Movimento aprova, mas mudanças no Ficha Limpa ainda provocam discórdia

Responsáveis pela mobilização consideram que objetivo foi alcançado. TSE sustenta que efeito da lei vale para condenados após sanção

Com ou sem alteração, TSE é quem vai responder se medida vale para 2010 e em que termos (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

São Paulo – A polêmica alteração no texto do projeto Ficha Limpa, aprovado na quarta-feira (20) no Senado, continua. Embora o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), responsável pela redação original e pela coleta de assinaturas para a proposição de iniciativa popular, considere que a mudança não representa uma alteração descabida, diversos parlamentares criticam a alteração.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Ricardo Lewandowski, opinou que a lei deve ser aplicada ainda em 2010, mas apenas para condenações que ocorrerem entre a sanção presidencial e o registro da candidatura. O prazo para Luiz Inácio Lula da Silva sancionar (ou vetar) a medida é 3 de junho, enquanto o registro deve ser feito de de 10 de junho a 5 de julho, junto à Justiça Eleitoral.

“Esse é um princípio jurídico. A lei só pode retroagir para beneficiar alguém, nunca pode prejudicar”, disse o ministro. O pronunciamento não tem valor de sentença, já que foi feito em uma entrevista a repórteres. Duas consultas foram registradas no TSE sobre a aplicação da lei ainda em 2010. Lewandowski sustenta que o parecer será emitido antes do prazo para o registro das candidaturas.

Em cinco itens, o tempo verbal das frases foi alterado de particípio passado para o futuro do subjuntivo. Na prática, a expressão “tenham sido” foi trocada por “forem”, o que permite a interpretação de que apenas as condenações em tribunais colegiados – como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) – realizadas após a sanção presidencial é que inviabilizaram uma candidatura.

Em nota, o MCCE sustenta que a mudança não é substancial e considera o ajuste algo menor. A explicação do relator do projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, Demóstenes Torres (DEM/GO), de que se tratou de uma padronização sem efeitos sobre o sentido do texto foi aceita pelo jurista e membro do movimento Marcello Lavenère. Ele lembra que o tempo verbal usado é o que normalmente se aplica na legislação brasileira.

Para Francisco Whitaker, ativista anticorrupção e integrante do MCCE, o artigo terceiro inibe ambiguidades. Ele lembra ainda que há avanços, já que são 14 casos que levam a inelegibilidade – um dos quais tem 15 sub-casos. Ou seja, do total de 29 proposições, apenas cinco sofreram modificações de redação.

O autor da alteração, senador Francisco Dornelles (PP-RJ) – cotado para ser vice do pré-candidato à Presidência José Serra (PSDB) –, negou ter feito a alteração com o propósito de isentar pessoas já condenadas. Em entrevista ao jornal “O Globo”, ele insistiu na tese de que o ajuste foi apenas para padronizar o tempo verbal que já constava em outros itens do texto.

O relator do projeto na Câmara, deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), a modificação era desnecessária, especialmente por ter gerado uma interpretação diferente da prevista originalmente. “Evidentemente, hábeis advogados sustentarão essa tese em tribunal e agora tudo passara por uma situação que antes, em minha opinião, não havia”, disse ao Terra.

Cardozo entende que houve sim uma mudança na essência do texto, o que exigira que a matéria voltasse à Câmara dos Deputados para nova votação. Se isso ocorrer, as possibilidades de sanção presidencial até 5 de junho, considerado por juristas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) como prazo para que a norma valha na eleição deste ano. A visão é controversa, já que a Constituição prevê que mudanças na lei eleitoral passem a valer para pleitos realizados um ano após a entrada em vigor.

“Como havia dúvidas no texto que saiu da Câmara, os senadores fizeram uma emenda de reação para deixar claro que só os condenados depois da sanção da lei é que serão atingidos”, opinou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). Ele enviou carta ao MCCE, ele manifestou seus motivos para discordar da medida.

“Em homenagem ao Dia da Língua Nacional, celebrado hoje, lembro que a pretexto de usar o tempo verbal certo, o Senado mudou o texto e deu mais tempo aos que usaram dinheiro público erradamente”, escreveu “Isso não devia ser minimizado. Só ajuda os bandidos da política, que querem continuar elegíveis. E continuarão, na próxima eleição”, lamentou.

Pré-candidatos

A pré-candidata à Presidência da República Marina Silva (PV) criticou o que chamou de “gatilho” na redação. “Eu diria que essa questão foi um verdadeiro gatilho, porque a compreensão que se tinha era de que estava mantida a coerência do projeto. Tanto, que as próprias pessoas que participaram do movimento pela aprovação não tinham conhecimento dessa mudança”, lamentou, em entrevista em Salvador (BA).

Dilma Rousseff (PT), também pré-candidata, limitou-se a se posicionar favoravalmente ao Ficha Limpa. Em Nova York, nos Estados Unidos, ela defendeu que a norma valha para este ano. “Acho muito importante ter sido aprovado, sobretudo se puder viger para a  eleição de 2010. Isso vai tornar uma realidade o fato de que nós  teremos a partir de agora um quadro mais selecionado de políticos”, concluiu. José Serra não se manifestou.

Deixa disso

Heráclito Fortes (DEM-PI) discordou dos parlamentares que criticaram a alteração. “No fundo, (eles) não queriam a aprovação do projeto em tempo recorde e por unanimidade”, alfinetou. Ele qualificou como tentativa de “diminuir o que aqui foi votado” as declarações, que seriam ainda uma forma de “promoção pessoal”.

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