Dia da África

Para Lula, Brasil não pode reproduzir ‘estupidez da colonização’ na África

Ex-presidente defendeu em São Paulo as ações de parceria iniciadas por seu governo com o continente: 'Não é o empresário chegar e comprar empresas deles e pronto'

Vanessa Carvalho/Brazil Photo Press/Folhapress

Lula lamenta que a primeira imagem que se tenha em mente sobre a África seja a da miséria

São Paulo – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu hoje (27) as ações diplomáticas iniciadas por seu governo em direção à África, com parcerias inéditas de transferência de tecnologia. Ele falou durante evento realizado pela Prefeitura de São Paulo para celebrar o Dia da África. A data marcou a criação do Grupo de Trabalho Intersetorial “Educação das Relações Etnicorraciais” para elaborar proposta de implementação, acompanhamento e monitoramento da Lei 10.639, de 2003, que institui o ensino da História da África nas escolas públicas e privadas.

Lula começou criticando a visão equivocada sobre a África, que relaciona o continente somente à miséria. “O continente africano está passando por um processo democrático como em poucos lugares do mundo. No último ano e meio, tivemos 26 eleições executivas e legislativas no continente. Dos dez países que mais crescem no mundo, sete são africanos. Os países do continente crescem a 5% ao ano em média e, dos mais de 1 bilhão habitantes, 300 milhões de pessoas atingiram um padrão de classe média”, afirmou.

O ex-presidente ressaltou o carinho que os países africanos nutrem pelo Brasil, que já tem 40 embaixadas no continente e recebeu 17 novas em seu território nos últimos anos. “O Brasil pode ter uma relação diferenciada com a África. Não temos o direito de permitir que a estupidez da colonização retorne ao continente africano. Não é o empresário chegar e comprar empresas deles e pronto. Precisamos construir uma política de parcerias para eles construírem suas empresas. Eu falei na CNI (Confederação nacional das Indústrias) outro dia que é preciso ter diretores negros e africanos, não podemos fazer como a Volkswagen fazia no Brasil na década de 1960 quando todos os diretores eram alemães”, afirma.

Lula destacou a criação da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), criada pelo governo brasileiro para promover o intercâmbio acadêmico entre o Brasil e os países africanos de língua portuguesa. Outro ponto lembrado foi a instalação de escritórios da Embrapa em Gana e outros países para desenvolver tecnologias agrícolas que possam transformar a savana africana em terra produtiva, como foi feito no cerrado brasileiro. “Hoje 60% das terras agricultáveis do mundo está na África. Precisamos levar tecnologia para eles se tornarem grandes produtores de alimentos”, disse Lula, ressaltando a necessidade de políticas que levem o Brasil e os países da África a “crescer em igualdade de condições”. “O Brasil não deve ver esses recursos como gasto, mas como investimentos em nós mesmos”, afirma.

São Paulo

O prefeito Fernando Haddad (PT) afirmou a importância da implementação da Lei 10.639, de 2003, que inclui o ensino de história e cultura africana no currículo básico. “Na prefeitura, temos função importante de desdobrar as políticas no território para dar continuidade aos avanços”, afirmou, lembrando a coleção de oito volumes sobre História Africana traduzida pelo Ministério da Educação de um original produzido pela Unesco e agora resumida e adaptada como livro didático também pelo ministério.

“Temos que caminhar muito para podermos olhar para trás e dizer que resgatamos a história dos negros no Brasil e conquistamos a igualdade não só de direitos, mas também material. Isso é uma tarefa da política e os últimos dez anos são motivo de otimismo. São Paulo é a cidade mais negra do Brasil em números absolutos e precisamos avançar”, disse o prefeito.

O secretário de Igualdade Racial, Netinho de Paula, saudou a criação da sua secretaria em São Paulo como uma conquista do movimento negro brasileiro. “É o reconhecimento das necessidade de construir efetivamente estratégias sobre o tema racial”, disse. “Implementar a Lei 10.639 é um reconhecimento de que educar para os direitos humanos é valorizar a diversidade étnico-racial”, afirmou.

Homenageado da noite pelas contribuições de seu governo para a igualdade racial, o ex-presidente Lula também destacou a importância da criação da Sepir em São Paulo. “Quando se fala em São Paulo parece que esta tudo resolvido, mas a periferia da cidade é uma grande Recife, uma grande Salvador. Todos os problemas do Brasil estão lá, e com mais sofrimento porque nas cidades pequenas as pessoas não moram em barracos, não convivem com a violência”, avaliou.

Referindo-se a Netinho, Lula cobrou que coloque “coração na ponta da chuteira” e tenha disposição em ouvir a população. “Não pense que suas reuniões serão sempre festivas. Você vem com esse papo de ‘mano do gueto’, mas vai ver como os manos vão reagir se você não fizer o que eles querem”, brincou.