Debate

Pressa do Congresso em mostrar serviço abre brecha para desvirtuar projetos

Especialistas alertam para que agenda positiva do Legislativo, fruto das pressões da sociedade, não seja alvo de inclusões oportunistas durante votação dos projetos de lei e emendas

Marcos Oliveira/Ag. Senado

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), conversa com a presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Virgínia Barros

Brasília – Embora deputados e senadores tenham trabalhado para impor uma agenda positiva no Congresso Nacional e tentar atender aos pedidos da população feitos durante as manifestações, especialistas políticos, bancadas dos estados e muitos dos próprios parlamentares consideram que nem todos os anseios estão sendo atendidos da forma como tem sido solicitado pelas ruas e que o momento precisa ser de bastante cautela, para evitar oportunismos. Vários exemplos foram observados nos últimos dias, quando Câmara e Senado tiveram, em suas votações, o fechamento de acordos e inclusão de itens, na aprovação de determinadas matérias, que não estavam previstos anteriormente.

Os exemplos foram os mais variados ao longo da semana. Na votação do Projeto de Lei 204, de 2011, que tipificou a corrupção como crime hediondo, o senador José Sarney (PMDB-AP) conseguiu incluir uma emenda que dá o mesmo destino ao homicídio simples. Na negociação para votação de um pacote de propostas legislativas nas próximas semanas, foi incluído também, o PL 7.663, de 2010, que institucionaliza a internação involuntária para usuários de drogas, do deputado Osmar Terra (PMDB-RS).

Também ficou acertado, nas articulações capitaneadas pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB – AL), que será realizada sessão conjunta do Congresso para apreciação dos vetos presidenciais, conforme solicitado pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP). E como se não bastasse, a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Trabalho Escravo terminou tendo seu teor desmembrado numa negociação de última hora durante sua apreciação ontem (27), na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), para que conseguisse ser votada com a celeridade desejada.

Rural e Urbano

A proposta, de caráter polêmico, passou anos sendo discutida nas duas casas legislativas e seu teor estabelece a desapropriação de propriedades onde seja observada a prática do trabalho escravo tanto em áreas urbanas como rurais. Esse tema vinha criando várias divergências, principalmente por parte da bancada ruralista. Foi incluído como forma de alcançar, ao mesmo tempo, comerciantes, empresários de fábricas e fazendeiros que cometam este tipo de crime, seja nas capitais, seja no interior do país.

Outro ponto que chamou a atenção dos observadores legislativos foi a mudança no teor da matéria referente à destinação dos royalties do petróleo para a educação. O governo queria aprovar 100% para o setor. A Câmara, no entanto, aprovou 75% do total dos royalties para a educação e 25% para a saúde. Agora o projeto segue para votação no Senado.

Uma preocupação neste sentido surgida entre os parlamentares esta semana diz respeito aos projetos de lei referentes a temas que envolvem mobilidade urbana, um dos principais pedidos das manifestações e prioridade solicitada pela presidenta Dilma Rousseff na pauta da Câmara e do Senado. “Se não ficarmos de olho, muita gente vai querer tirar sua lasquinha”, enfatizou um deputado que preferiu não se identificar, sobre o fato de o tema ter relação direta com as políticas estaduais e o patrocínio de empresários do setor de transportes aos políticos, nos períodos eleitorais.

Acordo “necessário”

Para o senador Aloysio Nunes, relator da PEC do Trabalho Escravo, caso o acordo não fosse feito, a matéria não seria votada e teria de sofrer novas alterações, o que atrasaria ainda mais a sua tramitação – já que a proposta está no Congresso há 11 anos. “Tivemos de concordar para conseguir esse resultado”, destacou Nunes. Pelo que ficou acertado, a matéria foi aprovada pela CCJ, mas com a condição de que grupo a ser criado já na próxima terça-feira (2/7) definirá dois pontos importantes: qual a definição a se dar sobre trabalho escravo e como regulamentar os processos de desapropriação.

Já o senador Pedro Simon (PMDB-RS) considerou o acordo uma forma de ceder à pressão dos que querem esfacelar a matéria. “Ninguém se engane. Essa foi uma forma que os parlamentares contrários à PEC do Trabalho Escravo encontraram para mudar o texto e que acabou sendo aceita no meio desse ímpeto. Não acredito que o teor aprovado pela CCJ não venha a ser modificado. A brecha foi aberta”, reclamou.

O professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Brasília, Antonio Soares, que elabora trabalho sobre o comportamento do Congresso na atual legislatura, considera que o momento exige calma por parte dos parlamentares. “O Brasil possui 183 mil leis, milhares obsoletas, milhares colidentes entre si, milhares colidentes com a Constituição. Não é viável, portanto, a produção de leis apenas para responder a um anseio imediato da população, principalmente no calor do debate. Muitos erros e confusões poderão surgir”, ressaltou.

“Para conseguir uma resposta rápida às manifestações e votar as matérias, é natural no mundo inteiro que sejam feitas concessões, como forma de se viabilizar a agenda. Mas nessas coisas feitas às pressas sempre se corre o risco de surgirem matérias imprensadas na pauta, os famosos contrabandos”, afirmou, por sua vez, o analista político Antonio Augusto Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Todo o Congresso

Na avaliação do cientista político David Fleischer, não adianta esse tipo de crítica ser feito por meio de queixas isoladas dos parlamentares. É preciso, segundo ele, que todo o Congresso passe a prestar mais atenção para tentar mudar essa cultura. “Esse negócio de pegar carona nas matérias que estão sendo votadas com mais pressa que o normal é comum em todos os legislativos. Mas isso depende do trabalho de alguns deputados e senadores mais sensatos levantarem questões de ordem e dizerem que não, isso não é aceitável e partirem para o voto em separado. É preciso ter alguém para desafiar esses acordos na hora em que estejam sendo delineados, mostrar que não são bons para o país. No caso desta semana, aparentemente ninguém no Senado levantou questão de ordem para desafiar o enxerto do senador Sarney”, disse Fleysher.