Entrevista

Lula corre contra o tempo e contra os juros para enfrentar setor do mercado que sabota seu projeto

Em entrevista ao “Brasil 247”, Lula critica os juros, manda recados aos adversários e faz balanço de um governo repleto de bombas a desarmar

TV 247
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São Paulo – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a manifestar nesta terça-feira (21) ter convicção de que a política de juros do Banco Central é o grande inimigo político do momento. Na entrevista ao site Brasil 247, Lula foi categórico em mandar recados tanto a Roberto Campos Neto, o homem de Paulo Guedes e Bolsonaro no Banco Central, quanto às forças do mercado que o puseram e o sustentam lá.

Lula sabe que o Comitê de Política Monetária do BC (Copom) não deve mexer na taxa Selic de 13,75% na reunião que começa hoje e termina amanhã (22) – se cair, será muito pouco. Mas não se pode baixar a guarda na guerra contra os juros no Brasil, onde um investidor em títulos públicos desfruta ganhos reais (acima da inflação) de mais de 8%. Nenhum Tesouro Nacional no mundo paga isso.

Para o mercado, que não gosta nem de Lula, nem do PT, a taxa elevada é um duplo ganho. Um, com a especulação propriamente dita. Outro com as amarras que a política de juros impõe ao projeto de país vencedor das eleições de 2022.

Embora costume detonar os livros de economia que tratam gasto público como inimigo das economias, Lula usa a moderna teoria econômica para bater no BC. “Uma coisa que eu acho absurda é a taxa de juros estar a 13,75%, num momento em que a gente tem o juro mais alto do mundo. E num momento em que não existe uma crise de demanda, não existe excesso de demanda”, afirma.

Com ele, concordam o Nobel de Economia Joseph Stiglitz, o formulador do Plano Real André Lara Resende e os professores norte-americanos Jeffrey Sacchs e James Galbraith. Todos participaram de seminário realizado pelo BNDES entre ontem e hoje.

“Vou continuar batendo”

“Juros altos são contraproducentes, pois podem levar a mais inflação, aumentam o custo da dívida pública e reduzem os recursos do governo para investimentos necessários ao crescimento econômico”, diz Stiglitz. “Para retirar o país da estagnação, é necessário conceber que o Estado é parte do projeto, não há como suprimir o Estado, não existe capitalismo sem o Estado competente”, defendeu Lara Resende. E o maior inimigo do Estado é o mercado.

Já o professor Galbraith observa que o Brasil é um dos lugares mais seguros do mundo para o investimento estar, pois está melhor que muitos países da Europa. “Tem uma estrutura financeira sólida, que protegeu bem o país na crise de 2008. Mas a política atual de juros altos no Brasil precisa ser abandonada, pois é insustentável, principalmente, com a crise climática.” Enquanto isso, seu compatriota Sacchs reitera que os juros altos distorcem a situação fiscal no Brasil. Ou seja, o Estado gasta muito para pagar especuladores e sobra pouco para investir em seu povo.

Daí o foco de Lula em enfrentar o BC. “Eu sinceramente acho que o presidente do Banco Central não tem compromisso com a lei que foi aprovada de autonomia do Banco Central. A lei diz que é preciso cuidar da responsabilidade da política monetária, mas é preciso cuidar da inflação também, é preciso cuidar do crescimento do emprego, coisa que ele não se importa”, diz Lula aos entrevistadores do Brasil 247 Leonardo Attuch, Helena Chagas, Luís Costa Pinto e Tereza Cruvinel.

“Vou continuar batendo, tentando brigar para que  a gente possa reduzir a taxa de juro para que a economia possa voltar a ter investimento. É irresponsabilidade o BC manter a taxa de juro a 13,75%”, diz Lula no 247

Bombas

O presidente enfatizou na reunião ministerial da última sexta (17) estar convicto de que corre contra o tempo. “Quatro anos passam rápido”, alertou, ao cobrar dos ministros pressa em mostrar serviço antes dos 100 dias de governo. Por isso, enquanto se desdobra para desmontar armadilhas, Lula sabe que uma das mais potentes bombas deixadas pelo antecessor está no Banco Central. É lá que estão grande parte dos entraves para executar seu projeto de desenvolvimento.

Medidas como o novo Bolsa Família, a valorização do salário mínimo e a ampliação na faixa de renda isenta de imposto farão algum efeito no mercado interno. Mas seu impacto nos indicadores econômicos demoram um pouco mais para aparecer. E para que esse efeito seja mais rápido e efetivo, é preciso derrubar os juros, tanto para reduzir as despesas do governo com bancos quanto para ampliar a oferta de crédito – aos consumidores e ao setor produtivo.

Por isso, Lula acha mais importante desqualificar de vez a linha dura do BC do que correr com a apresentação do novo arcabouço fiscal – as regras que substituirão o atual teto de gastos. Desse modo, a novidade costurada pela área econômica virá depois de seu retorno da China, onde ficará de 26 de março a 2 de abril. “A gente não tem que ter a pressa que algumas pessoas do setor financeiro querem. Eu vou fazer o marco fiscal, eu quero mostrar ao mundo que tenho responsabilidade”, diz Lula na entrevista.

Até porque, para anunciar o novo marco fiscal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, precisará estar aqui para lidar com a repercussão. “O Haddad (que também vai à China) tem que anunciar e ficar aqui para debater, defender, dar entrevista, conversar. Ou seja, não dá é a gente avisar e ir embora”, explica.

A busca da paz

Na entrevista ao Brasil 247, durante 1 hora e 40 minutos, Lula fez um balanço amplo de seus sentimentos. Da batalha jurídica para chegar à disputa presidencial ao enfrentamento dos atuais desafios depois da posse. Falou de seus 580 dias de prisão, da descoberta do grande jurista por trás do advogado Cristiano Zanin e de seu potencial técnico e humano para ser um futuro ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). “Uma grande revelação jurídica nesses últimos anos”, avalia.

Para em seguida ponderar: “Eu não quero indicar um ministro para fazer coisa para mim. Eu quero indicar um ministro da Suprema Corte que seja uma figura competente do ponto de vista jurídico. E que esse cidadão exista lá para que a Constituição da República seja respeitada”.

O presidente comentou a importância de um esforço global pela paz na Ucrânia. E elogiou a visita do líder chinês Xi Jinping a Vladimir Putin nesta semana, ressaltando a importância da Rússia na geopolítica mundial.

“A Rússia é muito importante para garantir que a paz no mundo prevaleça por muitos e muitos séculos. Como está todo mundo envolvido, o Brasil disse textualmente: nós condenamos a invasão da integridade territorial da Ucrânia. Achamos que a Rússia não poderia ter feito isso, não precisaria, mas fez. A guerra está lá já faz um ano, então, agora é preciso encontrar alguém que comece a falar em paz, porque os Estados Unidos não falam em paz”, observa.

Desse modo, deixa claro que o conflito será um dos temas mais importantes da delegação brasileira na China na próxima semana.

Assista à íntegra da entrevista de Lula ao Brasil 247