrução”, afirmou Costa.

De acordo com o deputado, “essa oposição que está aí tenta agora cooptar os outros colegas que têm a boa intenção de moralizar o Legislativo. Não caiam na jogada, até porque é um jogo sem credibilidade”, destacou – referindo-se a integrantes do Psol, Rede e parte do PSB que sempre contestaram a forma como Cunha comanda a Casa e que também anunciaram adesão à tentativa de obstrução.

“Os argumentos que estão sendo utilizados nesta Casa ao longo do dia objetivam impedir a votação de uma pauta que é fundamental para o país. Não vamos concordar com essa obstrução. O Brasil inteiro está nos olhando neste instante. Conclamo a todos para comparecerem ao plenário e participarem da votação”, disse também o deputado Paulo Pimenta (PT-RS).

“Partidos como o PSDB, o PPS e o DEM passaram o ano inteiro fazendo juras de amor ao presidente desta Casa. Agora, obstruir o plenário sob a alegação de que a situação está insustentável é mero pretexto para prejudicar as votações e fazer com que o Brasil pare. Nós estamos dizendo isso há muito tempo, mas essa política da oposição de parar o Congresso não interessa ao país. Vamos ter a nossa postura no Conselho de Ética, mas seguiremos votando e aprovando tudo aquilo que é importante”, acentuou Pimenta.

Pauta trancada

A pauta da Câmara dos Deputados está trancada por uma medida provisória (MP) e três projetos de lei (PLs). A medida provisória é a 691/15, que autoriza a União a vender imóveis de sua propriedade, incluindo os terrenos da Marinha situados em área urbana de municípios com mais de 100 mil habitantes.

Dois PLs constam da pauta da Casa com urgência constitucional. O primeiro fixa novas normas para o cálculo do teto de remuneração do servidor público e dos agentes políticos, previsto na Constituição (PL 3123/15).

O segundo determina que União, estados, Distrito Federal e municípios instituam sistema integrado de dados relativos às remunerações, proventos e pensões pagos aos servidores e militares, ativos e inativos, e pensionistas, para fins de controle do teto. Mas o texto mais emblemático é o PL 2016/15, que tipifica o crime de terrorismo e também tranca os trabalhos.

Por parte das matérias a serem apreciadas em sessão conjunta do Congresso estão programadas a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que norteia o Orçamento Geral da União (OGU) para 2016, a proposta que altera a meta de superávit do governo no exercício de 2015 e a proposta de Desvinculação de Receitas da União (DRU).

Os três itens têm sido objeto de reuniões constantes do Palácio do Planalto e da equipe de coordenação política com a base aliada, que insistem para que ao menos essas matérias sejam aprovadas até o final do ano, para adiantar a tramitação dos textos que integram o pacote de ajuste fiscal.

‘Medida drástica’

“É uma medida drástica que pode até resultar num acirramento de debates para levar à saída do Eduardo Cunha ou ajudar os trabalhos do Conselho de Ética a caminhar, mas por outro lado é uma atitude extremamente arriscada. As legendas que tomaram essa atitude estão agindo como se somente estivesse o fator Cunha em questão no Congresso Nacional, e o processo político não pode funcionar assim, atrasando ritos de votação”, avaliou o analista legislativo e cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Alexandre Ramalho: “A paralisação de trabalhos, em meio a uma pauta tão cheia e num momento de ajustes pode ser desastrosa”.

Atualmente, o plenário da Câmara conta com 266 deputados, mas os líderes da base aliada estão avaliando se é melhor cancelar as votações de hoje para dar continuidade à sessão amanhã ou se vão manter os trabalhos e insistir para que os parlamentares oposicionistas desistam da obstrução. Fazem parte do movimento para obstruir os trabalhos deputados da Rede, Psol, PSDB, PSB, PPS e DEM.

Apesar do clima de preocupação por parte das lideranças da base de apoio ao governo, o presidente da Câmara aparenta não se preocupar com as insurgências contra ele. Cunha já afirmou que não se abala com a iniciativa e disse estar confiante na continuidade das atividades da Casa: “Até porque esses partidos não possuem bancadas suficientes para evitar a votação dessas matérias”, ironizou.

As legendas oposicionistas alegam que a questão é de “moralização do parlamento”. “Quem estiver votando nesta sessão está, na verdade, dando um sim à permanência de Eduardo Cunha. É muito fácil para a base aliada falar nas matérias importantes e não se mexer pelo afastamento do presidente. Estamos numa fase de crise do Legislativo e é preciso resolver isso logo”, rebateu Daniel Coelho (PSDB-PE), partido que ajudou a eleger Cunha ao comando da mesa.

“Não estamos alienados da realidade, estamos cientes de tudo o que está acontecendo aqui com intimidação e destituição de pessoas concursadas e que se recusam a acatar as ordens arbitrárias do presidente. O que acontece aqui é uma anomalia e nossa intenção é combater essa anomalia”, justificou-se Chico Alencar (Psol-RJ).

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