Democracia

Jornalista bloqueado por Bolsonaro no Twitter entra no STF com mandado de segurança

Ministra Cármen Lúcia é relatora de ação de William de Lucca. "Governo não tem apreço pela liberdade de expressão", diz advogado

Nelson Jr./SCO/STF
Nelson Jr./SCO/STF
Relatora do processo, ministra Cármen Lúcia costuma proferir decisões favoráveis à liberdade de expressão

São Paulo – Depois de ser bloqueado pelo presidente Jair Bolsonaro no Twitter, o jornalista William de Lucca entrou com um mandado de segurança (n° 36666) com pedido de liminar, no Supremo Tribunal Federal, contra a atitude do chefe do Executivo. A ministra Cármen Lúcia é relatora do processo. Para além do próprio caso específico, a ação pode inaugurar um debate no STF a respeito da liberdade de expressão no atual cenário de novas tecnologias. Também questiona um “governo que, notadamente, não tem apreço pela liberdade de expressão daqueles que se opõem a ele”, diz o advogado Antonio Carlos Carvalho, do escritório Carvalho e Vieira Sociedade de Advogados, que representa o jornalista no processo.

A iniciativa junto ao STF se inspira em decisão da Justiça norte-americana, no início de julho, que determinou que o presidente Donald Trump desbloqueasse jornalistas também no Twitter, por violação da Constituição dos Estados Unidos.

O argumento no mandado de segurança de William de Lucca é de que Bolsonaro utiliza o Twitter como canal oficial da presidência da República. “No momento em que ele usa a conta oficialmente, ele abre mão do entendimento de que o perfil é algo dele, individual. É um canal da presidência da República”, diz o advogado. “Desde que foi eleito, ele anuncia medidas provisórias e decretos pelo Twitter. Isso não tem nada de privado, é absolutamente público”, diz Carvalho.

De acordo com a argumentação, se o chefe do Executivo transforma seu perfil num canal oficial da Presidência, inclusive com funcionários do palácio destinados a ajudá-lo a administrar a conta do Twitter, ele não pode bloquear o jornalista. Primeiro, porque está impedindo seu acesso às informações da presidência da República. Segundo, porque impede de Lucca de se manifestar. E, em terceiro lugar, restringe a atividade do jornalista.

A expectativa do advogado é positiva em relação ao julgamento. O mandado de segurança, explica, é uma medida jurídica adotada quando uma autoridade age com abuso de poder ou de forma ilegal. “Na nossa avaliação, ele incorre nas duas hipóteses: age de forma ilegal ao restringir o acesso à informação, o que uma pessoa eleita não pode fazer, e abusa do poder na medida em que bloqueia o jornalista sem nenhum motivo aparente.”

O jornalista postou um tuíte em resposta a Bolsonaro sobre a questão da crise amazônica. O presidente respondeu que o Brasil não se dobraria a interesses externos. De Lucca questionou em novo tuíte, com uma foto em que Bolsonaro faz continência à bandeira americana, colocando a legenda: “Você está bem preocupado com interesses externos, né?”. O advogado observa que a postagem não é difamatória, nem ofensiva, mas está “dentro do padrão jornalístico e de um padrão de liberdade de opinião e expressão”.

Embora no Brasil não haja precedente em relação a essa discussão específica, no país já se consagrou que a liberdade de expressão prevalece sobre o direito à privacidade de figuras públicas, por exemplo na polêmica questão das biografias não autorizadas. Além disso, o caso envolvendo de Lucca e Bolsonaro é muito parecido ao de Trump, até porque ambos usam o Twitter de maneira quase idêntica.

Julgamento exemplar sobre liberdade de expressão no Brasil se deu na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, na qual o STF decidiu que, em caso de uma pessoa se sentir ofendida, injuriada ou difamada, ela pode ir à Justiça e pedir indenização, por exemplo. “A reparação de danos e o direito de resposta devem ser exercidos nos termos da lei”, escreveu a ministra Cármen Lúcia, coincidentemente também relatora da ADI 4815. Para a ministra, porém, é “inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias”.

“Esse caso é diferente do nosso, mas ilustra a prevalência da liberdade de expressão sobre o direito de privacidade”, afirma Carvalho. “Tomara que o Supremo assuma a sua tarefa constitucional e ajude a retomar a democracia no Brasil.”