Maquiagem?

Mudanças no orçamento secreto não resolvem principal problema. Movimentos populares defendem ilegalidade

Em meio o julgamento do STF, Congresso Nacional aprovou resolução determinando como a indicação da verba será dividida

Marcos Brandão/Senado Federal
Marcos Brandão/Senado Federal
Para o próximo ano, o governo Bolsonaro já previu R$ 19,4 bilhões para o chamado orçamento secreto. Texto com mudanças foi articulado por Lira e Pacheco

São Paulo –O Congresso Nacional aprovou nesta sexta-feira (16) o Projeto de Resolução (PRN) 3/2022 que propõe critérios para a distribuição das chamadas emendas de relator, conhecidas como “orçamento secreto”. A medida estabelece que 15% dos recursos fiquem nas mãos dos chefes das duas Casas Legislativas, sendo 7,5% para a presidência do Senado e a outra metade para o comando da Câmara. A maior parte dos recursos, 80%, seria destinada a indicações dos partidos políticos, de acordo com o tamanho das bancadas. 

Outros 5% da verba serão definidos pelo presidente e o relator da Comissão Mista do Orçamento. O texto, no entanto, não define o percentual para cada um. Apresentada na terça (13) pelas Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, a resolução é considerada uma reação da cúpula do Legislativo ao julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a constitucionalidade do orçamento secreto.

Criadas em 2019 pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), que buscava angariar apoio do chamado Centrão no Congresso, as emendas de relator deram ao Parlamento o poder de distribuir recursos do orçamento da União entre os deputados sem que os nomes dos parlamentares sejam públicos nem o destino do recurso. 

Os partidos Rede, PSB e Cidadania ingressaram no STF com uma ação, questionando a legalidade da prática, devido à falta de transparência. Até o momento, na Corte, há cinco votos contrários ao uso das emendas e quatro favoráveis. Depois de pedido de suspensão nesta quinta (15), pelo ministro Ricardo Lewandowski, a sessão volta na segunda (19) para os votos dele e de Gilmar Mendes. 

STF adia julgamento para segunda com placar de 5 a 4 contra o orçamento secreto

Outras mudanças

Com a resolução aprovada hoje, porém, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), querem tentar esvaziar os questionamentos dos ministros ao mecanismo. A medida também prevê que ao menos 50% dos recursos sejam aplicados nas áreas de saúde, educação e assistência social. Diferente do formato atual, em que a decisão sobre o destino das emendas cabe ao próprio relator-geral, sem critérios objetivos, a partir da resolução ele poderá apresentar indicações, mas desde que sejam feitas exclusivamente por parlamentares. 

O texto, contudo, não estabelece regras claras sobre como os recursos serão divididos. Mas que caberá ao líder de cada legenda fazer a divisão. Para o próximo ano, o governo Bolsonaro previu R$ 19,4 bilhões para as emendas de relator. 

Oposição reage

A aprovação da resolução vem dividindo opiniões, contudo. Entre os deputados, ele acabou recebendo 328 votos favoráveis, 71 a mais do que eram necessários. Outros 66 foram contrários à medida, que também teve quatro abstenções. No Senado, foram 44 votos a favor – três a mais do que as necessárias. Além de 20 contras e duas a favor. 

A avaliação da oposição é a de que o principal problema do orçamento secreto não é resolvido com essa mudança nas regras. “Querem legalizar uma indecência com o dinheiro público!”, acusou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). “Tentam agora aprovar um projeto que muda critérios do orçamento secreto, mas permanece a falta de critérios, de isonomia e o desrespeito com quem mais precisa. Nosso voto sempre foi e sempre será não”, escreveu o parlamentar. 

“É uma vergonha o Congresso Nacional aprovar às pressas um projeto de ‘salvamento’ do orçamento secreto. Os parasitas não querem abrir mão do controle do orçamento”, apontou em nota o Psol. 

Expectativa de julgamento no STF

A sigla disse ter a expectativa de que o STF torne as emendas de relator inconstitucionais. Do contrário, assim que promulgadas, as novas regras estabelecidas nesta sexta já começarão a valer. Ela não precisa ser sancionada pelo poder Executivo por ter sido apresentada pelas Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. A aprovação de hoje contou com forte apoio principalmente do chamado centrão, que deu sustenção ao governo Bolsonaro, como PL, Progressistas e Republicanos. A votação, contudo, dividiu parte do PT, crítico ao mecanismo. 

À Folha, o senador Jean Paul Prates (PT-RN), líder da minoria no Senado, afirmou que o partido não tinha “massa críticas para derrubar totalmente” o orçamento secreto e concordou com a “modulação”. “É a única saída que nós temos para que não fique como está. Se trata de uma nova regra, com transparência, com proporcionalidade e, principalmente, não impositividade”, justificou o senador.

Rosa Weber vota por ilegalidade do orçamento secreto


Movimentos populares pedem inconstitucionalidade

A Central de Movimentos Populares (CMP) defende que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare inconstitucional o orçamento secreto. Em nota, a organização afirma que a medida “facilita o desvio de verbas e a compra de votos e apoio dentro do Congresso”. Segundo a CMP, os empenhos do orçamento secreto, entre 2020 e 2022, já ultrapassam R$ 44 bilhões. Além disso, a central propõe, em contraposição ao orçamento secreto, a participação popular no destino de verbas federais. Confira íntegra da nota.

A Central de Movimentos Populares (CMP) defende que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare inconstitucional o orçamento secreto, criado durante o governo Bolsonaro. A prática legislativa, também conhecida como emenda do relator, consiste em destinação de verbas do orçamento público a projetos definido por parlamentares sem a necessidade de identificação, o que facilita o desvio de verbas e de compra de votos e apoio dentro do Congresso.

Na última quarta-feira, os ministros da Suprema Corte começaram a julgar a ilegalidade do orçamento secreto. Nove ministros já votaram e o placar, por enquanto, é de 5 a 4 contra o uso das emendas de relator. Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes pediram mais tempo para análise do tema e, por isso, o julgamento será retomado na próxima sessão, na segunda-feira (19). Os empenhos do orçamento secreto, entre 2020 e 2022, já ultrapassam R$ 44 bilhões.

A CMP reitera que a distribuição desses recursos não ocorre de forma transparente e é um instrumento de corrupção no país. Em contraposição ao orçamento secreto, a CMP defende a participação popular no destino de verbas federais para que o povo tenha decisão na construção de políticas públicas capazes de melhorar as condições de vida de quem hoje sofre com a fome, desemprego, carestia, falta de moradia, saúde e educação. Por essa razão, estamos propondo que todas as organizações da sociedade civil e o povo se mobilizem nas redes e nas ruas exigindo que o STF declare o orçamento secreto inconstitucional.