Na raiz

‘Pânico moral’ diz criminalista, sobre pauta dos governadores para a segurança

Professor Davi Tangerino afirma que pauta dos governadores do Sul e Sudeste é eleitoreira e terá “zero efeito prático”

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Sanha punitivista dos governadores na Segurança é tipíca de "anos pares" – referência às eleições – aponta criminalista

São Paulo – Os governadores do Sul e do Sudeste apresentaram ontem uma pauta conjunta para a área de segurança pública, levando as propostas ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. Também aproveitaram a ida a Brasília para tratar do tema com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Eles reivindicam o endurecimento das leis penais como forma de endurecer o combate à criminalidade.

Para o advogado criminalista Davi Tangerino, se tratam de medidas eleitoreiras, com “zero efeito prático”, que apostam no “pânico moral”. Além disso, desincumbem os governadores das suas próprias funções na elaboração de políticas de segurança que combatam efetivamente o crime.

Pelas redes sociais, Tangerino rebateu um a um os pontos que os governadores apresentaram. O criminalista é doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Os chefes estaduais defendem, por exemplo, uma revisão nos requisitos para concessão de liberdade provisória em audiências de custódia, no caso de crimes graves e quando há reincidência. De acordo com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), trata-se de pôr um fim ao “prende e solta”.

A realidade, segundo Tangerino, é que raramente não se converte em preventiva preso por crime grave, sobretudo reincidente. São casos que acontecem “excepcionalmente”. E mesmo com eventual alteração na legislação, casos “pontuais” continuarão a ocorrer.

Abordagem policial

Outra proposta dos governadores é dar carta branca aos policiais durante a abordagem de “suspeitos”. Isso como se já não tivessem. Leite ressalva que é preciso, no entanto, deixar expresso na legislação a vedação de abordagens “com base em preconceitos”.

O subtexto da proposta, de acordo com o criminalista, é que a “polícia boazinha está de mãos amarradas pelo maléfico legislador”. Ele destaca que não há norma que restringa a abordagem policial. Nesse sentido, anota que “aos trancos e barrancos” o Superior Tribunal de Justiça (STJ) atua para barrar abordagens “claramente abusivas”, em tema de invasão domiciliar, por exemplo.

“A Polícia aborda quem quer, quando quer, como quer”, destaca Tangerino. Segundo ele, uma força policial eficiente “age na raiz e não pegando os bagrinhos pela rua”. “Mas aí precisa de trabalho do Executivo. Mais fácil culpar o Judiciário e o Legislativo.”

Organizações criminosas

Além disso, os líderes sulistas e sudestinos querem tornar qualificado o crime de homicídio quando a mando de uma organização criminosa, com penas maiores, portanto. Para Tangerino, trata-se de “ignorância ou má fé”. Isso porque qualquer assassinato cometido a mando de organização criminosa já é considerado como homicídio qualificado.

Por fim, os governadores também querem permitir acesso pelas forças policiais às informações de monitoramento eletrônico “independente de autorização judicial”. Eduardo Leite justifica a proposta como forma de “melhorar a integração, qualificar a atuação policial e as investigações”. Tangerino se furtou a comentar esse ponto específico. Mas trata-se de um caso clássico de violação à privacidade, um dos direitos fundamentais dos cidadãos.