‘Pânico moral’ diz criminalista, sobre pauta dos governadores para a segurança
Professor Davi Tangerino afirma que pauta dos governadores do Sul e Sudeste é eleitoreira e terá “zero efeito prático”
Publicado 27/03/2024 - 19h03
São Paulo – Os governadores do Sul e do Sudeste apresentaram ontem uma pauta conjunta para a área de segurança pública, levando as propostas ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. Também aproveitaram a ida a Brasília para tratar do tema com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Eles reivindicam o endurecimento das leis penais como forma de endurecer o combate à criminalidade.
Para o advogado criminalista Davi Tangerino, se tratam de medidas eleitoreiras, com “zero efeito prático”, que apostam no “pânico moral”. Além disso, desincumbem os governadores das suas próprias funções na elaboração de políticas de segurança que combatam efetivamente o crime.
Pelas redes sociais, Tangerino rebateu um a um os pontos que os governadores apresentaram. O criminalista é doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Como é comum no tema de "segurança pública", apela-se ao pânico moral (a eterna emergência de Moccia e Ferrajoli), fazendo sugerir que situações desenhadas como graves sejam corriqueiras.
— DTangerino DPenal (@DTangerinoPenal) March 27, 2024
Os chefes estaduais defendem, por exemplo, uma revisão nos requisitos para concessão de liberdade provisória em audiências de custódia, no caso de crimes graves e quando há reincidência. De acordo com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), trata-se de pôr um fim ao “prende e solta”.
A realidade, segundo Tangerino, é que raramente não se converte em preventiva preso por crime grave, sobretudo reincidente. São casos que acontecem “excepcionalmente”. E mesmo com eventual alteração na legislação, casos “pontuais” continuarão a ocorrer.
Isso é maravilhoso para o gestor público, que, culpando o Judiciário e o Legislativo, não precisa se haver com as CAUSAS dos eventos criminalizados. Sujeito não tem casa, escola, projeto de vida, hospital etc. e passa a furtar ou vira avião do tráfico. Solução: mais cadeia. Bem…
— DTangerino DPenal (@DTangerinoPenal) March 27, 2024
Abordagem policial
Outra proposta dos governadores é dar carta branca aos policiais durante a abordagem de “suspeitos”. Isso como se já não tivessem. Leite ressalva que é preciso, no entanto, deixar expresso na legislação a vedação de abordagens “com base em preconceitos”.
O subtexto da proposta, de acordo com o criminalista, é que a “polícia boazinha está de mãos amarradas pelo maléfico legislador”. Ele destaca que não há norma que restringa a abordagem policial. Nesse sentido, anota que “aos trancos e barrancos” o Superior Tribunal de Justiça (STJ) atua para barrar abordagens “claramente abusivas”, em tema de invasão domiciliar, por exemplo.
“A Polícia aborda quem quer, quando quer, como quer”, destaca Tangerino. Segundo ele, uma força policial eficiente “age na raiz e não pegando os bagrinhos pela rua”. “Mas aí precisa de trabalho do Executivo. Mais fácil culpar o Judiciário e o Legislativo.”
Vetor 3: contexto de localidade (lugar de pobre). Ou é profunda ignorância, ou é cinismo. Em vez de brigar com as abordagens – que já são quase ilimitadas -, pq não investir em inteligência policial, em investigação?
— DTangerino DPenal (@DTangerinoPenal) March 27, 2024
Organizações criminosas
Além disso, os líderes sulistas e sudestinos querem tornar qualificado o crime de homicídio quando a mando de uma organização criminosa, com penas maiores, portanto. Para Tangerino, trata-se de “ignorância ou má fé”. Isso porque qualquer assassinato cometido a mando de organização criminosa já é considerado como homicídio qualificado.
Por fim, os governadores também querem permitir acesso pelas forças policiais às informações de monitoramento eletrônico “independente de autorização judicial”. Eduardo Leite justifica a proposta como forma de “melhorar a integração, qualificar a atuação policial e as investigações”. Tangerino se furtou a comentar esse ponto específico. Mas trata-se de um caso clássico de violação à privacidade, um dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Resumo: pânico moral, afastamento simbólico de suas próprias responsabilidades, direito penal simbólico. Zero efeito prático (mesmo que as leis sejam aprovadas), mas a foto boazinha, posada, de gestor do bem fica intacta.
— DTangerino DPenal (@DTangerinoPenal) March 27, 2024